Pesquisa coordenada pela UFMG comprova que nervos sensoriais afetam a progressão do câncer

Grupo acredita que resultados podem abrir portas para futuros tratamentos focados no microambiente tumoral; artigo sobre o estudo foi publicado n

Nervos sensoriais podem ter papel fundamental no comportamento de tumores e ser alvo de futuros tratamentos que bloqueiem a progressão do câncer. É o que demonstra pesquisa responsável por comprovar que o sistema nervoso afeta o crescimento de células malignas do melanoma. O estudo, realizado na UFMG com colaboradores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade de São Paulo (USP) e Columbia University de Nova York, foi destrinchado em artigo publicado na segunda-feira, 20 de julho, no Journal of Cellular and Molecular Medicine. O grupo parte agora para análises de outros tipos de câncer e dos mecanismos celulares e moleculares envolvidos na regulação neural dos tumores.

As tão temidas células cancerosas, que sofrem transformações no material genético e se dividem descontroladamente, destruindo as células normais ao redor, por muito tempo foram o único alvo das terapias contra o câncer. Contudo, hoje já se sabe que a sua proliferação pode ser alterada pelo ambiente onde elas estão localizadas no organismo, por isso têm-se olhado cada vez mais para os outros componentes envolvidos no espectro da doença. Um destes, que ainda não teve seu papel na progressão tumoral totalmente esclarecido, é o sistema nervoso, que possui conhecida contribuição para o crescimento e manutenção de numerosos tecidos.

Com financiamento do Instituto Serrapilheira e apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), o grupo de pesquisadores, chefiado pelo biomédico e professor da UFMG Alexander Birbrair, decidiu investigar como as fibras de nervos sensoriais afetam o comportamento do melanoma. Para examinar a função destas inervações no microambiente tumoral, avaliaram o efeito de denervações - eliminações - genéticas e farmacológicas dos nervos.

Ainda em fase de pesquisa para obter um quadro mais amplo, os resultados até então são animadores: os especialistas conseguiram demonstrar que os nervos sensoriais estão infiltrando os tumores e afetam o crescimento das células malignas. “Isso abre as portas para uma possibilidade futura de tratamento que pode agir justamente no papel desses nervos no microambiente tumoral. Imagine controlar um tumor de dentro dele de forma que ele promova a própria extinção? Descobrimos que os nervos sensoriais podem bloquear a progressão do melanoma, bloqueando seu crescimento”, afirma Birbrair. “Desvendando mecanismos de controle dos tumores, com alguma sorte, esperamos achar um jeito de tratar o câncer de forma mais eficaz e específica, com mínimos efeitos colaterais”.

Análises em modelos animais e humanos

Os cientistas realizaram transplantes de células de câncer em camundongos transgênicos, que possuíam nervos sensoriais demarcados com fluorescência vermelha. Dessa forma foi possível detectar a presença das fibras do sistema nervoso no microambiente tumoral que se desenvolveu. Em seguida, o grupo avaliou o desenvolvimento dos tumores em animais sem nervos sensoriais, seguindo a progressão do câncer por um período prolongado. Isso levou os autores à descoberta de modificações no comportamento dos tumores na ausência das projeções sensoriais, como aumento da vascularização e do tamanho dos tumores.

A eliminação, por denervação farmacológica, dos nervos sensoriais foi feita usando o composto Resiniferatoxina (RTX) – que causa a perda da função sensorial e elimina a sensibilidade dos camundongos a certos estímulos. “Com esse tratamento buscamos estabelecer uma relação entre o momento que causamos a denervação e o desenvolvimento do tumor”, esclarece Birbrair.

“Um problema que encontramos ao realizar esse experimento é que o próprio RTX pode ser tóxico para as células de câncer, então ao tratarmos os animais com o composto após a injeção das células, podemos estar observando uma toxicidade do próprio RTX nas células de câncer, e não somente sua ação nos nervos sensoriais”, sinaliza o pesquisador.

Para contornar o problema, também foram utilizados animais cujos nervos foram eliminados de forma genética e específica, além de espécimes submetidas à denervação com RTX antes do transplante das células cancerosas. Posteriormente os tumores resultantes de todas as variáveis do experimento foram removidos para exames.

A pesquisa envolveu ainda a análise de genes em bancos de dados das amostras de biópsias de câncer de humanos com melanoma. Essa etapa revelou que o aumento da expressão de genes presentes em nervos sensoriais nos tumores foi associado a melhores resultados clínicos nestes pacientes.

Neutralização do crescimento tumoral

Se por um lado o estudo com camundongos tratados pós-implantação gerou dados importantes sugerindo a inibição do crescimento tumoral, o caso dos indivíduos com fibras específicas do sistema nervoso previamente eliminadas permitiu análises mais aprofundadas sobre o papel dos nervos no microambiente do melanoma in vivo. Como o crescimento in vivo das células tumorais foi acelerado após a eliminação genética e farmacológica desses nervos, o estudo indica que nervos sensoriais neutralizam a progressão do melanoma.

“Ainda não sabemos se o uso de uma droga, ou outra forma de modular as inervações sensoriais poderia ser utilizada como terapia em humanos. Estamos desenvolvendo alguns projetos para entender melhor os mecanismos envolvidos na regulação do crescimento tumoral pelos nervos sensoriais. Talvez possamos, no futuro, desenvolver métodos pouco invasivos e mais efetivos de modular especificamente essas inervações, mas ainda estamos no começo dessa longa caminhada”, admite Birbrair.

Apesar de iniciais, as descobertas trazem contribuições que podem se tornar relevantes para o tratamento dos diversos tipos de câncer. “Sabemos que vários tratamentos quimioterápicos, que são muito tóxicos aos pacientes, podem, além de tentar matar as células malignas, afetar os nervos sensoriais. Se estes tratamentos estão matando os nervos sensoriais, baseado nos nossos dados iniciais, isso pode não ser bom para a progressão do tumor nestes pacientes, esperando-se uma piora clínica”, explica o docente do Departamento de Patologia da UFMG.

Ampliação do estudo

A partir dos resultados expostos no artigo do Journal of Cellular and Molecular Medicine, os pesquisadores já esboçam metas diversas para o futuro desenvolvimento dos estudos. “Esta pesquisa está muito ativa em nosso laboratório. Recentemente renovamos a verba recebida do Instituto Serrapillheira, o que nos ajudará a melhorar a infraestrutura do laboratório com equipamentos, reagentes e modelos experimentais”, destaca Birbrair.

O grupo buscará estabelecer melhor a cronologia da importância dos nervos sensoriais em diferentes estágios da progressão tumoral com ferramentas mais modernas. Além disso, os cientistas estão investigando mais detalhes sobre os mecanismos celulares e moleculares envolvidos na regulação dos tumores pelo sistema nervoso.

“Vamos avaliar também como a hiperativação desses nervos pode influenciar no crescimento do melanoma, e ainda pretendemos fazer essa análise com outros tipos de câncer como de próstata e de mama. Queremos também avaliar como outros componentes do microambiente tumoral interagem com os nervos sensoriais, incluindo células tronco dentro do câncer, que podem ser afetadas pela ausência da inervação, além de outras interações que essas inervações podem ter dentro dos tumores”, conclui o pesquisador.

Artigo: Ablation of sensory nerves favours melanoma progression

Autores: Pedro H. D. M. Prazeres, Caroline Leonel, Walison N. Silva, Beatriz G. S. Rocha, Gabryella S. P. Santos, Alinne C. Costa, Caroline C. Picoli, Isadora F. G. Sena, William A. Gonçalves, Mariana S. Vieira, Pedro A. C. Costa, Leda M. C. C. Campos, Miriam T. Paz, Marcos R. Costa, Rodrigo R. Resende, Thiago M. Cunha, Akiva Mintz, e Alexander Birbrair

Publicação: Journal of Cellular and Molecular Medicine, 20 jul. 2020.

Assessoria de Imprensa UFMG

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Assessoria de Imprensa UFMG