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‘A universidade não deve ser instrumento político de governos’, afirma Evando Mirra

Professor emérito ministrou aula magna para calouros na abertura do semestre letivo

Evando Mirra
Evando Mirra Foto: Foca Lisboa / UFMG

Na manhã desta segunda-feira, 1º, o professor emérito da UFMG Evando Mirra de Paula e Silva ministrou aula magna na recepção aos calouros do segundo semestre de 2016.

Os alunos foram recebidos no auditório do Centro de Atividades Didáticas 1 (CAD 1) pelo reitor Jaime Ramírez. “Costumo dizer que a vida é dividida em duas etapas: antes e depois da universidade. O que irão viver a partir de hoje será uma experiência muito rica e, certamente, única”, disse o reitor.

Jaime Ramírez: formação profissional e cidadã
Jaime Ramírez: formação profissional e cidadã Foto: Foca Lisboa / UFMG

Ramírez fez referências à época em que também ingressou como calouro na UFMG e destacou que o percurso na Universidade deverá resultar na formação profissional e cidadã dos novos estudantes. “Que a estada na UFMG caiba na mão de cada um, mas seja do tamanho do sonho de vocês”, desejou.

Origem e caminhos
Em A universidade e a construção do futuro, espécie de apresentação do que seja uma universidade como instituição, Evando Mirra tratou das remotas origens do ensino, da pesquisa e da extensão universitárias, para, em seguida, abordar os caminhos prováveis a serem trilhados por essa instituição no século 21.

Dirigindo-se a uma plateia repleta de novos estudantes [foto abaixo], Mirra lembrou que, desde sua fundação como instituição, ocorrida no início do segundo milênio, a universidade manifesta clara vocação para a metamorfose. “Ainda que com cautela – uma característica própria dessa instituição –, a universidade sempre foi se transformando, de forma a incorporar as questões próprias de seu tempo”, afirmou.

O professor lembrou que a instituição surge sob o signo universitas magistrorum et scholarium, algo como associação de mestres e alunos, ou seja, um conjunto de mestres e de estudantes que passaram a se congregar em uma mesma instituição por estarem ligados pelos mesmos interesses e objetivos culturais.

Calouros assistem à apresentação de Mirra
Foto: Foca Lisboa / UFMG

Em sua aula, Evando Mirra delimitou o lugar específico que a universidade, como instituição educacional, ocupa na comparação com outras entidades do setor. “Sua particularidade é a de que, desde o início, visa pôr o conhecimento em questão. A universidade não se limita ao simples gesto de transmitir um conhecimento existente. Ao contrário, ela busca fazer uma reflexão sobre o próprio significado desse conhecimento e investigar a forma como ele se constitui”, disse.

Evando Mirra também destacou o caráter plural das reflexões empreendidas pela instituição. “A universidade sempre valorizou as posições diferentes. Nela, a compreensão é de que as diferenças unem em vez de afastar. Ela sempre apostou que é do embate de opiniões distintas que se pode elaborar convergências mais sofisticadas”.

Dimensão pedagógica
Outra particularidade da universidade como instituição de educação, segundo Evando Mirra, é o entendimento da pesquisa não como uma dimensão paralela ao ensino, mas essencial mesmo a esse processo, em sua dimensão pedagógica. “Mesmo para o estudante que não vai se tornar um pesquisador em senso estrito, a pesquisa é importante. Ter experimentado a pesquisa, entendido seu funcionamento, faz de quem vai trabalhar no mercado um profissional diferente daquele que não passou pela pesquisa”, salientou.

O professor discorreu sobre a função potencializadora exercida pela pesquisa no âmbito do ensino. “Essencialmente é esse o papel da pesquisa: possibilitar ao sujeito frequentar uma cultura em que há produção de conhecimento. Pela pesquisa, a gente se transforma”, afirmou. “A convivência com a pesquisa é formadora. Depois de vivenciarmos o processo de produção de conhecimento, nós nos tornamos capazes de observar o mundo e de nos relacionarmos nele de outra forma, mais rica e fecunda. Quem passou pela produção do conhecimento lê o próprio conhecimento de forma mais crítica”, disse.

