Moléculas mais eficazes e com melhor seletividade no combate ao câncer são desenvolvidas em pesquisa coordenada pela UFMG

Novos compostos são consequência de quase dez anos de estudos que promovem o desenvolvimento da ciência aliado à formação de recursos humanos

Gerar uma estratégia mais eficiente de combate ao câncer garantindo também a redução do potencial citotóxico contra células saudáveis durante um potencial tratamento, diminuindo efeitos colaterais e severos danos ao paciente: esse é o resultado de estudo coordenado pela UFMG em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade de Santa Catarina (UFSC) e Universidade do Texas. O projeto utiliza substância isolada da árvore ipê como modelo para chegar a novas possibilidades de atuação contra células tumorais, tendo até então obtido especial eficácia contra a leucemia.

A pesquisa, que recebeu o reconhecimento do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), sendo uma das três finalistas de 2019 do prêmio Octavio Frias de Oliveira na categoria Inovação Tecnológica em Oncologia, tem origem no cerne do ipê, especialmente nas variações roxa e amarela, onde é possível encontrar a molécula lapachol. É a partir dela que os cientistas preparam a ß-lapachona, uma estrutura com grande capacidade de combater células tumorais. A molécula gerada funciona como um protótipo, utilizado por pesquisadores na síntese de várias substâncias voltadas para o tratamento do câncer.

No projeto em questão, os especialistas uniram o arcabouço estrutural quinoidal baseado na ß-lapachona a alguns átomos que são especiais pela forma como vão atuar na célula, como o selênio. Eles chegaram a uma estrutura que funciona através de um mecanismo de ação diferente de outros métodos de combate ao câncer: a molécula se tornou mais eficiente contra células tumorais, enquanto sua potencialidade citotóxica contra células normais foi diminuída. É o que os especialistas chamam de índice de seletividade, ou seja, o produto é capaz de matar a célula tumoral sem causar tanto dano às células saudáveis.

Como projeto voltado para a Química Medicinal, o estudo vem trilhando o caminho para o desenvolvimento de um fármaco. Contudo, como explica o coordenador do Laboratório de Química Sintética e Heterocíclica da UFMG, professor Eufrânio Nunes da Silva Júnior, “o mais importante é contribuir com a descoberta de novas moléculas, auxiliando na composição do arsenal terapêutico que deve ser desenvolvido para o tratamento de diversas modalidades de câncer”.

Metodologia colaborativa
A cadeia de pesquisa para chegar às novas estruturas teve início na UFMG, com a atuação do Laboratório de Química Sintética e Heterocíclica. Para sua tese de doutorado, entre os anos de 2013-2017 o então aluno Eduardo Henrique Guimarães da Cruz, orientado por Eufrânio Júnior, fez a síntese inicial das moléculas contendo selênio. A pesquisa foi continuada a partir daí, ficando com o laboratório da UFMG o papel de juntar a estrutura quinoidal ao átomo selênio de forma a garantir que estejam aptos para agir na célula.

Professor da UFSC especialista em selênio, Antônio Luis Braga entrou nos estudos para ajudar na compreensão da química do elemento e em sua inserção nas moléculas preparadas. Os compostos produzidos foram enviados para a professora Cláudia do Ó Pessoa, da UFC, que fez a avaliação antitumoral e do fator citotóxico. Os testes foram aprofundados pela Universidade do Texas, através do pesquisador David Boothman (atualmente docente da Universidade de Indiana). A parceria internacional possibilitou o avanço em etapas que esbarravam nas dificuldades financeiras existentes para os pesquisadores no Brasil, como os estudos de mecanismo de ação farmacológica.

Em etapa já avançada, a proposta foi patenteada pelo grupo no Brasil e nos Estados Unidos. “Agora estamos desenvolvendo um projeto piloto para sintetizar os compostos em quantidade suficiente para avaliação do potencial citotóxico in vivo”, informa Eufrânio Júnior. Isso significa que o comportamento das moléculas será checado em um organismo vivo, etapa posterior no processo de desenvolvimento de fármacos. Os testes in vivo serão realizados novamente pela UFC. A partir dos próximos desdobramentos, os especialistas também pretendem aprimorar o entendimento do mecanismo de ação da molécula.

O papel do ipê
Apesar da importância do ipê como base para a extração de moléculas modelos para pesquisas diversas, o professor da UFMG esclarece que não seria adequado considerar a árvore, fonte da flor nacional do Brasil, como uma futura solução para o câncer. “É inviável. A ideia de que será produzido um fármaco a partir do ipê não procede, porque não poderíamos tornar isso efetivo, eficiente, tendo que de fato cortar as árvores para chegar ao cerne onde se encontram as substâncias”.

O especialista esclarece que para fins de pesquisa e produção em grande escala a extração do lapachol não pode ser feita diretamente na natureza. A substância isolada do ipê é usada como modelo, portanto os laboratórios trabalham com moléculas novas sintetizadas a partir de compostos comercialmente disponíveis, que são comprados e utilizados como material de partida.

Pesquisa aliada a formação
O estudo dá seguimento a quase uma década de trabalhos que vêm sendo realizados na UFMG. Fundado em 2010, quando Eufrânio Júnior ingressou na UFMG como docente, o Laboratório de Química Sintética e Heterocíclica já sintetizou mais de 1.000 compostos, com funcionalidade para doenças diversas. A partir dos últimos resultados com moléculas antitumorais, já foram publicados mais de 20 artigos científicos, que posicionam a UFMG como uma instituição de importante contribuição para pesquisas vinculadas aos diversos tipos de câncer, seja por meio da abertura de caminhos ou pela geração de futuros especialistas para a área.

“O nosso trabalho na academia está além de apenas resolver o problema. Ele também consiste em formação de recursos humanos, em formação de doutores, em formação de especialistas capazes de trabalhar em pesquisas de altíssimo nível”, ressalta o Eufrânio Júnior. Somente nesse projeto foram envolvidos mais de cinco alunos de pós-graduação da UFMG e inúmeros outros das três instituições parceiras. A inclusão dos discentes e o estímulo à sua participação aprimoram o aprendizado e o domínio de áreas básicas da ciência, como por exemplo, Química e Biologia. “Hoje se fala muito em chegar ao ponto final da resolução do problema e ter o produto, aqui exemplificado pelo fármaco, mas não podemos esquecer que o caminho percorrido na universidade, também consiste em formar pessoas para permitir que a sociedade e a ciência continuem sua evolução”, adiciona.

O professor destaca ainda o perfil de países como a Alemanha, que possuem universidades consideradas exemplos de atuação na ciência e detentoras de estruturas com grande capacidade. Segundo o professor, a rotina dos pesquisadores alemães é focada em fazer ciência de base, através de pesquisas e trabalhos acadêmicos. “Um belo dia, claro, descobre-se algo fantástico, patenteia, alinha-se a nova tecnologia a uma empresa e o produto é vendido para o mundo todo. Mas para que haja isso tem que haver a continuidade da formação, da geração de saber”, salienta. “Nós precisamos entender isso no Brasil. Nós não podemos ter uma universidade que faça apenas ciência de base ou uma universidade que se torne prestadora de serviços ou apenas focada em gerar produtos. Temos que trabalhar para que haja a integração dos diferentes saberes, permitindo o contínuo desenvolvimento da ciência que irá em algum ponto viabilizar o atendimento às demandas da sociedade”.

Assessoria de Imprensa UFMG

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Moléculas mais eficazes e com melhor seletividade no combate ao câncer são desenvolvidas em pesquisa