Pesquisador da UFMG investiga livros não ficcionais para crianças que lançam mão de elementos da literatura e das artes visuais

No livro Plume, publicado em 2012, a escritora e ilustradora francesa Isabelle Simler oferece breve compêndio de aves, desde as mais comuns, como a galinha e o pato, até outras menos conhecidas, como o íbis e o martim-pescador. Destinado ao público infantil, o volume fornece informações sobre os bichos – nesse sentido, é natural pensar que se trata de um livro restrito à divulgação científica. Mas a autora introduz ao menos um elemento que incita à imaginação: em cada página, aparece um pedaço do corpo de um gato, de nome Plume (pena, em francês).

A obra de Isabelle Simler é exemplo claro de um produto híbrido, que introduz elementos ficcionais na não ficção, e um dos 30 livros, brasileiros e estrangeiros, analisados na pesquisa de doutorado do bibliotecário Marcus Vinícius Rodrigues Martins, defendida em fevereiro deste ano no Programa de Pós-graduação em Educação da UFMG.

“Investiguei obras que apresentam a ideia de complementaridade, nas quais se encontra a ficção dentro da não ficção. Elas trabalham a informação e, ao mesmo tempo, a delicadeza e a imaginação”, comenta Marcus Vinícius. Segundo ele, os livros não ficcionais superam a perspectiva do conteúdo didático e escolarizante, oferecendo maneiras diferentes de as crianças ampliarem seu repertório em espaços como a casa, um museu, um parque ou uma biblioteca fora da escola.

“Esses livros têm em comum um escape poético, eles fazem a informação dialogar com a literatura e as artes visuais. Além disso, convocam à participação do pequeno leitor, que interage com a obra. Faz-se uma aliança da voz da criança com a do adulto especialista. Em um dos volumes que estudei, o autor sugere que o leitor fotografe nuvens, antes de abordar o assunto do ponto de vista científico”, explica o pesquisador.

Pêndulo ampliado

De acordo com Marcus Vinícius Martins, os estudos sobre obras não ficcionais para a infância são incipientes, mesmo em países com tradição de pesquisa sobre livros infantis. A base bibliográfica para seu trabalho incluiu produção teórica em português, francês, espanhol e inglês. “Encontrei, com muita frequência, nesse material, uma separação bem marcada entre ficção e não ficção, o que parece explicar a falta de construções teóricas sedimentadas”, diz o bibliotecário.

O pesquisador explorou a metodologia de expansão na arquitetura de sua análise. Com isso, ele logrou “ampliar o pêndulo entre ficcionalidade e não ficcionalidade para pensar a obra híbrida e dar visibilidade ao uso de dispositivos ficcionais, como forma de quebrar a racionalidade científica tão presente na não ficcionalidade”, segundo trecho da tese.

Marcus Vinícius ressalta que, nas escolas, o interesse é maior pelos livros de ficção, e as obras não ficcionais são tratadas apenas como suporte didático para conteúdos disciplinares. Ele considera que esses livros têm potencial mais amplo, de “abrir um tema e apresentar o mundo” ao público infantil. Na tese, o pesquisador recorre a ideias da teórica canadense Nikola Von Merveldt para esclarecer a interação entre imagem e palavra. “Muitos livros não ficcionais equiparam o texto visual e o verbal na construção da informação. Assim, não há sobreposição de discursos para informar o leitor. Ademais, elementos como a fuga de convenções referentes à divulgação científica e a multiplicidade de vozes dialogam para atingir um constructo verbal e visual coerente”, escreve o doutor em educação, que foi orientado pela professora Célia Abicalil Belmiro.

Um dos aspectos a que Marcus Vinícius Martins pretende se dedicar é o da mediação. Segundo ele, é preciso discutir como conduzir rodas de leitura com base nas obras híbridas e apresentar esse gênero a mediadores em potencial, como professores, pedagogos e bibliotecários. O pesquisador sugere, ainda, alguns temas para futuros estudos, como a presença de recursos como gráficos, infográficos e mapas conceituais nas obras não ficcionais, novos direcionamentos para a divulgação de ciência, o intercâmbio da educação artística com a científica e a estética da não ficção.

(Com informações de Itamar Rigueira Jr. para o Boletim UFMG 2.088)

Assessoria de Imprensa UFMG

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