Ars Nova-Coral da UFMG comemora 60 anos

Celebração inclui participação de ex-integrantes nos concertos de Natal

Belo Horizonte, fim da década de 1950. Entusiasmado com a música coral, um grupo de jovens começa a se reunir para praticar o canto em conjunto e fazer serenatas pela cidade. O ponto de encontro era a casa de Márcio José Veloso, próxima à Avenida Bias Fortes e à antiga sede do Diretório Central dos Estudantes da UFMG, na Rua dos Guajajaras. Iniciado de modo amador, o grupo vocal independente logo ganhou a regência do maestro Sérgio Magnani, um apelido, Coral da Juventude Universitária, e uma sala na União Estadual dos Estudantes (UEE), entidade que pouco tempo depois acolheu o grupo, então nomeado Coral da UEE.

Aquele era o começo do que viria a ser o Ars Nova-Coral da UFMG, que completa, neste ano, seis décadas de existência. Quem conta a história é o próprio Márcio Veloso, à época com 24 anos e hoje com 84, sendo 31 deles como integrante do coro. Advogado aposentado, Márcio atuou em diversas iniciativas do campo da cultura e em sua área de formação, mas atribui ao Ars Nova papel central em sua trajetória de vida. “O coral me marcou intensamente. Nós fizemos um trabalho de altíssimo nível, e é muito trabalho: exige harmonia, disciplina, competência, muita coisa”, atesta.

Em 1963, o maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933-2006) assume a regência do Ars Nova, que permaneceria sob sua batuta por 41 anos. No ano seguinte, a convite do reitor Aluísio Pimenta, o grupo passa a integrar os quadros da então Universidade de Minas Gerais, o que proporciona solidez ao trabalho do coro. Assim, de Coral da UEE, o grupo passa a Coral da UMG e, com a federalização e mudança de sigla da instituição, a Coral da UFMG. Finalmente, os integrantes do grupo o batizam com o nome que ele tem até hoje e com o qual ficou conhecido mundo afora: Ars Nova-Coral da UFMG, em referência a um movimento marcante da música ocidental surgido no século 14.

Formação e composição

Para o canto coral em Minas Gerais e no Brasil, o Ars Nova teve papel emblemático e multiplicador, contribuindo para a construção de um campo artístico e profissional. Numa época em que pouquíssimas instituições ofereciam cursos de música em Belo Horizonte, o coro cumpriu destacada função formativa para cantores e regentes. E mais: inspirou o surgimento de vários grupos de música vocal e fomentou a composição de obras para coro – o próprio maestro Carlos Alberto escreveu dezenas de peças e arranjos que logo se tornaram conhecidos.

Em 1967, Ana Maria Lana, hoje professora aposentada da Faculdade de Medicina da UFMG e musicoterapeuta, soube por um anúncio no jornal de um concurso do Ars Nova para novos cantores. Com formação em piano, mas sem qualquer experiência em canto, ela e sua irmã, Cida Lana, resolveram se aventurar na seleção e foram aprovadas. Assim criou-se o forte vínculo afetivo de Ana com o grupo, que ela integrou em dois períodos distintos: de 1967 a 1971 e de 2001 a 2004.

Dois anos depois de seu ingresso no Ars Nova, em 1969, Ana Lana participou da primeira viagem internacional do coro. Após ser selecionado entre vários outros corais brasileiros, o grupo participou do 2º Festival Internacional de Coros Universitários, promovido pelo Lincoln Center, de Nova York (EUA), com apresentações em turnê por várias cidades da costa leste americana. Ao final daquele Festival, quando todos os coros se reuniram em festa, ocorreu um dos momentos memoráveis da trajetória de Ana Maria Lana no Ars Nova. Profundamente tocado pelo assassinato de Martin Luther King no ano anterior, o Morehouse College Glee Club, coro de homens negros da cidade de Atlanta, puxou uma homenagem ao líder do movimento negro estadunidense. “Eles fizeram todos se darem as mãos em uma roda gigantesca, e todos cantaram aquele hino da luta por direitos civis chamado We shall overcome. Foi emocionante, arrepio até hoje”, relembra.

A essa viagem, seguiram-se diversas excursões do Ars Nova ao exterior, levando a 17 países de três continentes um vasto repertório, tanto ícones da tradição europeia quanto músicas inspiradas nas manifestações culturais populares do Brasil. Segundo Márcio, a recepção que o grupo tinha nos lugares aonde chegava era efusiva e calorosa, muitas vezes com a presença de autoridades locais, atestando seu reconhecimento em âmbito mundial. O contato com outras culturas e grupos não só expandia o nome da UFMG e do Ars Nova, como também enriquecia seu trabalho e ampliava a vivência dos cantores.

Colaboração e harmonia

Professor no Departamento de Psicologia da UFMG e atual coordenador do Programa de Pós-graduação em Psicologia, Sérgio Cirino conta que o aprendizado que teve com a participação em grupos corais perpassou toda sua carreira profissional e reverbera, até hoje, em seu fazer acadêmico. Aos 10 anos, Sérgio entrou no Coral Professor Guilherme de Azevedo Lage, na escola municipal onde estudava, no bairro São Cristóvão, e, na adolescência, integrou o coro do Modern American Institute. Aos 18 anos, foi aprovado na audição do Ars Nova, onde ingressou em 1984 e permaneceu pelos cinco anos subsequentes, ao mesmo tempo que cursava a graduação em Psicologia na Universidade.

