Metodologia criada na UFMG para testes sorológicos diferencia infecções de dengue e zika

Artigo publicado na Scientific Reports detalha técnica que utiliza propriedade ótica de nanopartículas do ouro para garantir alta resolução na le

Testes sorológicos para dengue realizados de maneira rápida, barata e capaz de diferenciar com precisão diagnósticos positivos de zika e outras viroses da família Flavivírus. É o que mira grupo da UFMG que acaba de desenvolver método baseado em Nanotecnologia. Utilizando as propriedades óticas de nanopartículas do ouro, os pesquisadores conseguiram obter um reconhecimento exclusivo do vírus da dengue, o que evita as reações cruzadas que comumente se vê nos chamados testes rápidos ou mesmo na variação do Elisa indireto tradicionalmente utilizada no Brasil.

A metodologia possui um grande limite de detecção, com capacidade para identificar concentrações picomolares de anticorpos. Isso confere aos cientistas a chance de diferenciar nos soros cada infecção por vírus mesmo em concentrações muito baixas das proteínas de defesa. A propriedade ótica das nanopartículas garante uma resolução muito alta na leitura do exame e torna possível distinguir os quatro sorotipos diferentes de dengue e até diferenciar uma infeção por zika, principal objetivo clínico do estudo.

O método consegue ainda identificar se a pessoa está realmente infectada logo no início de produção de anticorpos. “Não é necessário esperar o pico desse processo, que acontece após aproximadamente 7 a 10 dias da infecção. Não é, portanto, um teste que dependa da janela imunológica, como o Elisa”, esclarece Alice Versiani, primeira autora do artigo publicado na Scientific Reports sobre a pesquisa.

“É uma técnica inovadora, feita no Brasil e de grande potencial clínico. Juntando tudo isso temos uma capacidade de impactar o diagnóstico de dengue nacional”, enfatiza a doutora em Microbiologia. Como lembra Versiani, a dengue está presente em todo o território nacional, além de haver a cocirculação de outros vírus bastante similares tanto em suas partículas e proteínas quanto na resposta imunológica e perfil sintomático dos infectados. Por isso a importância de buscar uma maior sensibilidade para os testes sorológicos comuns.

Nanotecnologia

Para chegar a esse objetivo de forma rápida e sem grandes custos o grupo apostou no uso de nanosensores plasmônicos. A nanotecnologia é hoje uma das ciências mais presentes em nosso cotidiano, seja em microcircuitos ou roupas, preservantes alimentícios e cosméticos. “É a mesma coisa para a nanomedicina. É um campo da ciência que evolui em alta velocidade. Com isso temos atualmente os sensores nanoplasmônicos, que são muito rápidos, baratos para serem produzidos em larga escala, reprodutíveis e possibilitam trabalhos nos quais é possível detectar várias biomoléculas”, explica Versiani.

A autora ressalta ainda o papel interdisciplinar da tecnologia. “A gente vem de uma teoria bastante física, das propriedades óticas dos metais, e química, do processo de síntese das nanopartículas, mas com uma aplicação prática biológica. Conseguimos então trabalhar interdisciplinarmente, pegando teorias de uma área da ciência e implantando em outra. E isso tem sido feito de forma frutífera”. A pesquisa está sendo realizada pelo Grupo de Pesquisa em Nanobiomedicina (NBMrg), sediado na UFMG, com especialistas da Biologia, Física, Medicina, Química e até Engenharia.

O grupo produziu em laboratório proteínas da dengue, dos tipos 1, 2, 3 e 4. Foram utilizadas sequências da proteína do envelope desses vírus, que são as mais imunodominantes – o que garante que os anticorpos produzidos durante a infecção vão reconhecê-las. Então foi feito um processo de manipulação química da superfície de nanopartículas de ouro pra que essas proteínas fossem covalentemente ligadas de maneira estável.

Após comprovar que as proteínas foram ligadas corretamente e com potencial de reconhecer anticorpos, tornou-se possível fazer uma análise de limites de detecção. Os anticorpos foram diluídos com sucesso até quantidades pico e fentomolares sem a perda do reconhecimento. Em seguida foram realizadas tentativas de identificar os anticorpos produzidos em uma infecção natural. O nanosensor plasmônico também conseguiu reconhecer o soro humano de um paciente positivo.

