Árvores não bastam

Paisagens por entre rios e serras do Curral Del Rey

Minas Gerais se destaca pelas múltiplas paisagens entre rios e serras. Entende-se por Serra do Curral o alinhamento geológico e geomorfológico entre o Rio Paraopeba e o Rio das Velhas. Trata-se de uma região que se encontra em processo de tombamento. Enfim, uma boa notícia em tempos de vivências sombrias e desoladoras. O Iepha está promovendo estudos interdisciplinares para o novo tombamento do patrimônio histórico da antiga Serra das Congonhas. Um passado está prestes a ser recuperado. Voltemos no tempo e imaginemos uma serra que, além de marco significativo da paisagem local, era berço de inúmeras nascentes com águas abundantes usadas em processos diversificados – da agricultura e pecuária aos cuidados domésticos e atividades comerciais.

Estamos em meados do século 19 e vários córregos cristalinos descem da serra em direção ao Ribeirão Grande: Acaba Mundo, Barreiro, Bonsucesso, Cardoso, Cercadinho, Leitão, Mangabeiras, Navio, Piteiras e Serra, entre outros. Tempos em que o Ribeirão Arrudas contribuía com suas límpidas águas para a formação do Rio Guaicuí, posteriormente denominado de Rio das Velhas. Tributários hidrográficos que abundavam no território da futura capital mineira, mas o progresso trouxe a canalização e a poluição de vários cursos d’água naturais. E assim, com o crescimento das cidades, rios, ribeirões e córregos foram apagados e exterminados da história da urbe. É comum trafegarmos em uma avenida movimentada sem imaginar que debaixo dela há um córrego morto, poluído e sepultado.

É comum trafegarmos em uma avenida movimentada sem imaginar que debaixo dela há um córrego morto, poluído e sepultado.

Vale ressaltar que essa serra, símbolo da capital e ícone paisagístico de referência para a Grande BH, é tombado nos níveis federal (1960) e municipal (1990), mas isso não assegurou a preservação desse cartão-postal ímpar. Na década de 1960, Carlos Drummond de Andrade já manifestava seu desagrado com a postura descuidada em relação à Serra do Curral Del Rey, principalmente no que tange  aos antecedentes de degradação de seus ecossistemas e geossistemas pela expansão urbana desordenada e pela contínua mineração. A atividade minerária descaracterizou recortes com uma velocidade impressionante. Enfim, comemoremos o tombamento e que ele marque efetivamente a preservação desse marco singular tão belo e aprazível.

A Serra das Congonhas era uma antiga referência para o Curral Del Rey. Em 1701, Silva Ortiz fundou a Fazenda do Cercado, e, posteriormente, um arraial dedicado à Senhora da Boa Viagem foi erguido nas imediações, vinculado à Comarca de Sabará. O IBGE registra que, “em 1711, Ortiz obtém carta de sesmaria das terras com os limites fixados pelas serras do Curral, Jaborema, Jatobá, José Vieira, Pangaré, Taquaril, Navio, Rola Moça e Mutuca”. O povoado do Curral Del Rey foi crescendo, transformando-se em referência nos caminhos entre os sertões do São Francisco e da Bahia e os arraiais mineradores. Por entre rios e serras, paisagens bucólicas eram significativas e ficavam registradas na história e na memória de transeuntes. O povoado era contemplado como pouso das comitivas de boiadas e tropas que passavam por ali, pausando para o restabelecimento e regeneração das energias vitais. 

Córregos, ribeirões e pastagens verdejantes eram um alento para quem percorria longos trajetos a pé. Em 12 de abril de 1890, Nossa Senhora da Boa Viagem do Curral del Rey passa a chamar-se distrito de Belo Horizonte. Porém, o lugar foi escolhido para a construção da nova capital mineira, e, em 1897, Ouro Preto deixa efetivamente de sediar o executivo estadual, que foi transferido para a Cidade de Minas, uma urbe planejada para 200 mil habitantes. Com o crescimento da cidade nos anos 1970, a Serra do Curral começou a apresentar descaracterizações significativas. Várias unidades de conservação se somaram aos tombamentos, mas o cenário serrano sucumbiu à degradação e à devastação de suas paisagens. Assim, no tempo presente, saber que a serra será tombada em nível estadual é renovar as esperanças de que ela se efetive como parque estadual ecológico apropriado por toda a população metropolitana. 

Destaca-se que esse tombamento ampliará as áreas iniciais dos anteriores, contemplando áreas do Taquaril, Curral, Água Quente, José Vieira, Mutuca, Jatobá e Rola Moça, abrangendo áreas dos municípios de Sabará, Belo Horizonte, Ibirité, Nova Lima e Brumadinho. A sociedade precisa conhecer esse importante avanço, e a serra deve, de fato, ser salvaguardada de todos os infortúnios que a perseguem ao longo das últimas décadas. Uma Serra do Curral integralmente preservada é o sonho dos mineiros, e Drummond certamente se alegraria ao saber dessa notícia.

No entanto, os tombamentos federal, estadual e municipal só garantirão a preservação das paisagens culturais e do patrimônio geológico e ecológico da Serra do Curral se forem efetivados em conjunto com a implantação de unidades de conservação que resguardem a biodiversidade e a geodiversidade e promovam a apropriação popular dos recortes especiais serranos. A ampliação do Parque da Serra do Rola Moça e a implantação do Parque Presidente Wenceslau Braz, criado em 1977, são projetos que precisam ser rediscutidos, tendo em vista a formação de um grande parque urbano metropolitano. Quem sabe nascerá um parque chamado Carlos Drummond de Andrade, que seja a marca do futuro e demonstre o avanço da sociedade mineira na preservação de seu patrimônio histórico e ecológico. 

Juliana Barros Pereira / Bacharel em Direito pela Faculdade de Direto da UFMG e professora do curso de Direito da Faculdade Promove. Vagner Luciano de Andrade / Geógrafo e historiador com especialização em Educação, Patrimônio e Paisagem Cultural. Biólogo e gestor ambiental com especialização em Educação, Patrimônio e Paisagem Natural