Evando Mirra metaforizou essa relação citando uma afirmação de Paul Valéry sobre as artes gráficas e plásticas. “Há uma imensa diferença entre ver uma coisa sem o lápis na mão e vê-la desenhando-a. São duas coisas bem distintas. Até o objeto mais familiar aos nossos olhos torna-se inteiramente outro se nós nos aplicamos a desenhá-lo: percebemos então que nós o ignorávamos, que não o havíamos jamais verdadeiramente visto”, parafraseou o professor. Seguindo essa linha de raciocínio, processo semelhante ocorre com o indivíduo na relação que estabelece com o mundo: o ato de pesquisar equivaleria ao desenhar o que se vê, possibilitando novas formas de percepção.

Novos alunos dos cursos diurnos foram recebidos no auditório do CAD 1
Novos alunos dos cursos diurnos foram recebidos no auditório do CAD 1 Foto: Foca Lisboa / UFMG

Autonomia
Evando Mirra também abordou a autonomia que a universidade, por natureza, tem – e precisa manter, por convicção – em relação aos governos. “A universidade não é nem deve ser um instrumento político de governos. Nosso conteúdo não pode ser definido politicamente por uma instância externa à instituição, não pode ser definido por nenhuma ideologia de governo. Ela é fruto de um jogo muito mais complexo, que leva em conta o que é, de fato, a produção do conhecimento e a formação de pessoas no mais alto nível”.

O professor lembrou que é dessa mesma autonomia que surge a expressão “torre de marfim” – muito usada pejorativamente – para explicar esse isolamento da universidade. Para ele, esse isolamento é ambíguo: positivo, por ser a base da autonomia da universidade em relação aos governos, e negativo, na medida em que demanda proximidade com a comunidade que ela atende.

“A dimensão da extensão surge no sentido de atuar na contramão desse elitismo universitário”, explica Evando Mirra. “Extensão significa um conjunto de atividades com o qual a universidade amplia o alcance do ensino da pesquisa, colocando-se em contato imediato com o mundo que a rodeia”, explicou. “Ela contribui para difundir, diretamente, a cultura que a universidade congrega e produz, ao mesmo tempo em que a universidade aprende a conhecer melhor a realidade em que se insere e recolhe elementos para enriquecer seu projeto acadêmico”.

Evando Mirra
Foto: Foca Lisboa / UFMG

O ensino é o futuro
Os rumos da universidade no século 21 também pautaram a conclusão da aula magna de Evando Mirra. Entre outros aspectos, o professor disse que os caminhos que a universidade deve trilhar passam pela democratização do conhecimento e de seu acesso, pela explosão das tecnologias digitais, pela mobilidade internacional e pela integração de processos com a indústria.

“Isso significa que a universidade vai participar cada vê mais da inclusão social, vai incentivar a pluralização de valores, vai entender a educação como grande empreendimento universal, estabelecendo um diálogo mais intenso com o espaço de produção material e realizando, a partir de uma visão crítica, uma contribuição original para a geração de riqueza e empregos e para a modernização e transformação dos países”.

Depois de falar sobre a importância da transdisciplinaridade como epicentro de soluções originais nesse novo cenário, Evando Mirra destacou que, só no fim do século 20, a frase “colaborar para competir”, que antes parecia encerrar ideias contraditórias, se torna popular. “O jogo agora passa pela construção do conhecimento na controvérsia, em colaboração. Agora, entendemos a pluralidade de questões e visões não como problema, mas como parte da solução. É por meio da escuta que poderemos aprender a construir coletivos e visões convergentes”, disse.

Evando Mirra de Paula e Silva é professor emérito do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola de Engenharia da UFMG. Foi vice-reitor da Universidade na gestão 1990-1994 e pró-reitor de pesquisa, além de chefe de departamento e presidente de diferentes entidades do setor educacional, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Vida acadêmica
A recepção de calouros prossegue às 17h30, com apresentações sobre o tema A vida acadêmica na UFMG, a cargo dos pró-reitores de Graduação, Ricardo Takahashi, de Assuntos Estudantis, Tarcísio Mauro Vago, da pró-reitora adjunta de Extensão, Cláudia Mayorga, da diretora adjunta de Relações Internacionais, Miriam Jorge, e de representante do DCE-UFMG.

A partir das 19h, o professor Jacyntho Lins Brandão, da Faculdade de Letras, ministrará a aula magna para os alunos do turno da noite.

Ewerton Martins Ribeiro