Atentos à necessidade de frear o processo de extinção, grupos da UFMG investigam características das abelhas

No Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, professores e grupos de pesquisa atuam em várias frentes nos estudos sobre abelhas: desde a análise de novas espécies e suas relações com a natureza aos fatores de risco e desaparecimento de grupos. Um dos principais pontos de atenção é a necessidade de formular estratégias para frear o processo de extinção.

Residente de pós-doutorado no Laboratório de Biodiversidade e Evolução Molecular, José Eustáquio dos Santos Jr. integra equipe que atua na coleta e descrição de espécies em unidades de conservação da Mata Atlântica, com o objetivo, entre outros, de identificar quais estão ameaçadas e o seu grau de vulnerabilidade. 

Segundo José Eustáquio, listas como as que são geradas por estudos de campo subsidiam decisões sobre as espécies que devem ser protegidas, metas e planos de ação de alcance nacional, assim como a criação de áreas de conservação. Ele acrescenta que o trabalho se justifica também pela necessidade de novos registros. “Nosso conhecimento sobre invertebrados é escasso. No caso das abelhas, desconhecemos o número real de espécies existentes no Brasil, e a cada dia novas espécies são descobertas”, afirma.

Em sua tese de doutorado, defendida em 2017 na UFMG, José Eustáquio descreveu a espécie Bombus bahiensis, que ele descobriu ainda no mestrado. Sua área de distribuição está compreendida entre o norte do Espírito Santo e o sul da Bahia e ela se distingue ligeiramente da Bombus brasiliensis. Alguns anos depois dos primeiros achados de Bombus bahiensis, Eustáquio e companheiros de pesquisa constataram que a espécie teve reduzida sua área de distribuição, possivelmente restrita agora à cidade baiana de Ilhéus e regiões adjacentes. Bombus bahiensis corre o risco de extinção.

O alerta pode levar à inclusão da Bombus bahiensis numa lista de espécies ameaçadas, após avaliação de comitê formado por técnicos do governo, pesquisadores e gestores ambientais. O cruzamento de uma série de coordenadas, dados ambientais e modelos climáticos possibilita formular hipóteses sobre outros locais onde a espécie pode ocorrer, embora, segundo Eustáquio, nem sempre esses nichos sejam usados pelos animais, em razão, por exemplo, de barreiras geográficas e interações com outras espécies.

Também nas pesquisas do doutorado, José Eustáquio utilizou dados genéticos e geográficos para estimar como e quando ocorreu a chegada das espécies do gênero Bombus na Região Neotropical, que se estende do sul do México às terras no extremo sul da América do Sul. Ele informa que há registro de 270 espécies do gênero no mundo, oito delas no Brasil, e ressalta que, para que se entenda como as espécies chegaram ao Brasil, “é preciso viajar milhões de anos no passado. As espécies brasileiras de Bombus chegaram aqui antes da entrada do homem nas Américas”.

Entre plantas e abelhas

Para formar frutos e sementes e, dessa maneira, reproduzir-se, a maioria das plantas precisa de animais que polinizam as flores. São muitos os grupos de animais que visitam flores, mas as abelhas são as polinizadoras mais comuns. Há cerca de 20 mil espécies descritas. É esse o tema de estudo do professor Clemens Schlindwein, do Laboratório Plebeia – Ecologia de Abelhas e da Polinização, do ICB, que foca em interações especializadas com plantas.

As abelhas vão às flores em busca de pólen, que alimenta as larvas, de néctar (alimento para si mesmas e para a prole) e até para coletar óleos florais (que servem de comida para a cria e podem revestir os habitáculos nos ninhos). Abelhas protagonizam inúmeras histórias de interações com flores muito diferentes. As generalistas, como as abelhas sem ferrão ou as de mel, são capazes de explorar alimento em flores de muitas espécies de plantas. As especialistas, por sua vez, podem ter relações muito estreitas com flores de determinadas espécies.

“No caso extremo, interações especializadas podem envolver apenas uma ou poucas espécies de plantas e uma espécie do animal polinizador. Isso significa que um parceiro não sobrevive sem o outro. Esses sistemas de interdependência na reprodução são cientificamente muito interessantes e importantes para o meio ambiente porque frequentemente envolvem espécies ameaçadas de extinção”, explica Clemens Schlindwein.

Clemens estuda, por exemplo, as relações mantidas entre abelhas e espécies de cactos ameaçados de extinção no Pampa Gaúcho. Pequenos cactos, como da espécie Parodia neohorstii, necessitam, para se reproduzir, da presença de Arhysosage cactorum, espécie de abelha solitária também sob ameaça – segundo o professor, apenas 10% das abelhas são sociais, ou seja, compartilham o ninho, cooperam no cuidado da cria e apresentam divisão de trabalho reprodutivo entre rainhas e operárias.

O objetivo do projeto de pesquisa, financiado pela Fundação O Boticário, é compreender em profundidade interações especializadas naquela região e, dessa forma, contribuir para a preservação das espécies. Doutorandos do ICB têm ido a campo para estudar a polinização desses cactos, o estado de conservação das populações e aspectos como reprodução e nidificação das abelhas polinizadoras. 

Gatilhos do declínio

O esforço de investigação das causas e circunstâncias do desaparecimento de populações de abelhas no Brasil e no mundo conta também com a equipe do professor Geraldo Wilson Fernandes, do Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade do ICB. Em conjunto com pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) Ribeirão Preto, da Universidade Federal de Pernambuco e da Embrapa Brasília, o grupo da UFMG desenvolve o projeto Gatilhos do declínio de abelhas no Brasil: microssensores, metagenômica e ecologia da paisagem, que conta com recursos do CNPq.

O objetivo central do projeto, que será encerrado em 2020, depois de quatro anos, é gerar conhecimento sobre a influência de fatores genéticos e ambientais na suscetibilidade da Apis mellifera e de abelhas nativas a doenças. As análises têm-se valido de ferramentas dotadas de novas tecnologias – como avaliação genética de última geração para vírus, bactérias e fungos e microssensores implantados nos insetos para monitoramento de sua localização – e focam fatores como a qualidade do alimento disponível para as colônias, mudanças de temperatura e o contato com agrotóxicos mais potentes.

“O desmatamento para cultivo e outras finalidades fragmenta os territórios, reduzindo as áreas de vegetação nativa e, consequentemente, a quantidade e diversidade de alimentos. No caso dos defensivos agrícolas, eles podem eliminar as abelhas por efeito direto ou provocar desorientação. Alguns produtos atraem e viciam as abelhas, que, muitas vezes, nem conseguem voltar às colônias”, explica Fernandes. O consórcio de pesquisadores colhe amostras em 15 localidades das ­regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, em áreas agrícolas e cultivadas, produz uma revisão de publicações sobre doenças em abelhas e espera obter respostas para seis mil questionários distribuídos para apicultores de todo o Brasil. 

O projeto Gatilhos do declínio de abelhas no Brasil é desenvolvido em sinergia com iniciativa vinculada ao Programa Ibero-americano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento (Cyted) que promove investigação sobre a crise de polinizadores do Brasil, México, Argentina, Espanha, Costa Rica e Honduras. Com o objetivo de medir a importância dos serviços ecossistêmicos da polinização em ambientes naturais e agrícolas e entender a contribuição das áreas naturais protegidas para esse processo, pesquisadores dos seis países reúnem dados sobre as regiões neotropicais e estudam, entre outros aspectos, o movimento de entrada e saída das colônias e as distâncias que as abelhas precisam percorrer para obter alimentos.

(Texto com informações de Itamar Rigueira Jr. para o Boletim UFMG 2083)

Assessoria de Imprensa UFMG

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