Doutorando da UFMG descobre feições tropicais nos solos da Antártica

A literatura especializada que trata da origem dos solos da Antártica considera que o intemperismo físico – processo de fragmentação das rochas pelo congelamento e descongelamento da água em seu interior – seria predominante na região, formando, assim, os solos jovens, rasos e pouco desenvolvidos do continente mais gelado do planeta. Entretanto, estudo publicado pelo doutorando Davi do Vale Lopes, do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFMG, revelou a presença, em solo antártico, de um material conhecido como ferricrete, ou canga, que é típico de regiões úmidas e quentes.

Davi Lopes, que também é vinculado ao núcleo de pesquisas Terrantar, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), explica que a Antártica pode ser dividida em duas partes: uma porção mais fria e seca, a Antártica Continental, onde a temperatura do ar chega a -30ºC, e a Antártica Marítima, onde há maior volume de água em estado líquido, e as temperaturas são um pouco mais amenas, com média anual de -1,8ºC, chegando a 1,6ºC no verão (dezembro a fevereiro), com precipitação anual média de 437 milímetros. 

Ainda assim, essas condições ambientais são consideradas inusitadas para ocorrência de intemperismo químico registrado pelo pesquisador em locais conhecidos como yellow points (pontos amarelos), localizados na Península Barton, segunda maior área livre de gelo da Ilha Rei George, integrante do Arquipélago das Shetlands do Sul.  

O fenômeno do intemperismo físico, que quebra a rocha pela pressão causada pelo aumento de 10% do volume da água congelada nas fissuras, é mais comum na Antártica, como explica o pesquisador. O intemperismo químico, que, por sua vez, normalmente ocorre em regiões quentes e úmidas, em razão do contato da água em estado líquido com outros minerais, também foi registrado na Antártica.

A pirita, mineral sulfetado composto de enxofre e ferro, está presente em veios (intrusões) na rocha mais comum da área estudada por Davi Lopes. A oxidação das piritas nessa rocha, o andesito, seria a primeira hipótese para a ocorrência de intemperismo químico na Antártica, influenciada pela acidez do solo, cujo pH é inferior a 3,5 – pH é a medida de acidez e alcalinidade dos solos, que varia de 0 a 14. Solo com pH igual a sete é considerado neutro, com pH abaixo de sete é classificado como ácido, e acima de sete, alcalino. 

Horizontes concrecionários
Em amostras coletadas em duas expedições à Antártica, ainda como mestrando na UFV, Davi Lopes analisou as propriedades morfológicas, físicas, químicas, microquímicas e mineralógicas dos solos. O professor Fábio de Oliveira, do Instituto de Geociências, orientador de doutorado de Lopes, observa que, nesse primeiro modelo do estudo, considerou-se que ambientes ácidos promovem mais mobilização de íons metálicos, que tendem a se concentrar em partes específicas da paisagem, formando horizontes concrecionários (partes do solo). 

“É a primeira vez que se encontra ferricrete na Antártica. É um mineral típico das regiões quentes e úmidas, como o Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais. A presença do ferricrete tinge esse solo de manchas de tons amarelados e avermelhados, caracterizando-o como mais desenvolvido em relação ao padrão de solo antártico”, observa o professor.

“Esse processo forma solos com elementos semelhantes aos encontrados em regiões tropicais, ricos em óxidos de ferro, goethita e concreções ferruginosas (quase 70% de ferro)”, acrescenta Fábio de Oliveira, que também é pesquisador associado do Núcleo Terrantar, sediado no Departamento de Solos da UFV.  

Oliveira explica que, quanto mais as geleiras recuam, maior a exposição do material rico em sulfetos e maior a chance de ocorrer drenagem ácida, que pode influenciar o pH das águas. “Por isso, conhecer esse processo de oxidação contribui para ampliar políticas de preservação da própria Antártica e para aprofundar os estudos sobre restauração de solos sulfetados, como os de áreas atingidas por barragens de rejeitos de mineração”, exemplifica o professor do IGC.

A segunda hipótese da pesquisa é a de que os yellow points são gossans. “Trata-se de áreas que se formaram pela alteração química in situ nas rochas sulfetadas, no próprio lugar em que se encontram (alteração supergênica), e não pela mobilização do ferro com deposição (reprecipitação) em outro ambiente”, afirma Oliveira, que também destaca que esse cenário é característico de ambientes mais quentes, muito incomum, portanto, em áreas periglaciais como a Antártica.

A pesquisa, financiada pelo CNPq e Fapemig, com apoio da Marinha do Brasil, INCT Criosfera e Proantar, resultou no artigo Horizontes concrecionários, processos pedogenéticos incomuns e características de solos afetados por sulfato da Antártida, publicado na revista Geoderma.

Teresa Sanches

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG

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