Pesquisa na UFMG analisa perfil sobredimensionado de coalizões de governos latino-americanos

A ideia de governo de coalizão no Brasil foi desdenhada por Collor, depois da primeira eleição direta pós-ditadura. Lula iniciou seu primeiro governo, em 2003, com uma coalizão pequena. O presidente impedido em 1992 acabou sentindo muita falta de apoio no Congresso, e Lula precisou ampliar sua base, após o escândalo do mensalão, para manter a governabilidade. As coalizões são muito comuns na América Latina, inclusive em sua versão sobredimensionada, em que o presidente conta com maioria folgada no Congresso.

Esse tipo de arranjo é tema de artigo recém-publicado na Brazilian Political Science Review por Fernando Meireles, doutorando no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFMG. Ele estudou 168 coalizões em 18 países, desde 1979, e constatou, por exemplo, que quanto maior a capacidade do presidente de legislar, maiores são as coalizões.

"Diferentemente do que se pode pensar, prerrogativas constitucionais de ação sobre o Poder Legislativo, como medidas provisórias e pedidos de urgência, não implicam menor tendência às coalizões", afirma Meireles.

Coalizões são formadas quando um presidente sem maioria no Congresso reúne outros partidos para aprovar leis de interesse do governo. Em troca, essas legendas participam diretamente da gestão, comandando ministérios e ocupando cargos diversos. Por um lado, como explica o pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG, o presidente garante estabilidade, com maiores possibilidades de nomear parlamentares para cargos importantes do Congresso, como a Mesa Diretora e as comissões mais poderosas. Por outro lado, os partidos, à frente de pastas com grande capilaridade, têm a chance de aumentar seu capital político com obras e inaugurações em todo o país.

Primeiros 90 dias

De acordo com Fernando Meireles, na América Latina, em geral, é mais fácil formar coalizões nos primeiros 90 ou 100 dias de mandato, aproveitando a popularidade do mandatário recém-eleito. E é natural que, ao fim do período, os partidos queiram distanciar-se do governo, até mesmo para disputar as eleições seguintes com candidaturas próprias ou associados a projetos de outras legendas.

"Na história recente do Brasil, os presidentes que tentaram dispensar as grandes coalizões tiveram problemas. Sarney contou com supermaioria, e Collor chegou rompendo com essa lógica. Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso retomaram a prática da coalizão sobredimensionada. Lula tentou mudar, mas foi obrigado a retroceder. Dilma e Temer mantiveram as grandes coalizões", lembra o cientista político. Ele acrescenta que, se um governo conta com larga maioria em um ano, as chances de que essa situação se mantenha no ano seguinte são de 80%: "Isso acontece mesmo com a mudança de governo, resulta de uma espécie de aprendizado."

Ainda de acordo com o pesquisador, uma característica chama a atenção: o quadro partidário muito fragmentado favorece as coalizões sobredimensionadas. "Quanto mais partidos existem, mais partidos podem formar a coalizão. Com mais possibilidades de reunir aliados, o governo forma uma maioria que lhe dá margem mais ampla para negociar. E o poder de barganha das legendas menores diminui, na medida em que a ameaça de debandada de um ou dois partidos tem pouca influência sobre a força da coalizão", comenta o cientista político.

Notáveis sem partido

Em alguns países da América Latina, conforme mostra o artigo de Fernando Meireles, as relações entre governo e parlamento se dão de forma diferente. No Chile, os partidos se reúnem tradicionalmente em duas grandes coligações – o que varia é o número de cadeiras que cada um deles conquista em cada ciclo eleitoral.

As parcerias são ditadas por projetos conjuntos e vão além da coligação eleitoral. Na Bolívia, em 2003, uma crise de credibilidade entre os políticos, mesmo em um quadro de larga maioria, levou o presidente Carlos Mesa a romper com a lógica das alianças e recrutar notáveis, sem vinculação com partidos, para compor seu ministério.

Fernando Meireles utilizou modelos econométricos e mesclou estudos comparados com estudos de casos. Segundo ele, os dados são mais fartos nos países do Cone Sul e nos países andinos, mas muito escassos em algumas nações da América Central. Para compensar a falta de informações, ele cotejou trabalhos publicados e entrevistou especialistas. A pesquisa lança mão, sobretudo, de dados como número de cadeiras ocupadas pelos partidos, tempo de mandato, poderes legislativos do chefe de governo e número de forças políticas reais.

Para Fernando Meireles, a opção pelas coalizões é quase inevitável na América Latina. "Muitas vezes é difícil para o eleitor entender por que o presidente no qual ele votou precisa se aliar a tantos partidos, muitos deles de ideologias diferentes. Mesmo as bases dos partidos que chegam ao poder geralmente se opõem às coalizões. Quase sempre, no entanto, não há saída; essa é a forma de ter algum grau de manobra", conclui o cientista político.

Artigo: Oversized government coalitions in Latin America
Autor: Fernando Meireles, doutorando no Programa de Pós-graduação em Ciência Política
Publicado na Brazilian Political Science Review (V. 10, n. 3, 2016)

Itamar Rigueira Jr. / Boletim 1972

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