“A experiência nos corais, sendo o Ars Nova o principal deles, solidificou para mim certas dimensões do trabalho colaborativo, da busca pela harmonia”, relata Sérgio, acrescentando que um reflexo desse “fazer junto” está em seus artigos científicos, escritos sempre em coautoria. “O coral ensina a estar atento, ouvir o outro e produzir harmonia respeitando a diversidade, sem apagar as diferenças. A experiência de cantar num coral e de ouvir um coral pode ser encarada pela perspectiva de que são muitas coisas diferentes que vão ficar bonitas pelo fato de serem feitas juntas”, define ele.

Ana, Márcio e Sérgio são unânimes ao ressaltar o impacto que a participação em um coro de excelência teve para cada um de seus integrantes, que adquiriram autoconfiança. “Ser parte de um grupo de alto nível, fazendo um trabalho bonito e reconhecido, é uma experiência inigualável que nos acrescenta muito”, afirma Ana. As histórias vividas ao longo de anos de Ars Nova renderam carreiras profissionais de relevo na música, amizades duradouras, relacionamentos e até novas famílias. Ana Lana foi casada com um companheiro do coral, o professor Roberto Monte-Mór, da Faculdade de Ciências Econômicas, com quem teve um filho, e o maestro Carlos Alberto uniu-se com a soprano e regente Ângela Pinto Coelho. 

Os vínculos criados no contexto de viagens e intercâmbios se desdobraram para além do mundo da música. É o caso da amizade entre Sérgio Cirino e Xavier Pàmies, seu anfitrião no 3º Festival Internacional de Música de Cantonigrós, em 1985, na Catalunha, Espanha, onde o Ars Nova conquistou seu primeiro prêmio máximo internacional. Os dois amigos mantiveram contato em viagens internacionais e, de um exemplar de Grande sertão: veredas, presente de Sérgio, nasceu a primeira tradução da obra de Guimarães Rosa para a língua catalã, assinada por Xavier.

Para o presente e o futuro do Ars Nova, os ex-coristas manifestam o desejo de continuidade e renovação. Para eles, é importante que o grupo permaneça forte, artisticamente rico e vivo, prestando serviço à Universidade e à sociedade e contando parte da história do coro por meio de suas atividades – como tem sido feito ao longo do ano comemorativo de 2019. 

História nos palcos

“Tem uma frase que a gente diz muito, brincando: a gente sai do Ars Nova, mas o Ars Nova não sai da gente. E ele não sai, nem sairá.” Passados 60 anos desde a fundação do coro, a afirmação de Márcio Veloso parece se comprovar. Assim como ele, Ana e Sérgio, muitas das pessoas que passaram pelo Ars Nova – são mais de 450 – compartilham do mesmo carinho, admiração e gratidão pelo grupo e têm-se mobilizado em razão de seu aniversário.

Para coroar as celebrações, ex-integrantes homenagearão a história do coro ao mesmo tempo que serão homenageados na terceira edição da série Banquete de vozes do Natal. Nos concertos que fecham a programação anual do coro, eles subirão ao palco para entoar, junto ao atual corpo artístico do Ars Nova, três canções consagradas em seu repertório ao longo da história: Exsultate Deo, de Allessandro Scarlatti, que foi considerada hino do grupo durante décadas, Hodie Christus natus est e Dona Nobis, ambas composições de Carlos Alberto Pinto Fonseca – esta última é parte de sua célebre Missa afro-brasileira.

O Banquete será servido nos dias 16, 18 e 19 de dezembro, respectivamente no Auditório da Reitoria da UFMG, na Igreja da Boa Viagem e no Museu Inimá de Paula, sempre às 19h30, com entrada gratuita e regência do maestro Lincoln Andrade. No cardápio, estão peças corais a cappella ou acompanhadas por instrumentistas da Escola de Música, desde Mozart até peças natalinas brasileiras, com direito a obras ainda inéditas no país.

Estreias brasileiras

O Ars Nova-Coral da UFMG está vinculado à Escola de Música e desenvolve atividades extensionistas de promoção do canto coral. Conta com 22 cantores, regente titular, regente assistente e pianista correpetidor, além de equipe administrativa. Em 2017, o maestro e professor da Escola de Música Lincoln Andrade assumiu a regência e direção artística do Ars Nova, que, nesta nova fase, vem realizando estreias brasileiras de diversas obras contemporâneas, a exemplo da obra-prima Passio Domini Jesu Christi Secundum Joannes, do estoniano Arvo Pärt. Para Lincoln, “não é apenas uma honra e um orgulho dar continuidade ao projeto do Ars Nova. É, acima de tudo, um privilégio poder contribuir para que essa referência cultural brasileira, e posso dizer mundial, continue no mínimo por mais 60 anos, com tantos planos pela frente”.

Assessoria de Imprensa UFMG

Fonte

Assessoria de Comunicação do Ars Nova Coral da UFMG

(31) 3409-8316

www.facebook.com/coralarsnova

Serviço

Banquete de Vozes do Natal do Ars Nova-Coral da UFMG

16, 18 e 19 de dezembro

19h30

Auditório da Reitoria da UFMG, campus Pampulha | Igreja da Boa Viagem | Museu Inimá de Paula