Estudo na UFMG investiga angústia juvenil diante do (não) saber

O adolescer em seu momento-limite

No livro O apanhador no campo de centeio, a angústia própria da puberdade conduz o protagonista Holden Caulfield a um impasse existencial e, posteriormente, a um esgotamento nervoso. Antes disso, preocupado, um professor tem a oportunidade de lhe fazer um alerta: “Esta queda para a qual você está caminhando é um tipo especial de queda, um tipo horrível. O homem que cai não consegue nem mesmo ouvir o baque do seu corpo no fundo. Apenas cai e cai. A coisa toda se aplica aos homens que, num momento ou em outro de suas vidas, procuram alguma coisa que seu próprio meio não lhes podia proporcionar. Ou que pensavam que seu próprio meio não lhes poderia proporcionar. Por isso, abandonam a busca. Abandonam a busca antes de começá-la de verdade”. Mais à frente, o mestre acrescenta, em tom crítico: “Você está apaixonado pelo conhecimento”.

Em razão de passagens como essas, o livro de J. D. Salinger se tornou um marco para a abordagem literária da angústia e rebeldia adolescentes. Com efeito, elas também são exemplares da questão discutida pela psicóloga Daniela Teixeira Dutra Viola na tese O momento-limite conceitual: Um estudo sobre as implicações sociais e subjetivas do saber na passagem adolescente, que conquistou o Grande Prêmio UFMG de Teses na área de Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Linguística, Letras e Artes. O trabalho foi defendido em fevereiro de 2016.

Pensando na adolescência que desponta na modernidade como sintoma que ocorre em resposta ao mal-estar na civilização de que tratou o psicanalista Sigmund Freud (1856-1939), Daniela se propôs a compreender as relações dos adolescentes com o saber, ou melhor, compreender como as questões da puberdade se relacionam com o mal-estar que se sente diante do não saber e com o conhecimento e o pensamento conceitual. O trabalho é resultado de uma possibilidade de pesquisa já sugerida em sua dissertação, oportunidade em que a autora examinou a função da angústia na formulação daquilo que o psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981) denominou como "objeto a": aquilo que, ao nos constituirmos como sujeitos no âmbito da linguagem, termina por escapar do nosso processo de subjetivação, restando como um vazio. Para Lacan, esse "objeto a" remete a uma espécie de perda que, paradoxalmente, acaba sendo o que causa o nosso desejo.

Ao se deparar com um enunciado sobre a puberdade feito por Lacan em seu O Seminário, livro 10, Daniela suspeitou que poderia derivar dali todo um campo de investigação original sobre a adolescência. No trecho, Lacan sugeria que os impasses dessa fase poderiam estar diretamente relacionados com o fato de, nela, o sujeito alcançar uma espécie de “momento-limite conceitual”: aquele em que o adolescente percebe que existe um saber ao qual ele não tem acesso nem está apto a ter. Trata-se aqui de um saber sobre a sexualidade (que desponta nesse momento como um enigma insondável, uma espécie de “não saber”), mas que se relaciona com o pensamento e o saber de forma ampla, o conhecimento.

“Mesmo que pouco elaborado na conjuntura teórica em que aparece, o momento-limite conceitual nos remete aos impasses observados na clínica de adolescentes – sujeitos que visivelmente estão detidos, limitados por questões relacionadas, em grande medida, ao saber e ao pensamento. A adolescência é um divisor de águas, um ponto de inflexão que a noção de momento-limite aponta com precisão”, escreve a pesquisadora, orientada pela professora Ângela Resende Vorcaro.

“No mundo contemporâneo, percebemos uma adolescência cada vez mais caracterizada por um ‘estado’, e menos por uma ‘transição’”, adverte Daniela, lembrando que a dilatação dessa fase com frequência a faz se estender pela vida adulta. Nesse sentido, um objetivo do trabalho foi entrever possíveis saídas para o “túnel da adolescência” e “vislumbrar o salto que alguns sujeitos conseguem realizar, mesmo contando com parcos e escassos balizadores, entre o não saber e um ‘saber haver-se’ com o campo do gozo”.

Para desenvolver a pesquisa, a psicóloga recorreu aos postulados teóricos de Freud e Lacan e mobilizou conhecimentos dos campos da educação, da história, da arte e, principalmente, da antropologia. E valeu-se de fragmentos de quatro casos clínicos analisados em seu consultório.

À beira do abismo

Em uma das imagens mais marcantes do livro de Salinger, o adolescente Holden Caulfield pensa na única coisa que gostaria de fazer na vida e se imagina à beira de um abismo para impedir que as crianças que brincam ao seu redor despenquem em seu breu. Naturalmente, um esforço de tal forma descomunal só poderia conduzi-lo a um esgotamento psicológico – afinal, o destino de toda criança é despencar abismo adentro, e não há quem possa evitá-lo. Nesse sentido, a pesquisa de Daniela Viola investiga justamente a possibilidade de se iluminar, ainda que minimamente, o caminho dessa queda na adolescência, colaborando talvez para que ela, em algum momento, possa “terminar”.

Essa iluminação passa por um “salto no plano do pensamento” que “vai permitir a invenção de um caminho – que passa, muitas vezes, pela invenção de um Outro”, escreve a pesquisadora, aludindo ao individualismo contemporâneo e à difícil compreensão da ideia de alteridade. Essas e outras reflexões também podem ser lidas no livro O saber à flor da pele: três ensaios psicanalíticos sobre a adolescência, escrito por ela e lançado pela Editora Margem da Palavra no ano passado.

Ewerton Martins Ribeiro – Boletim UFMG nº 1998

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