Estudo UFMG: intelectuais da década de 1920 desejavam ‘embranquecimento cultural’

Tese da Escola de Música revela que a exaltação do mestiço como símbolo nacional mascarava o ideal de reduzir a população 'incivilizada'

Estudo desenvolvido na UFMG, como parte de doutorado na Escola de Música, revelou que os intelectuais da década de 1920 desejavam uma espécie de ‘embranquecimento cultural’. A pesquisa analisou uma obra do musicólogo e folclorista Renato Almeida para identificar e descrever criticamente o discurso racista, além de verificar de que forma o ideário de embranquecimento racial vigente à época foi traduzido para o conceito de música brasileira.

Em 1926, Renato Almeida publicou História da música brasileira, ensaio sobre arte moderna, com enfoque na ideia de brasilidade e no projeto de identidade artística e musical nacional, evidenciando os principais gêneros, estilos, compositores e intérpretes brasileiros.

Em sua narrativa, o escritor idealizava a mestiçagem como um estágio de evolução da sociedade. Assim, inferiorizava a cultura de povos negros e indígenas, tratando-os como povos primitivos. Ao mesmo tempo, caracterizava essas etnias como peças fundamentais para a invenção da nação, sob o ponto de vista da cultura popular e do folclore.

“Os não brancos figuravam como elementos acessórios da civilização branca. Vigorava um discurso racista, que refletia um ideal de embranquecimento cultural, social e, portanto, musical. O encorajamento à mestiçagem e à fusão entre cultura erudita e popular velava um objetivo evolucionista”, afirma o pesquisador e professor de trombone Jonatha Maximiniano do Carmo, que em setembro de 2022 defendeu a tese Uma perspectiva crítico-racial da História da música brasileira (1926) de Renato Almeida, no Programa de Pós-graduação em Música da UFMG.

Para entender as relações entre os intelectuais da mesma rede de Renato Almeida e a maneira como as ideias circulavam, o autor cruzou alguns textos importantes da década de 1920. “Meu intuito foi investigar o alinhamento do discurso racializado e como os escritores interpretavam e divulgavam a ideologia da mestiçagem em suas publicações sobre identidade nacional”, relata.

Elogio mascarado
A pesquisa revelou que a exaltação do mestiço como símbolo de brasilidade era, na verdade, um elogio mascarado. “Considerar o brasileiro cada vez menos indígena ou negro significava assumir que ele estava se tornando mais civilizado e, portanto, mais branco”, avalia Jonatha Maximiniano.

O autor observa que, para Renato Almeida, o mestiço era um ser incompleto, desprovido da essência idealizada de pureza racial e cultural. Figurava, assim, como o elemento prototípico da metáfora do embranquecimento.

“As raças miscigenadas tinham uma espécie de lugar fixo no discurso sobre brasilidade: eram a ponte entre o ritmo dos tambores e percussões — de corpos bárbaros e incivilizados — e a harmonia, ligada ao intelecto, à mente e à racionalidade”, pondera o autor da tese.

Circuito de sociabilidade

Jonatha Maximiniano relacionou as concepções de raça e mestiçagem presentes no texto de Renato Almeida com os escritos de outros personagens do mesmo circuito de sociabilidade intelectual, como os escritores Afrânio Peixoto, Graça Aranha e Ronald de Carvalho — todos homens brancos, formados nas escolas de Direito e Medicina, e ocupantes de cargos importantes na estrutura do Estado.

“Eles compartilhavam a noção de que a miscigenação com a população imigrante branca europeia solucionaria um suposto problema racial do Brasil”, aponta Jonatha Maximiniano.

Partidário do determinismo geográfico e racial, Afrânio Peixoto acreditava que os negros iriam desaparecer do Brasil em alguns anos. Por sua vez, Graça Aranha considerava que o português era o principal tronco racial nacional e que negros e indígenas teriam papel acessório no processo civilizatório. Ronald de Carvalho, oriundo de famílias tradicionais do império e de altos postos militares, também transpunha o discurso evolutivo para suas teorizações literárias.

“Esses personagens eram poderosos por causa de suas carreiras e ascendências. A partir de um pacto entre iguais, firmavam uma rede que servia para a manutenção de um privilégio material e simbólico”, comenta Jonatha Maximiniano.

Nação musical

Como concluiu o autor da tese, Renato Almeida e sua rede de intelectuais tiveram papel central na formação da narrativa de uma nação musical. “O escritor entendia que as três raças, separadas, não formavam uma unidade. Mas a arte dos negros e indígenas não seria evoluída o suficiente, o que demandava a intervenção de um artista engajado e disposto a viabilizar uma fusão com a música erudita de concerto”, afirma.

Renato Almeida, de acordo com Maximiniano, foi insistente em indicar caminhos para o estabelecimento de uma identidade nacional — mas sua concepção de música evoluída se enquadrava nos moldes europeus.

“A tese sugere a verificação da circulação de ideias, enfatizando como os periódicos e as obras analisadas serviram ao controle e ao poder, e também indica a necessidade de uma reavaliação crítica da formação do pensamento musicológico e da historiografia musical brasileira, exatamente porque tangencia a história social, dos intelectuais e política”, finaliza.

Tese: Uma perspectiva crítico-racial da História da música brasileira (1926) de Renato Almeida
Autor: Jonatha Maximiniano do Carmo
Orientadora: Glaura Lucas
Defesa: 30 de setembro de 2022, no Programa de Pós-graduação em Música

(Texto de Matheus Espíndola)

Assessoria de Imprensa UFMG

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Assessoria de Imprensa UFMG