Estudo da UFMG conclui que fake news têm o potencial de produzir hesitação vacinal
Analisar as fake news sobre imunobiológicos utilizando como referência a hesitação vacinal no modelo dos 3Cs (confiança, complacência e conveniência) da Organização Mundial da Saúde. Esse foi o objetivo do artigo publicado na Revista da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), de autoria das estudantes do curso de graduação em Enfermagem Alice Gomes Frugoli e Raquel de Souza Prado, das professoras Sheila Aparecida Ferreira Lachtim, Tercia Moreira Ribeiro da Silva e Fernanda Penido Matozinhos, da Escola de Enfermagem da UFMG, e da professora Carla Andrea Trapé, da USP.
De acordo com o estudo, orientado pela professora Sheila Lachtim, o Programa Nacional de Imunização (PNI) constitui um dos mais completos programas no mundo e foi determinante na redução e eliminação de doenças imunopreveníveis no Brasil. As coberturas vacinais aproximadas ou acima da meta para quase todos os imunobiológicos durante várias décadas implicaram em melhorias significativas para a saúde pública. No entanto, a partir de 2013, o Brasil tem registrado queda nas taxas de cobertura vacinal. “O cenário evidencia a necessidade de investigar, dentre os fatores potencialmente relacionados, a hesitação vacinal e a veiculação de notícias falsas comumente compartilhadas em redes sociais. Uma pesquisa recente identificou uma importante barreira à vacinação: a internet. Países com reduções significativas da confiança em vacinas foram associados a movimentos e mobilização on-line antivacinas altamente organizados”, alertou Alice Frugoli.
A pesquisa qualitativa exploratória utilizou conteúdo para analisar notícias falsas em três sites de checagem de notícias nacionais, publicadas em diferentes anos, a partir de 2010 até o ano de coleta, 2019. Vinte notícias falsas relacionadas a imunobiológicos foram analisadas, com 55% publicadas em 2018 e 63% referiram-se à vacina contra a febre amarela. A partir da análise dos resultados, duas categorias empíricas surgiram: Imunobiológicos têm um risco potencial de morte/sequelas; Imunobiológicos são ineficazes.
Na primeira categoria, incluiu-se as fake news que relacionavam de forma inadequada algum imunobiológico a um potencial risco de morte/sequelas. Uma argumentação frequente para transmitir a ideia de que os imunobiológicos causam danos e ameaçam a saúde da população são os próprios eventos adversos pós-vacinação (EAPV), supostamente acobertados pelo governo e gestores. “As fake news sobre imunobiológicos associadas a esta categoria utilizam narrativa que desestimula a vacinação em geral, criando, principalmente, desconfiança. Algumas deixam evidente a oposição consciente e radical a qualquer vacina”, explica Alice Frugoli.
Na categoria que defende que imunobiológicos seriam ineficazes foram incluídas notícias que defendem que a vacinação não confere imunização adequada para a prevenção de doenças. Uma primeira argumentação, conforme o estudo, é a justificativa da erradicação de doenças pelas mudanças de hábitos de vida em sociedade. “As fake news sobre imunobiológicos associadas à categoria 2 constroem uma narrativa que contradiz a eficácia das vacinas, de modo a convencer o usuário de que são desnecessárias à sua saúde”.
Apesar de as duas categorias apresentarem argumentação diferente, a pesquisa destaca que todas as fake news analisadas têm potencial para enganar e produzir hesitação vacinal. “As falsas argumentações não se complementam, mas constroem juntas contradições e incompatibilidades, que vão na contramão da confiança, conveniência e motivam a complacência em relação aos imunobiológicos”, pontua Alice.
O estudo concluiu que as fake news têm potencial para produzir hesitação vacinal baseado no modelo dos 3Cs. Sendo necessário, portanto, repensar práticas comunicativas em saúde que não subestimem as assimetrias e as iniquidades que caracterizam a desigualdade da sociedade brasileira. “Considerando que a enfermagem é a maior força de trabalho nas salas de vacinas, bem como o profissional referência em vacinação, observa-se a necessidade do engajamento desses profissionais como veículo ativo de informações verídicas em imunobiológicos para a população. Além disso, é importante destacar o papel do Estado em desenvolver pesquisas a fim de determinar os fatores que permeiam a hesitação vacinal e estruturar políticas públicas que a combatam”, ressalta a estudante Alice Frugoli.