Grupo da UFMG identifica verdadeiro patógeno de doença que destrói plantações de sisal

Estudo propôs nova descrição para a atuação do fungo na planta, que é fonte de 75% da produção mundial de fibras longas e duras

O cultivo do sisal é fonte para três quartos da produção mundial de fibras longas e duras, que são usadas na fabricação de produtos como cordas e tapetes, e aplicadas em substituição a materiais diversos, como as fibras de vidro, carbono, plástico e outros insumos artificiais. O Brasil responde por cerca de 40% da atividade no mundo – quase toda ela concentrada no semiárido da Bahia. Mas a região vivencia o surto de uma doença que mata as plantas depois de necrosar seus tecidos, e cujo sintoma mais visível é o aparecimento de manchas vermelhas. “São registrados poucos e isolados casos da doença em todo o mundo. A ‘explosão’ só ocorreu localmente”, informa o professor Aristóteles Góes Neto, do Departamento de Micrologia do ICB.

Desde 2015, Aristóteles e o também professor Vasco Azevedo, seu colega no ICB, e as pesquisadoras Elisabeth Duarte e Ana Cristina Soares, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), investigam o assunto. As principais conclusões estão no artigo Putting the mess in order: Aspergillus welwitschiae (and not A. niger) is the etiological agent of sisal bole rot disease in Brazil e foram objeto de reportagem publicada na edição 2.023 do Boletim UFMG. Publicado em 11 de junho na Frontiers in Microbiology, o segundo periódico mais citado mundialmente na área de microbiologia, o artigo chegou, em apenas três semanas, a quase 1 mil acessos, originários de todos os continentes. “Como no sertão da Bahia está concentrada grande parte da produção mundial, trata-se de um problema de interesse global”, justifica o professor.

A equipe descobriu que a “podridão vermelha do sisal”, como é conhecida a doença, é causada pelo fungo Aspergillus welwitschiae, que penetra na planta por meio de cortes feitos no caule para colheita das folhas. “Dizemos que se trata de um fungo oportunista, porque é atraído pela abundância de carboidratos presentes no interior do caule, que contrasta demais com a escassez de nutrientes do solo, particularmente na época de seca”, explica. Após entrar pelo caule, o patógeno destrói suas células, provocando a necrose do tecido. “Quando a coloração avermelhada aparece do lado de fora, a planta já está toda vermelha por dentro e praticamente morta”, detalha Aristóteles.

Desde as primeiras pesquisas sobre a doença, há quase 100 anos, pensava-se que o agente causador era um “parente próximo”, o Aspergillus niger. No artigo, o grupo identificou o verdadeiro patógeno e propôs nova descrição da doença, mostrando exatamente como o fungo age. “O estudo microscópico no interior da planta é inédito. O artigo quebrou vários paradigmas”, garante o professor.

O grupo de pesquisadores busca respostas a outras questões, como a que diz respeito à propagação da doença. “A área acometida pela podridão vermelha na Bahia tem uma região central com muito mais prevalência. Isso pode ser um sinal de que a doença começou em um ponto e foi se espalhando”, conjectura o professor.

Os professores sequenciaram o genoma do Aspergillus welwitschiae e agora o compara com o fungo semelhante originário da África. Já foi apurado que os micro-organismos presentes na Bahia formam, em sua maioria, uma linhagem à parte, distinta geneticamente. “O próximo passo é descobrir se os fungos isolados por nós são mais agressivos do que os demais por constituírem uma população específica”, revela Aristóteles.

Encontrar uma maneira de controlar a doença é o objetivo dos pesquisadores. Mas, segundo o biólogo, existem alguns impedimentos, ligados principalmente à simplicidade técnica do cultivo do sisal. “É inviável para os pequenos agricultores, por exemplo, ‘fechar’ os cortes em todas as plantas ou aplicar nelas algum remédio, caso isso possa minimizar o contágio. Suas técnicas não são mecanizadas e, por isso, não dão conta de centenas de milhares de plantas”, pondera.

Fonte de sobrevivência

O sisal é uma “planta rústica”, como descreve Aristóteles Góes, totalmente adaptada à região semiárida, onde o solo seco é impróprio para vários cultivos. Assim, a produção está nas mãos de pequenos produtores, incapazes de investir em irrigação e insumos agrícolas mais complexos. “O sisal é a fonte de sobrevivência dessas comunidades. Elas não poderiam competir, por exemplo, com os cultivos de cana, soja e milho”, observa o professor. A produção do sisal na Bahia é totalmente manual. “Trabalhadores locais associados plantam, colhem e levam as folhas, das quais se extraem as fibras, para uma fábrica montada por eles”, explica o professor.

De acordo com o pesquisador, estudos mais recentes também indicam o sisal como potencial fonte de biocombustíveis. “A planta produz grande quantidade de carbono que pode ser usada para esse fim. De três anos pra cá, o mundo inteiro está de olho nessa possibilidade”, afirma Aristóteles Góes.

Matheus Espíndola - Boletim UFMG 2.023

Fonte

Assessoria de Imprensa da UFMG