O processo de identificação se baseia na mudança do espectro da nanopartícula: quando os cientistas emitem uma luz na superfície da partícula de ouro ocorre a ressonância dos elétrons. O mesmo acontece com as substâncias que são colocadas naquela superfície, o que gera a leitura de uma ressonância diferente. O padrão de agitação muda, pois outros íons foram introduzidos na superfície daquela partícula. Então qualquer reagente químico, proteína ou anticorpo que seja inserido vai produzir uma mudança do espectro.

Vantagens do método

Assim como os testes normalmente utilizados para dengue, a versão da UFMG é essencialmente sorológica. “O que acontece é que, com a utilização da nanotecnologia, nós temos um teste muito mais sensível, porque a forma de identificar a ligação antígeno-anticorpo é mais precisa. Essa ligação normalmente acontece em todos os exames sorológicos, mas em nosso caso a gente tem uma amplificação do sinal utilizando as propriedades óticas da nanopartícula”, detalha Versiani.

Os testes rápidos, que são os mais usados no cotidiano dos diagnósticos, comumente possuem baixa sensibilidade, funcionando principalmente para discriminar em um primeiro momento se a pessoa tem uma doença ou não. Sua vantagem, portanto, reside na velocidade de diagnóstico. Entretanto, a estratégia criada na UFMG também possui grande rapidez. A interação antígena acontece com 15 a 20 minutos e, apesar de demandar um aparelho para leitura do resultado – o que não ocorre no teste rápido -, essa é feita de forma simples, sem todo o processamento que demanda o Elisa. Além disso, não é possível diferenciar sorotipos do vírus da dengue ou até mesmo uma infecção pelo vírus Zika em um teste rápido, o que torna a estratégia criada na UFMG um teste confirmatório veloz e inovador.

Outra grande vantagem da técnica é o que costuma ser nomeado como label free. “Isso significa que a gente não precisa de nenhum outro reagente para realizar o teste. Geralmente os diagnósticos como o Elisa exigem isso. É todo um kit de reagentes preparado para poder visualizar a presença do anticorpo”, destaca a pesquisadora da UFMG. E como o nanosensor plasmônico se baseia na mudança do espectro da nanopartícula, que pode ser lida no espectro fotômetro UV visível normal – o mesmo usado nas leituras de Elisa -, os aparelhos necessários no processo são os mesmos já presentes em laboratórios de análises clínicas.

Apesar de não haver ainda uma definição em relação aos custos da testagem, a previsão dos cientistas é de não ser um procedimento dispendioso. “Quando falamos de ouro é normal achar que fica algo muito caro. Mas um grama do metal gera milhares de nanopartículas, então, como o teste não precisa de outros reagentes, acreditamos que sejam bastante equalitários os custos finais”, avalia a autora. “Precisamos de muito pouco ouro para produzir nanopartículas e poucas delas para fazer o teste. Fizemos a pesquisa toda com menos de 100 ml de nanopartículas”.

Aprimoramento e software de leitura

O grupo depositou as patentes nacional e internacional da metodologia, e os estudos seguem em duas novas frentes de desenvolvimento: aprimoramento e escalonamento do teste e criação de um software específico de leitura. “Temos alguns alunos trabalhando no CT Vacinas [Centro de Tecnologia de Vacinas, localizado no Parque Tecnológico de Belo Horizonte - BH-TEC], sob orientação do professor Flávio Guimarães Fonseca, para a produção de proteínas. Ao invés da produção em bactéria, que foi nossa primeira fase, estamos utilizando outros métodos para buscar melhores resultados”, relata Versiani.

Segundo a pesquisadora, a segunda frente de trabalho é focada em um dos grandes impasses da tecnologia de biosensores, que é a necessidade de um técnico que saiba ler e interpretar os dados. Para contornar o problema o grupo iniciou uma colaboração com o professor Jhonattan Córdoba Ramírez, do Departamento de Engenharia Elétrica da UFMG. O profissional está realizando uma análise de comportamento dessas leituras para então desenvolver um software de leitura, capaz de facilitar todo o processo envolvendo a metodologia.

Artigo: Nanosensors based on LSPR are able to serologically diferentiate dengue from Zika infections

Autores: Alice F. Versiani, Estefânia M. N. Martins, Lidia M. Andrade, Laura Cox, Glauco C. Pereira, Edel F. Barbosa-Stancioli, Mauricio L. Nogueira, Luiz O. Ladeira e Flávio G. da Fonseca.

Publicação: Scientific Reports, 10, artigo 11302 (2020), 9 jul. 2020.

Assessoria de Imprensa UFMG

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG