Hanseníase é desconhecida e estigmatizada, mesmo em ex-colônia de pacientes, aponta pesquisa da UFMG

Estudo da Faculdade de Medicina da UFMG se soma às evidências da literatura sobre o silêncio e os mitos acerca da hanseníase

A hanseníase tem cura, o tratamento gratuito está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) e, ainda assim, a doença é associada a diversos estigmas. É que, no passado, sua transmissibilidade e o desconhecimento levou a internação compulsória dos pacientes em colônias, alimentando o preconceito com a população que era isolada da sociedade. Mesmo após o fim desse isolamento, o medo e a discriminação permaneceram. Uma pesquisa da Faculdade de Medicina da UFMG aponta que esse sentimento e o silenciamento existem, inclusive, dentro da comunidade formada por uma ex-colônia.

O estudo é do mestrado da psicóloga Débora Gabriele Tolentino Alves, que aplicou um questionário a 325 alunos do 5º ano ao 9º ano, entre 10 e 19 anos de idade, da Casa de Saúde Santa Izabel (Rede Fhemig), onde ela trabalha. O objetivo era identificar o conhecimento e a percepção sobre a doença entre os estudantes da ex-colônia. Segundo ela, por estarem vivendo com pessoas com algum vínculo com a hanseníase, a ideia era de que a informação, ainda que informal, circulasse entre eles, já que se trata de histórias marcantes, de segregação e violência.

No entanto, “os resultados mostraram que esse conhecimento era precário ou mínimo, que essas crianças não reconheciam ou não sabiam dessas histórias. Outros estudos também mostram esse desconhecimento pelas crianças. Mas foi surpreendente verificar o conhecimento muito precário sobre hanseníase mesmo em crianças que vivem nessa região de uma ex-colônia”.

69.8% dos participantes já tinham ouvido falar de hanseníase, “mal de Lázaro”, ou “lepra” (denominações que apareceram). Com isso, a pesquisadora chama a atenção para o fato de que mais de 30% dos alunos responderam nunca ter ouvido falar. Além disso, foi construído um índice de conhecimento com questões sobre contágio, hereditariedade, sinais ou sintomas, por exemplo, questões básicas. E “os estudantes revelaram um conhecimento muito precário sobre a doença”.

“A literatura apoia a identificação de que a falta de conhecimento nutre o estigma sobre a doença, porque alimenta as fantasias, as crendices, as ideias irreais e os mitos a respeito do contágio da hanseníase e suas manifestações, por exemplo”, alerta Débora. “Isso confunde e afasta as pessoas da realidade, dificulta a autoavaliação e, consequentemente, o diagnóstico precoce. Além disso, ao acreditar nesses mitos, o indivíduo pode ter uma reação completamente inesperada ao receber um diagnóstico, dificultando esse processo”, completa.

Outro objetivo do trabalho foi investigar o sentimento que os estudantes relacionavam à hanseníase, a partir do que ouviram falar ou por terem visto um paciente. “Observamos que sentimentos como angústia, medo e indiferença apareceram de forma significativa. E justamente quanto menor o nível de informação do aluno sobre a doença, maior a intensidade desses sentimentos em suas falas. Por outro lado, quanto maior o conhecimento, maior a possibilidade de parecer sentimentos como altruísmo, importante no trabalho contra o estigma”, conta a psicóloga. 

Ela acrescenta que, entre os estudantes que ouviram falar sobre a hanseníase, 43,6% mostraram sentimentos de indiferença e 33% apontaram sentimentos ligados à angústia e ao medo. Sobre o sentimento ao ver um doente de hanseníase, 18,9% relataram sentimentos ligados ao altruísmo, como pena e dó, além de tristeza com aquela realidade; 14,1% mostraram sentimentos de indiferença e 42,7% não responderam à questão. 

De acordo com a psicóloga, como a hanseníase sempre esteve muito ligada à ideia de morte, causa estranhamento no sujeito, um incômodo e angústia. Então, como mecanismo de defesa, a pessoa se afasta e não se interessa em saber mais. “Sentimentos como esse de angústia, pavor ou indiferença nutrem o estigma sobre a hanseníase. Eles alimentam o imaginário social das pessoas com aquela ideia antiga, ilustrada pelos relatos da Bíblia, de que a doença é uma manifestação do pecado do homem, por isso o temor da marca que ela deixa no corpo”, aponta. 

Débora ainda comenta que, normalmente, quando se recebe o diagnóstico de hanseníase, a pessoa fica mais preocupada em sofrer o preconceito pela sociedade do que, de fato, como será o tratamento. “O estigma é muito forte. Muitas vezes, machuca mais o doente do que a própria doença”, ressalta. Por isso, ela defende a ampla divulgação sobre a hanseníase, como as campanhas nacionais na mídia e nas escolas. Além disso, acredita que “é preciso entender mais sobre as questões que envolvem a hanseníase, para enfrentar o estigma, o que é fundamental no controle da doença e na prevenção”. 

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Luíza França Tomaz de Aquino

Fonte

Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG

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