Observatório Social da Covid-19 da UFMG divulga nota técnica sobre motoristas de aplicativo e a pandemia

Nos últimos anos, houve um aumento expressivo no número de pessoas que trabalham por meio de aplicativos digitais, como motoristas. A pandemia do novo coronavírus impactou fortemente no trabalho desses profissionais, uma vez que as medidas de distanciamento social reduziram significativamente a mobilidade espacial da população. Em nota técnica, o Observatório Social da Covid-19 da UFMG detalhou o impacto da pandemia sobre o trabalho dos motoristas de aplicativo com base em diferentes fontes de informação.

As análises mostram que houve perda significativa de rendimento para esses trabalhadores, além do aumento da exposição ao risco de contrair a doença. Segundo a nota técnica, assinada pelo professor Marden Campos, do Departamento de Sociologia da UFMG, e pela aluna Ludmila Beatriz, bolsista do Observatório Social da Covid, cresce o número de pessoas que realizam atividades profissionais em aplicativos de plataformas empresariais. Estima-se que, atualmente, haja em torno de 50 milhões de trabalhadores digitais (gig workers) em todo o mundo, como os motoristas de aplicativo.

No Brasil, eles atuam majoritariamente pelo Uber e 99 App. Fundada em 2009, na Califórnia, a Uber chegou ao Brasil em 2014 e afirma ter mais 600 mil motoristas cadastrados no país. Já a 99 App foi fundada em 2012, no Brasil, adquirida em 2019 pela chinesa DiDi Chuxing. A empresa afirma ter o mesmo número que a Uber em termos de motoristas ou taxistas que atuam em seu aplicativo, segundo os dados dos pesquisadores.

Essas plataformas reorganizaram os deslocamentos, além de se tornarem cada vez mais uma opção de garantir rendimento para centenas de milhares de trabalhadores. “Contudo, a deflagração da pandemia do novo coronavírus e as medidas de distanciamento social impactaram fortemente no trabalho dos motoristas de aplicativo, ao reduzirem fortemente os níveis de mobilidade diária da população. Muitos motoristas perderam parte significativa ou mesmo a totalidade de seus rendimentos, enquanto muitos expuseram-se perigosamente ao risco de contrair a covid-19”, diz a nota.

A equipe do Observatório Social da Covid-19 analisou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD-Covid, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na tentativa de mensurar o impacto da pandemia sobre os motoristas de aplicativo do país. Também foram analisados dados de PNADs anteriores, com o intuito de captar tendências da atividade nos últimos anos.

Segundo a PNAD 2011, havia 614 mil condutores de veículos para transporte particular que trabalhavam por conta-própria no Brasil, número que se manteve praticamente estável até 2015, quando foram registrados 643 mil trabalhadores na mesma condição. Nos anos seguintes, com a chegada dos aplicativos de transporte, houve um enorme crescimento do número de trabalhadores do setor. Na PNAD-Contínua de 2019, foram registrados 1,145 milhão de condutores de automóveis, caminhonetes e motocicletas que trabalhavam por conta própria, o que indica um aumento de mais de 500 mil trabalhadores no período. Na PNAD-Covid referente a abril de 2020, foram contabilizados 1,124 milhão de trabalhadores por conta-própria na categoria motorista de aplicativo, táxi, van, mototáxi ou ônibus, relata a nota técnica.

Segundo os dados do Observatório Social, a PNAD-Covid mostra claramente o impacto da pandemia sobre os motoristas de aplicativo. No primeiro mês da pandemia, 36% desses trabalhadores estavam afastados do trabalho. Ou seja, mais de um terço dos motoristas perdeu sua fonte de renda naquele momento. Apenas ambulantes, cabeleireiros, manicures, cozinheiros, garçons e professores apresentaram percentuais mais elevados de trabalhadores afastados em abril.

Entre os motoristas que continuaram trabalhando, a média de horas por semana, que era de 45 horas, caiu para 20 horas. Trabalhadores de outras ocupações tiveram uma redução de 39 horas para 27 horas semanais de trabalho com a pandemia.

Os pesquisadores analisaram que, mesmo antes da pandemia, o rendimento dos motoristas de aplicativo era inferior à média de mercado, ainda que eles trabalhassem 6 horas a mais do que outras categorias. Segundo as PNADs, houve perda de 12% do rendimento dos trabalhadores desse setor entre 2015 e 2020, fenômeno agravado pela pandemia. Em abril de 2020, o rendimento médio dos motoristas equivalia a menos de 80% da renda média do trabalho no país. As pesquisas indicam que apenas 7% desses motoristas eram mulheres. Apesar de baixo, tal percentual é mais do que o dobro daquele que representa as mulheres entre os motoristas empregados nos setores público ou privado, que é de apenas 3%”.

Ainda constataram que poucos desses motoristas tinham mais de um emprego (8%), o que indica a dependência em relação ao trabalho com os aplicativos. Em relação à contribuição para a previdência, apenas 32% deles afirmaram contribuir para o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) no período. Dezoito por cento tinham nível superior completo.

Motoristas de aplicativo em BH

O projeto de pesquisa Novas Sociabilidades na Era Digital, realizado no Departamento de Sociologia da UFMG, tem acompanhado um grupo de motoristas de aplicativo em Belo Horizonte e mostra com mais detalhes os impactos da pandemia sobre a atividade.

A pesquisa mostra que os motoristas entrevistados se depararam com duas situações distintas no início na pandemia. Aqueles que tinham outras fontes de rendimento ou alguém na família que conseguia manter a renda domiciliar pararam imediatamente de trabalhar assim que foram decretadas as medidas de distanciamento social na cidade, na semana do dia 18 de março. Além desses casos, os pertencentes ao grupo de risco da doença ou que se sentiram ameaçados pela pandemia também pararam de trabalhar imediatamente.

De acordo com os pesquisadores, uma entrevistada inclusive relatou que teve várias crises de ansiedade que a impediam de sair para trabalhar. Outro grupo de motoristas afirmou que não podia parar, pois dependia do trabalho com o aplicativo para sobreviver. Além da incerteza quanto ao rendimento, também relataram riscos e insegurança em relação a assaltos aos quais se consideram expostos.

Ainda segundo  o estudo, os motoristas afirmam que foi necessário trabalhar mais horas para tentar ganhar no máximo o que recebiam no período pré-pandemia. Os dados mais recentes do acompanhamento dos motoristas, referentes a outubro, mostram que muitos deles voltaram a trabalhar. Os rendimentos ainda dependem dos decretos sobre funcionamento do comércio e assim devem permanecer enquanto durar a pandemia.

“Em síntese, tanto os dados das pesquisas domiciliares como o projeto de pesquisa desenvolvido na UFMG mostram as principais facetas do trabalho digital: sua enorme vulnerabilidade em relação a aspectos conjunturais, vivendo em uma situação em que se sobrepõe diversos níveis de insegurança, tanto em relação aos rendimentos quanto à segurança e, recentemente, quanto aos perigos de adoecimento. A contínua precarização das condições de trabalho que vem ocorrendo ao redor do mundo todo e que tem sido acelerada pelo trabalho em plataformas digitais parecem ter ganho um novo impulso com a pandemia do novo coronavirus”, concluíram os pesquisadores.

Outra observação é que o trabalho nas plataformas digitais, impulsionado pelas crises econômicas, evidencia que, nos próximos anos, haverá ainda mais trabalhadores que migrarão para o trabalho de plataforma.

Assessoria de Imprensa UFMG

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Assessoria de Imprensa UFMG