Estudo sobre a saúde do adulto na UFMG comemora uma década

Ação prepara a quarta onda de exames e entrevistas; e divulga resultados em exposição

Depois de dois anos de preparativos, foi iniciado, em 2008, o primeiro projeto de investigação de longo prazo, no Brasil, sobre as condições de saúde dos adultos. Neste ano, quase uma centena de pesquisadores e milhares de participantes voluntários comemoram os dez anos do Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (Elsa-Brasil), realizado pelas universidades federais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Espírito Santo, USP e Fiocruz. A data é marcada por uma exposição itinerante que divulga detalhes do projeto e alguns dos resultados já obtidos.

O Elsa estuda os fatores que determinam as doenças crônicas não transmissíveis, como as cardiovasculares, o diabetes e a obesidade. E, desde 2012, investiga também os distúrbios do sistema musculoesquelético, segunda maior causa de incapacidade em todo o mundo. O estudo conta com financiamento do governo federal, oriundos, sobretudo, do Ministério da Saúde. Os investimentos foram utilizados na construção de centros de pesquisa, adaptação de prédios, aquisição de equipamentos de alta tecnologia e materiais diversos, além do pagamento da equipe de entrevistadores, dos exames, entre outras despesas. Há recursos garantidos até 2019, e um novo projeto para os próximos quatro anos está sendo elaborado.

“Além do financiamento de longo prazo, o sucesso do Elsa pode ser medido pela alta taxa de adesão e permanência dos participantes voluntários”, diz a professora Sandhi Barreto, coordenadora do estudo na UFMG. São 15.105 mil participantes, sendo 3.115 em Minas Gerais – cerca de 90% deles são servidores da UFMG, e o restante é do Cefet-MG. O estudo prepara o quarto ciclo (ou onda) de exames e entrevistas, previsto para começar em 2021.

De acordo com a coordenadora, os procedimentos monitoram alterações subclínicas, ou seja, que não têm sintomas, como distúrbios elétricos do coração, rigidez da artéria aorta e presença de cálcio nas artérias coronárias, relevantes para compreender a evolução da saúde na idade adulta. “Nossas avaliações combinam variações biológicas, comportamentais e sociais, uma interação complexa. A compreensão dos processos possibilita identificar onde e como intervir para prevenir ou controlar doenças. Procuramos, por exemplo, separar o envelhecimento normal daquele que é acompanhado de riscos e adoecimento”, explica Sandhi Barreto. Ela conta que o Elsa-Brasil foi apresentado, com ótima recepção, aos atuais coordenadores do Framingham Heart Study, inaugurado em 1948, nos Estados Unidos, e ainda em andamento. A equipe do Elsa colabora de forma crescente com o projeto americano e com inúmeros outros estudos internacionais, também de longo prazo, sediados na Europa e nos Estados Unidos.

Carótida e ultraprocessados

Uma das contribuições mais importantes do projeto é a definição de parâmetros de análise para a população brasileira – em muitos casos, diagnósticos ainda são baseados em dados de populações estrangeiras. Por exemplo, segundo Sandhi Barreto, a Sociedade Brasileira de Cardiologia já adotou os parâmetros criados pelo Elsa para a ultrassonografia da artéria carótida, exame ainda incomum, mas muito relevante. Outro trabalho, resultante de tese de doutorado na UFMG, mostra a necessidade de rever os parâmetros recomendados atualmente para os níveis da fração não-HDL (fração ruim) do colesterol. Em outra tese, desenvolvida no Elsa por professora da UFMG, foram estabelecidos os intervalos de referência para o volume das plaquetas sanguíneas, parâmetro associado ao risco de desenvolver doença cardiovascular.

Ainda de acordo com a professora da Faculdade de Medicina, o Elsa é um dos poucos estudos no mundo a incluir uma avaliação detalhada dos marcadores metabólicos que estão implicados no desenvolvimento do diabetes. “A alteração do metabolismo glicêmico pode aparecer na amostra de sangue coletada em jejum, naquela que se segue à ingestão de uma solução doce e no exame de hemoglobina glicada. A análise integrada desses exames mostra alterações que não seriam percebidas com a utilização de um só marcador. As informações obtidas com esses exames se complementam e ajudam a entender melhor o desenvolvimento do diabetes e seu controle”, diz Sandhi Barreto, ressaltando que o Elsa é um dos projetos que estudam o diabetes com mais profundidade, no mundo.

