Pesquisador da UFMG sistematiza os 200 anos de presença humana na Antártica

Arqueologia é o estudo do ser humano que se dá por meio da cultura material produzida por ele. Com base nela, a história da presença humana no continente Antártico, no Polo Sul do globo terrestre, remonta no mínimo ao século 19, como fazem saber os primeiros achados arqueológicos da região. Apesar disso, os trabalhos que descobriram e situaram historicamente essa ocupação não tinham sido reunidos e analisados em livro até hoje, restando dispersos em publicações independentes. O volume Archaeology in Antarctica, que acaba de ser publicado (em inglês) pela Editora Routledge, do Reino Unido, preenche essa lacuna.

“O que existia eram publicações sobre pesquisas específicas, artigos dispersos em revistas, livros e jornais, mas não um livro que reunisse esses trabalhos e os apresentasse em forma de síntese, incluindo análises e reflexões sobre o ‘conjunto da obra’. Nesse sentido, esse livro será referência obrigatória para todos aqueles que têm interesse na história humana desse continente”, afirma o professor Andrés Zarankin, do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich).

Zarankin, que é argentino, divide a autoria de Arqueologia na Antártica com a compatriota Melisa Anabella Salerno, pesquisadora do Instituto Multidisciplinar de História e Ciências Humanas (IMHICIHU) do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet) do seu país, e com o australiano Michael Pearson, pesquisador independente com extensa história de pesquisas na Antártica – “incluindo trabalhos nas cabanas de Mawson [ruínas de construções que remontam às primeiras explorações australianas na região, no início do século 20] e nas ilhas Shetland do Sul nos últimos 35 anos”, acrescenta Zarankin.

Ancorado em informações publicadas e inéditas relacionadas ao uso da arqueologia em projetos de conservação e para fins de pesquisa na Antártica, o livro percorre os 200 anos de presença humana no continente (nas ilhas subantárticas, um pouco mais), tratando de temas como os acampamentos e as cabanas dos exploradores, os naufrágios da região, as estações baleeiras, os abrigos de caçadores de focas e as bases científicas – sejam as históricas, sejam as atuais, como a Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), base brasileira de pesquisas localizada na ilha de Rei George.

Arqueologia: história a contrapelo

O livro está organizado em quatro capítulos. No primeiro, os autores fazem a arqueologia das interações humanas com o meio ambiente polar. No segundo, estruturam o fio histórico das investigações arqueológicas que tiveram lugar na Antártica e nas ilhas subantárticas. No terceiro, tratam da arqueologia nas Ilhas Shetland do Sul, importante arquipélago localizado a pouco mais de cem quilômetros ao Norte da Península Antártica. No quarto, discorrem sobre as práticas e experiências dos caçadores. Todos os capítulos são fartamente ilustrados e acompanhados de bibliografia.

Para Zarankin, um dos méritos do volume é relativizar o tom épico das narrativas dominantes sobre as primeiras explorações do continente, tomando o cânone a contrapelo. “O livro permite novas perspectivas sobre o impacto da modernidade global e colonial na Antártica e desafia os discursos dominantes estabelecidos sobre a natureza ‘heroica’ da interação humana com o continente. Ao mesmo tempo, os trabalhos arqueológicos em locais de exploração de mamíferos marinhos dão voz às experiências dos caçadores de focas, lobos e baleias como grupos subalternos amplamente ignorados por fontes históricas”, demarca.

“A verdade é que as narrativas sobre o passado, que entendemos como ‘história oficial’, têm sido construídas a partir de fontes documentais produzidas pela elite, o que teve consequências de negação, invisibilizacão, marginalização e estereotipacão dos demais grupos. A arqueologia, ao trabalhar com os restos desses grupos [em vez de recorrer aos documentos escritos pela elite], gera a possibilidade de dar-lhes visibilidade e de construir novas narrativas contra-hegemônicas, que funcionem como bases para estruturar sociedades mais igualitárias e democráticas”, afirma.

A UFMG no continente gelado

Andrés Zarankin dirige o Laboratório de Estudos Antárticos em Ciências Humanas (Leach) da UFMG, que há vários anos vêm investigando – por meio da recuperação de artefatos arqueológicos – a dinâmica social e os modos de vida estabelecidos nas primeiras ocupações da Antártica, que remontam ao século 19. Além do Leach, a UFMG mantém outros dois projetos de pesquisa na Antártica, o Mycoantar e o Mediantar, ambos no âmbito do Instituto de Ciências Biológicas (ICB).

Por meio do Mycoantar, são realizados estudos sobre a diversidade de fungos presentes em diferentes ambientes da Antártica. Um dos objetivos é avaliar a possibilidade de catalogá-los e utilizá-los como fonte de antibióticos para uso na medicina. O Mediantar, por sua vez, investiga (psicológica e fisiologicamente) os efeitos que o ambiente inóspito da Antártica – e o isolamento que é inerente a ele – gera na saúde dos pesquisadores e militares que trabalham no continente.

Neste ano, deve ser aberto um novo edital do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), instância do governo federal que coordena a pesquisa em toda a região da Antártica e mantém a Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), em cujo âmbito ocorrem as grandes expedições científicas ao continente, chamadas de “Operações Antárticas”. Segundo Zarankin, esse edital deve contar com uma linha para projetos de pesquisas dos campos das ciências humanas e sociais, algo que não ocorria desde 2018.

Ficha técnica

Livro: Archaeology in Antarctica (impresso e e-book)
Autores: Andrés Zarankin, Michael Pearson e Melisa A. Salerno
Editora: Routledge (Reino Unido)
$ 44,95 (impresso) e $ 40,45 (e-book) / 278 páginas

Texto de Ewerton Martins Ribeiro

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG