Diante do juiz: pesquisa da UFMG registra avanços em audiências de custódia em Belo Horizonte

Estudo é referente a audiências que se destinam a reduzir a prisão provisória, para diminuir a superpopulação carcerária e coibir abuso policial

O Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da UFMG, acaba de divulgar resultados de pesquisa de avaliação das audiências de custódia, na comarca de Belo Horizonte. A segunda etapa do estudo, relativa a 2018, registrou avanços em relação ao período de 2015-2016. Nesse biênio, 53,6% das prisões em flagrante foram convertidas em preventivas; no ano passado, o índice desceu a 37,4%, na capital mineira. Em outra linha de comparação, o índice nacional é de 57%; no cenário internacional, conforme o Institute for Criminal Policy Research (2016), a média é de 27%.

Em uma audiência de custódia, a pessoa presa em flagrante é apresentada a um juiz, poucas horas após a prisão, na presença de um promotor e da defesa. O objetivo é proporcionar melhores condições de avaliação da necessidade de privação de liberdade ao longo do inquérito policial e do processo penal, reduzindo o recurso da prisão provisória a situações excepcionais.

A obrigatoriedade das audiências de custódia existe desde 2015, por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com a intenção de reduzir a superpopulação carcerária. O sistema prisional brasileiro abriga quase o dobro do número de detentos que tem capacidade de receber. E mais de 40% dessa população é composta de presos provisórios, que aguardam julgamento para seus processos – em Minas Gerais, esse índice já atingiu impressionantes 57,8%, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), de 2017.

De acordo com a pesquisadora Lívia Bastos Lages, do Crisp, as principais medidas cautelares alternativas à prisão preventiva são o comparecimento periódico à autoridade judicial, o monitoramento por meio de tornozeleira eletrônica e o recolhimento domiciliar noturno e em fins de semana. As medidas podem ser concomitantes.

“As audiências qualificam a decisão do juiz, que tem oportunidade de ouvir o preso, o promotor e o defensor. Uma crítica comum à iniciativa se baseia no argumento de que ela geraria impunidade. Mas isso absolutamente não procede, porque a decisão é sobre medida cautelar e não sobre a responsabilidade do preso em flagrante”, comenta Lívia Lages, que se dedicou ao assunto durante o mestrado em sociologia, na UFMG, sob a orientação da professora Ludmila Ribeiro, também pesquisadora do Crisp. Durante três meses (abril a junho de 2018), Lívia Lages e os bolsistas de graduação Cláudia Drummond e Renann Paolinelli revezaram-se para acompanhar 380 audiências e analisar os documentos relativos às prisões em flagrante.

Abuso policial
A participação da equipe do Crisp nas duas fases da pesquisa nacional, promovida pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) – com o apoio do CNJ para execução das audiências –, possibilitou constatar avanço também no que diz respeito à preocupação dos operadores do direito com os maus-tratos e outros abusos dos policiais no ato e após o flagrante. No biênio 2015-2016, em 64% das audiências de custódia houve questionamento sobre abusos; dois anos depois, a frequência elevou-se a 93%.

“As audiências de custódia têm também o objetivo de coibir a conduta inadequada de policiais”, afirma Lívia Lages, acrescentando que, quando o juiz identifica o abuso, o caso é, na maioria das vezes, encaminhado para o Ministério Público dos Direitos Humanos. A pesquisa, no entanto, não teve o intuito de verificar se houve investigação e responsabilização dos policiais.

Os bons resultados são evidentes, mas ainda há margem para aperfeiçoamento. Os pesquisadores constataram, em Belo Horizonte, excessiva preocupação com o andamento ligeiro das audiências de custódia. As sessões duraram, em média, 8,9 minutos (a mais curta durou dois minutos, e a mais longa, 35 minutos). “As audiências ainda são, em geral, muito rápidas e padronizadas. É preciso aproveitar mais a presença da pessoa presa, dar a ela mais oportunidade de contar a sua história”, comenta Lívia Lages.

Referência nacional
A pesquisadora ressalta que a comarca de Belo Horizonte tem se tornado referência no plano nacional, de forma a garantir a apresentação ao juiz de todos os presos em flagrante delito – sem distinção entre tipos de crime e antecedentes –, encontros presenciais (e não por videoconferência) e espaço reservado para a conversa do preso com seu defensor.

Um benefício significativo das audiências de custódia é evitar ou reduzir o número dos acusados em contato com o sistema prisional. “Crimes como pequenos furtos ou envolvimento leve com drogas ilícitas, ainda que flagrados pela polícia, não justificam o encarceramento”, afirma Lívia Lages. “As pesquisas indicam que prender não é a melhor resposta, embora cresça a onda punitivista na sociedade. Portanto, apesar das críticas às audiências de custódia, não se pode abrir mão do instituto.”

Lívia Lages e outros pesquisadores do Crisp trabalham, agora, no acompanhamento dos casos incluídos na pesquisa de 2018. O objetivo é descobrir desdobramentos como duração das prisões preventivas, quando for o caso, e condenação ou absolvição dos presos em flagrante.

Assessoria de Imprensa UFMG com informações de Itamar Rigueira Jr.

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG

Serviço

Pesquisa registra avanços em audiências de custódia em Belo Horizonte