Pesquisa e Inovação

Cientista política analisa como a imprensa tem tratado os movimentos feministas no Brasil

Tese de Rayza Sousa descobre tensões e supressão de vozes desde a luta das mulheres pelo direito ao voto, nos anos 1920

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Eleitoras do Rio Grande do Norte, as primeiras a conquistarem o direito ao voto no Brasil, em 1928Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino/Arquivo Nacional

Desde a bandeira levantada pelas sufragistas sobre o direito ao voto, passando pelas discussões sobre violência contra a mulher, saúde sexual e reprodutiva, até os debates mais recentes envolvendo o assédio masculino em espaços públicos, as pautas feministas sempre foram acompanhadas de perto pela imprensa. “Essa cobertura jornalística, no entanto, é permeada por tensões, ironias textuais e apagamento de vozes”, afirma a pesquisadora Rayza Sarmento de Sousa, doutora em Ciência Política pela UFMG.

Rayza defendeu, no ano passado, a tese de doutorado Das sufragistas às ativistas 2.0 – Feminismo, mídia e política no Brasil (1921 a 2016). Ela examinou 579 textos publicados no jornal Folha de S.Paulo, divididos em três momentos, que chamou de “ondas”. A primeira abarca o período de 1921 a 1959, quando o voto e o trabalho fora do lar eram os temas mais recorrentes na agenda do feminismo. Na segunda onda, de 1960 a 1989, a pauta feminista encontrava mais espaço nos cadernos de cultura. A terceira onda compreendeu o período de 1990 a 2016, quando a participação das mulheres na política e o ativismo em si foram os assuntos em evidência. A pesquisa foi tema de reportagem da edição 2012 do Boletim UFMG.

Sujeitos desviantes
A teoria política feminista e os estudos feministas de mídia foram incorporados à tese, de acordo com a pesquisadora, com a proposta de revisar o modo como os estudos de gênero interpelam questões centrais do pensamento político e da democracia. Rayza afirma que o movimento feminista “não esteve invisível, tampouco saiu de cena durante esses 95 anos. Nas três ondas, as conquistas da militância organizada ora eram enaltecidas, ora desacreditadas, em um contínuo vaivém”. A noção de que as feministas são sujeitos “desviantes” esteve presente em cada um dos períodos analisados, segundo a autora. “Em todas as ‘ondas’, as ativistas foram retratadas como opostas às ‘mulheres normais”. Além disso, o feminismo foi comumente retratado como uma ‘guerra contra os homens’”, destaca.

Rayza relata que os termos associados à concepção de feminismo como um “desvio” foram mudando ao longo dos anos. “Nas primeiras décadas do século 20, era comum a referência à feminista associada à ideia de ‘mulher-macho’. De 2010 em diante, o termo pejorativo ‘feminazi’ passou a figurar em colunas de opinião. Isso demonstra que o imaginário sobre as feministas construído nos primórdios do movimento ainda encontra ressonância”, observa.

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'Marcha das vadias', em Brasília (2011)Elza Fiuza/Agência Brasil/ Creative Commons/Attribution 3.0 Brazil

Emergência da internet
“No início, os jornais focavam líderes feministas de forma personalizada. Com o passar do tempo, emergiu uma maior pluralidade de sujeitos e de pautas. Mais recentemente, os coletivos que se valem da internet como plataforma de atuação vêm tendo presença marcante na cobertura”, observa Rayza Sarmento.

A pesquisadora entrevistou 12 mulheres ligadas a diferentes vertentes e gerações do feminismo brasileiro, incluindo negras, lésbicas, travestis, membros de ONGs e ativistas digitais, acionadas por meio das organizações de que fazem parte: Blogueiras Feministas, Católicas pelo Direito de Decidir, Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Centro Informação Mulher (CIM), Coletivo Transfeminismo, Fórum Nacional de Mulheres Negras, Instituto Patrícia Galvão, Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), Marcha Mundial das Mulheres, SOS Corpo – ­Instituto Feminista para Democracia e União Brasileira de Mulheres. “As ativistas consideram essa mídia um espaço que precisa ser ocupado pelo ativismo, mas também um ator político que reproduz o machismo”, resume a pesquisadora, acrescentando que a internet figurou em várias falas como espaço importante de contranarrativa.

A pesquisa, segundo a autora, evidencia a importância da investigação sobre a visibilidade pública de atores e atrizes sociais e políticos ao longo do tempo. “Além dos processos de consolidação de preconceitos e estereótipos, esse tipo de pesquisa ajuda a compreender os avanços nos debates sobre muitos temas”, considera.

Parte da pesquisa de Rayza Sarmento de Sousa foi desenvolvida, com subsídio de bolsa de doutorado-sanduíche, na Northumbria University, de Newcastle (Reino Unido). Lá, ela foi orientada pela professora Karen Ross, referência internacional nos estudos feministas de mídia. Graduada em jornalismo pela Universidade da Amazônia (PA), Rayza é professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

TeseDas sufragistas às ativistas 2.0 – Feminismo, mídia e política no Brasil (1921 a 2016)
Autora: Rayza Sarmento de Sousa
Orientador: Ricardo Fabrino Mendonça
Defesa: 3 de maio de 2017, no Programa de Pós-graduação em Ciência Política

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Lara Marques / UFMG

Matheus Espíndola / Boletim 2012