Estudo UFMG: discurso científico foi apropriado para fixar crenças sobre a ‘eficácia’ da cloroquina

Análise focou em ‘disputas de sentido’ no Twitter, onde informações embasadas se misturaram com as de natureza religiosa e político-ideológica

A pandemia da covid-19 foi acompanhada de um movimento, sem precedentes, de desinformação em escala global. Nesse contexto, emergiram versões múltiplas das informações científicas, que se alastraram pelas redes sociais. No centro do debate, a controvérsia em torno da cloroquina como suposta cura para a covid-19 evidenciou tensionamentos em que o próprio discurso científico foi apropriado para a propagação de informações falsas. E foi esse o tema da dissertação Desinformação científica no twitter: fixação de crenças em torno da cloroquina durante a pandemia da covid-19, defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG.

O pesquisador Fábio Amaral, servidor técnico-administrativo em Assuntos Educacionais da UFMG e autor da pesquisa, afirma que a facilidade com que as fake news foram emplacadas durante a pandemia pode ser explicada, em parte, por um declínio de confiança na imprensa tradicional e na ciência — fenômeno que deu seus primeiros sinais há algumas décadas.

Disputas de sentido

“Em 1953, começaram a ser divulgadas as evidências científicas dos malefícios do cigarro para a saúde. A partir de então, a indústria do tabaco tentou, reiteradamente, deslegitimá-las, propagando relatórios que atestavam que o fumo era inofensivo, produzidos por cientistas que ela mesma financiava”, contextualiza Fábio Amaral.

Para Amaral, o recorrente envolvimento da comunidade científica e da imprensa tradicional em conflitos semelhantes — que respondem a interesses da indústria, dos políticos e da própria mídia — impactam a percepção das pessoas sobre as instituições e produzem um clima de desconfiança.

Fábio Amaral argumenta que, durante o enfrentamento da pandemia no Brasil, crenças relacionadas à cloroquina foram se constituindo socialmente em um cenário de disputas, em que as informações sustentadas cientificamente acabaram se misturando com as de natureza política, religiosa ou ideológica. 

“Investiguei o fenômeno da desinformação pelo viés do conceito de disputas de sentido, já que esteve em jogo o modo como informações produzidas pela ciência acabaram colidindo com outros sistemas de crença, produzindo camadas de sentidos diversos”, detalha.

O pesquisador acredita que, de modo geral, é insuficiente a compreensão dos brasileiros sobre a dinâmica de produção do conhecimento científico. Assim, ele dedicou parte de sua pesquisa à reflexão sobre os modos como as crenças são fixadas no país.

“Um desses modos tem relação com a autoridade da fonte de informação. No atual ecossistema comunicacional de múltiplas mediações, a família, as celebridades, os políticos, os líderes religiosos e outros podem atuar como autoridades ou instâncias reguladoras”, exemplifica.

Em seu estudo, Fábio Amaral constatou que o posicionamento político foi determinante para a validação de crenças. “A aceitação da cloroquina e das medidas de contenção da doença, por exemplo, foi extremamente influenciada pelas inclinações políticas. No corpus analisado na pesquisa, isso ficou evidente pelo número de mensagens (tuítes) que evocaram alguma autoridade política na construção do argumento”, revela.

Nesse sentido, Fábio Amaral sublinha a atuação do presidente Jair Bolsonaro, que classificou como “desastrosa”. “Quando o próprio governo orienta a população de forma equivocada, a tendência é que as pessoas tenham dificuldade nas tomadas de decisão”, argumenta. Para ele, as fake news encontraram no Brasil um terreno fértil, porque as autoridades políticas foram coniventes com "teorias conspiratórias e fatos alternativos".

“Busquei demonstrar que o fenômeno da desinformação é explicado mediante o entendimento de como as crenças vão sendo fixadas e socialmente legitimadas. O pragmatismo e o método científico nos ajudam a perceber que precisamos buscar crenças cada vez mais aprimoradas, e que a dúvida é um componente vital para o próprio aprendizado”, finaliza o autor.

Dissertação: Desinformação científica no twitter: fixação de crenças em torno da cloroquina durante a pandemia da covid-19

Autor: Fábio Amaral de Oliveira Paes

Orientação: Geane Carvalho Alzamora

Defendida em 25 de março de 2022, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG

Com informações de Matheus Espíndola

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG