Evento organizado pela UFMG lançará proposta de residência acadêmica para especialistas na obra de Guimarães Rosa
Seminário em Cordisburgo apresenta tradutores à obra do autor
As relações do escritor Guimarães Rosa com o universo germânico serão o eixo principal para a primeira edição do seminário internacional O cosmopolitismo do sertão e as traduções de João Guimarães Rosa, que a Faculdade de Letras da UFMG vai realizar de 14 a 16 de dezembro, em Cordisburgo. Os interessados em participar como ouvintes já podem realizar sua pré-inscrição pelo e-mail alberguedoaudaznavegante@gmail.com. As inscrições custam R$ 25 e deverão ser pagas na abertura do evento. A participação resultará em certificado de 30 horas/aula. O seminário será realizado no Centro de Atendimento ao Turista (CAT), que fica na Avenida Padre João, número 406, no centro de Cordisburgo. Clique aqui para mais informações.
“Será um evento para pôr o país na perspectiva de exportador de uma poética específica, na medida em que promoverá traduções produzidas em contexto mais cosmopolita e interativo”, explica a professora Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa, coordenadora do evento.
A conferência de abertura será ministrada pelo alemão Berthold Zilly, professor visitante na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Zilly trabalha em nova tradução de Grande sertão: veredas para o alemão subsidiado por uma bolsa do CNPq. Em sua conferência, o tradutor vai falar sobre os bastidores desse desafio, que vem enfrentando já há alguns anos.
Stefan Wilhelm Bolle, professor de literatura da Universidade de São Paulo (USP), vai abrir as atividades do segundo dia de evento, com a conferência Refazendo a pé a travessia do sertão por Riobaldo. No dia seguinte, sábado, 16, será a vez de o geógrafo Heinz Dieter Heidemann, também professor da USP, ministrar a conferência Habitar o sertão. Todas as conferências ocorrerão na parte da manhã. Durante as tardes, haverá mesas dedicadas ao cosmopolitismo de Guimarães Rosa e suas traduções, com participação de pesquisadores de diferentes instituições.
Além da programação científica, o evento contará com um curso gratuito de introdução à língua alemã, que será ministrado em Cordisburgo pelo Centro de Extensão (Cenex) da Fale, com foco na população local. “A ideia é oferecer anualmente, durante o evento, cursos de línguas de países que traduziram a obra de Guimarães Rosa ou parte dela”, explica Georg Otte, também professor da Fale, que divide com Tereza a coordenação do evento. Para participar do curso, que resultará em certificado de 16 horas/aula, os interessados devem escrever a frase “Desejo me inscrever também no curso de Introdução à língua alemã” no campo “assunto” do e-mail de pré-inscrição.
Guimarães Rosa era um apaixonado pela cultura alemã. Nascido em Cordisburgo, Minas Gerais, cidade de influência germânica, o escritor elegeu o país europeu como seu primeiro destino fora do Brasil. A mudança ocorre no fim dos anos 1930, ano em que Rosa, com apenas 22 anos, assume o cargo de vice-cônsul brasileiro na cidade de Hamburgo – e isso às vésperas de se iniciar a Segunda Guerra Mundial. Foi também naquele país, de 1939 a 1941, que o escritor escreveu seu antológico diário, volume em que anotou impressões do contexto de guerra em que vivia, além de rascunhos ficcionais. Esse “diário alemão” está disponível para pesquisa no Acervo de Escritores Mineiros da UFMG.
Ao levar as discussões sobre as traduções da obra de Guimarães Rosa para o ambiente do sertão, o seminário materializa a premissa criativa sintetizada no título de Grande Sertão: Veredas: a ideia de que o mundo e o sertão são, de alguma forma, uma coisa só. “Com o evento, estamos buscando uma abertura epistemológica: a ideia de se promover a tradução a partir do lugar de idealização e materialização da obra”, destaca Virgínia. “De certa forma, vamos levar o mundo para o sertão e o sertão para o mundo”, afirma a professora da Faculdade de Letras. Nas próximas edições, a ideia é que o seminário – que se pretende regular – trate da penetração que a obra do mineiro teve ou pode vir a ter em outros países.
Residência para tradutores
Guimarães Rosa sabia das dificuldades que qualquer tradutor enfrentaria para converter suas obras para outras línguas. Em razão disso, trocou numerosas cartas com seus tradutores estrangeiros, na expectativa de ajudá-los a compreender as sutilezas da localidade narrada em suas obras, os detalhes das pronúncias regionais, as particularidades de sua sintaxe criativa, as especificidades de seu léxico. Tradutores da Itália, da Inglaterra, da Alemanha, da França e da Espanha, por exemplo, receberam e responderam a essas missivas, que revelam o quanto a proximidade com o universo de Rosa pode colaborar com a tradução de seus livros.
Em razão dessa particularidade da obra rosiana, um dos objetivos do seminário é criar condições para a futura instalação, em Cordisburgo, do Albergue do audaz navegante, espécie de casa de acolhimento para pesquisadores e tradutores da obra do escritor mineiro. A proposta é que essa residência seja capaz de acolher os pesquisadores interessados em desbravar in loco o sertão e sua cultura. “Estamos buscando formas de subsidiar a construção desse espaço, em diálogo com a administração pública de Cordisburgo, com entidades internacionais e com a própria UFMG”, adianta Tereza Virgínia.
Burgo do coração
Ao crítico alemão Günter Lorenz, Guimarães Rosa concedeu a sua mais contundente entrevista. O encontro ocorreu em janeiro de 1965, já no auge de sua maturidade intelectual. Na entrevista, além de tratar de aspectos culturais do país europeu e de abordar questões linguísticas próprias de seu idioma, Rosa afirmou: “O Cordisburgo germânico, fundado por alemães, é o coração do meu império suevo-latino.”
No vídeo abaixo, que só veio a público recentemente, o escritor é entrevistado pelo crítico literário Walter Friedrich Höllerer, em um canal de televisão alemão, em 1962. Na entrevista, pode-se perceber que, ainda que responda às perguntas em português, Rosa já compreende as perguntas feitas em alemão, prescindindo do trabalho do tradutor.