Equipe do ICB UFMG identifica grupos neuronais associados à febre emocional

Fenômeno é insensível a tratamentos com anti-inflamatórios e antitérmicos

Diante da iminente necessidade de falar em público, muitos experimentam uma sensação de calor intenso, que pode ser acompanhada de transpiração e rubor da pele. Especialmente no caso de crianças em contexto de estresse emocional contínuo, as respostas do organismo podem resultar na chamada febre psicogênica, fenômeno insensível ao tratamento com anti-inflamatórios e antitérmicos.

“A febre causada por estresse é de difícil diagnóstico e tratamento. Embora, tecnicamente, não seja considerada uma patologia, está associada ao aumento dos períodos de internação”, explica a pesquisadora Natália Machado, doutora pelo Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG e pós-doutoranda em Neurociências na Universidade de Harvard.

Natália Machado é a principal autora do artigo A Glutamatergic Hypothalamomedullary Circuit Mediates Thermogenesis, but Not Heat Conservation, during Stress-Induced Hyperthermia, publicado em julho no Current Biology, importante periódico científico norte-americano. Por meio da investigação do efeito do estresse em camundongos, o estudo, abordado em matéria publicada na edição 2.030 do Boletim UFMG, identificou os neurônios que regulam a temperatura e a febre emocional. “Há um circuito central específico para produção de calor e, aparentemente, também para o rubor que ocorre em situações de estresse”, esclarece a neurocientista.

Drogas e luzes

Conforme apuraram os pesquisadores, os neurônios do tipo Vglut2, localizados na área dorsal do hipotálamo, são responsáveis pelo controle da temperatura corporal e participam da eclosão da febre em resposta ao estresse. Nos camundongos, a manipulação desses transmissores foi feita por meio de duas técnicas: quimiogenética, que possibilita a alteração genética de receptores que respondem à injeção de drogas, e optogenética, que permite a manipulação de neurônios em resposta à emissão de luz.

“Durante o estresse induzido por mudança de ambiente, observamos que aquela população de neurônios estava ativa, e o animal, aquecido. Por sua vez, com os neurônios inibidos, a resposta de hipertermia foi bloqueada”, descreve o professor Marco Antônio Peliky Fontes, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB, coautor do artigo.

O próximo passo, segundo Marco Fontes, consistirá em descobrir como esses neurônios são modulados e quais substâncias podem intensificar ou reduzir os sintomas.

Recurso evolutivo

Como explica Marco Antônio Fontes, o aumento da temperatura corporal é um mecanismo desenvolvido ao longo da evolução, com o propósito de aumentar a performance em situações de fuga ou de luta. “As respostas cardiorrespiratórias, de comportamento e temperatura surgiram para facilitar a sobrevivência em situações de risco, de curto prazo, como no caso de um confronto com um predador”, exemplifica Fontes. 

Aperfeiçoado ao longo de milhares de anos, o organismo humano, de acordo com o professor, ainda não foi capaz de se adaptar à rápida transformação sofrida pelo ambiente urbano nos últimos séculos. “Metade da população mundial vive nas grandes cidades, onde o cotidiano é repleto de situações de estresse, seja no condomínio, no trânsito, no trabalho ou mesmo nas redes sociais. Como não fomos ‘desenhados’ para isso, usamos, de maneira totalmente inapropriada, nosso mecanismo fisiológico de resposta”, discorre o professor. Para Marco Fontes, quando amplificadas, “nossas doses diárias de estresse” podem desencadear doenças.

Segundo projeta Natália Machado, a identificação dos circuitos centrais e tipos neuronais envolvidos na regulação da febre psicogênica deve facilitar o desenvolvimento de  tratamentos para a febre psicogênica. “Institutos de todo o mundo têm investido na manipulação genética e em outros aparatos tecnológicos a fim de identificar os mecanismos e circuitos centrais que processam respostas fisiológicas. A neurociência ainda tem um caminho longo a percorrer, em seu propósito de reconhecer outras vias e tipos neuronais  recrutados durante o estresse”, afirma.

Artigo: Glutamatergic Hypothalamomedullary Circuit Mediates Thermogenesis, but Not Heat Conservation, during Stress-Induced Hyperthermia
Autores: Natália Machado e Marco Antônio Peliky Fontes (UFMG), Stephen Abbott, Jon Resch, Lin Zhu, Elda Arrigoni, Bradford Lowell, Patrick Fuller e Clifford Saper (Harvard Medical School)
Publicação: 12 de julho, na Current Biology (EUA)

Matheus Espíndola - Boletim UFMG 2.030

Fonte

Assessoria de Imprensa da UFMG