Outra contribuição que se destaca nesses primeiros dez anos de investigações está relacionada ao papel dos alimentos ultraprocessados na dieta e seus efeitos danosos à saúde. “Somos o primeiro estudo longitudinal a produzir informação sobre o uso desses produtos e sua implicação no risco de desenvolver obesidade. Encontramos evidências de forte influência desses alimentos no ganho de peso e no aumento da circunferência da cintura, por exemplo. A obesidade é uma epidemia que tem-se mostrado muito difícil de deter”, salienta a professora.

Na UFMG

A equipe de pesquisadores da UFMG, assim como ocorre nas outras instituições que realizam o Elsa-Brasil, é responsável por analisar de forma centralizada determinados aspectos da pesquisa. O projeto abriga o Centro de Leitura em Eletrocardiografia, onde são produzidos os laudos dos exames de todo o país. Também aqui são processadas as informações sobre os testes cognitivos e o uso de medicamentos pelos participantes. E está sediado na Universidade o Comitê de Avaliação de Eventos Clínicos, que faz o tratamento padronizado dos documentos oriundos dos 454 hospitais colaboradores com informações sobre internações de participantes do estudo.

O sigilo é assegurado pelo centro de dados localizado na UFRGS, para onde convergem todas as informações geradas pelo estudo. Além de eliminar inconsistências, os técnicos retiram a identificação antes de disponibilizar os dados para os pesquisadores. Foi desenvolvido um sistema de informações adequado para as características e necessidades de um projeto da envergadura do Elsa.

A professora Sandhi Barreto destaca o caráter formador do estudo, que já contribuiu para a capacitação em pesquisa de quase mil pessoas. Os bolsistas passam por rigoroso processo de seleção, que dura até quatro meses, e são acompanhados durante todo o período de trabalho. A coordenadora lamenta, entretanto, que não seja possível, como em estudos longitudinais de outros países, manter os pesquisadores por mais de seis anos. “Faltam no Brasil carreira e bolsas de longo prazo. A experiência e as habilidades adquiridas poderiam ser ainda mais bem aproveitadas se pudéssemos manter o pessoal por mais tempo”, diz a coordenadora. O estudo já rendeu mais de 230 teses e dissertações (concluídas ou em andamento) e 227 artigos.

De acordo com compromisso assumido desde o lançamento do estudo, pesquisadores do Elsa-Brasil se reuniram recentemente com as equipes técnicas do Ministério da Saúde para apresentar resultados que podem contribuir para subsidiar o desenvolvimento de políticas de prevenção e controle de doenças crônicas no Sistema Único de Saúde (SUS). Foram discutidos resultados relacionados a dieta, atividade física, obesidade e diabetes. Novas reuniões estão programadas para discutir outros temas.

Joelhos e obesidade

Os distúrbios do sistema musculoesquelético são objeto de subestudo do Elsa desenvolvido apenas em Minas Gerais. O Elsa-Brasil ME, que teve início em 2012, investiga o grupo de distúrbios que representa a segunda maior causa de incapacitação em todo o mundo. Mais de cem doenças ou síndromes podem ser classificadas dessa forma – a dor crônica é o sintoma comum mais importante, e a osteoartrite, a doença específica mais prevalente.

Os resultados preliminares do Elsa-Brasil ME, único estudo longitudinal sobre o tema na América Latina, indicam alto acometimento por distúrbios ­musculoesqueléticos do joelho. Por exemplo, 22,6% dos participantes relataram dor, desconforto ou rigidez crônicos, e 23,5%, sintomas frequentes. A presença de sintomas crônicos em joelhos foi associada fortemente à obesidade, assim como a dor, sendo a obesidade um fator de risco reconhecido para osteoartrite de joelhos.

Itamar Rigueira Jr. - Boletim UFMG 2.033

Fonte

Assessoria de Imprensa da UFMG