Pesquisadora da UFMG mostra em Yale como africanos recriaram danças e músicas em MG no século 18

Keli Souza, doutoranda em História, será a única estudante de pós-graduação a compor mesa de colóquio

Uma estudante de doutorado da UFMG participa, nesta semana, como palestrante, do colóquio internacional Religião e culturas expressivas na África e suas diásporas (Religion and Expressive Cultures in Africa and its Diasporas, no original), na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. A historiadora Keli Carvalho Nobre de Souza, vinculada ao Programa de Pós-graduação em História da UFMG, é a única pesquisadora em nível de pós-graduação a compor mesa do evento, que ocorre na próxima sexta-feira, 9 de fevereiro.

Keli Souza se diz honrada com o convite para participar do evento em Yale, ao lado de pesquisadores já consagrados pela historiografia. “Estou muito feliz em representar as pesquisas do Brasil, internacionalmente, em uma das maiores universidades do mundo. Confesso que sempre tive vontade de falar em uma universidade como Yale, uma das que compõem a Ivy League, em especial num colóquio organizado por pesquisadores tão eminentes, como a Cécile Fromont e o Jordan Fenton. Fiquei muito honrada com o convite e até assustada, há alguns dias, quando recebi o folder do evento e percebi que seria a única estudante de pós-graduação numa mesa. Os demais palestrantes são doutores, pós-doutores, professores de grandes universidades do mundo, bem como curadores de grandes museus de história da África”, destaca.

Agência africana no Brasil

No evento de Yale, Keli Souza falará do tema que tem trabalhado em sua pesquisa de doutorado, sob orientação da professora Vanicléia Santos, especialista em história da África e suas diásporas. A historiadora investiga e analisa as estratégias adotadas pelos africanos e seus descendentes para recriar suas danças e músicas, em Minas Gerais, durante o século 18. Com previsão de defesa neste semestre, o estudo se situa nas perspectivas da história atlântica e da diáspora africana. 

“Estudos que tratam da diáspora africana são importantes porque mostram a agência dos africanos. Revelam que essas pessoas e seus descendentes, no Brasil e em toda a América, não foram passivos: eles agiram sobre a própria história. O meu estudo, especificamente, revela uma outra perspectiva da presença dos africanos em Minas Gerais, ao demonstrar que, além dos rituais religiosos de matriz africana, os instrumentos, músicas, sons e danças foram recriados também dentro da Igreja Católica e para a diversão das pessoas. É importante mostrar que os africanos criaram arte e transmitiram esse conhecimento para seus descendentes”, resume.

Documentos da inquisição

A pesquisa de Keli Souza também investiga como autoridades e cidadãos reagiram a essas estratégias no século 18. “Eu também estudo as reações dos governadores, da Igreja Católica e dos demais habitantes da região diante dessas estratégias de recriação de manifestações artísticas africanas. Faço isso comparando o que essas pessoas faziam aqui em Minas Gerais, no século 18, com o que faziam no continente africano, mais especificamente na África Ocidental e na África Centro-ocidental, com foco nos reinos de Uidá, Alladá e Daomé”, detalha.  

No trabalho, a pesquisadora ainda faz uso de relatos, imagens e outros registros feitos por viajantes que estiveram no continente africano. “Alguns deles enviaram relatórios detalhados de viagens, desenharam instrumentos musicais, muitas vezes retratados durante sua utilização, descreveram os rituais com presença de música e dança. Há uma série de descrições dos rituais que os chefes dos reinos mantinham em suas localidades. Eu utilizo essa documentação para entender a música e a dança na África Ocidental e Centro-ocidental e comparar com o que os africanos e seus descendentes faziam no Brasil no século 18”, contextualiza.

Para essa comparação, a historiadora utiliza a documentação inquisitorial da época, composta de cadernos do promotor, sumários de culpa e processos abertos contra os denunciados, em diferentes momentos do século 18. “À época, pessoas comuns faziam denúncias [das manifestações feitas pelos africanos e seus descendentes], sem nenhum tipo de prova. Essas denúncias eram registradas no caderno do promotor e enviadas para Portugal, onde eram lidas e, caso fossem consideradas pertinentes pelas autoridades portuguesas, recomendava-se a feitura do sumário de culpa no Brasil. Caso contrário, eram desconsideradas. Independentemente dessa desconsideração, as muitas denúncias ficaram registradas nos cadernos do promotor e entraram para a história, resultando em um material de análise muito rico”, explica. 

Poucos africanos ou descendentes chegaram a ser, de fato, processados pela inquisição. “O que nós temos de mais rico e substancial são justamente essas denúncias, registradas no caderno do promotor. O banco de dados que eu organizei reúne essas denúncias e também as chamadas devassas eclesiásticas, as denúncias que chegavam ao bispado de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Nesses casos, a análise era feita pelo bispo, que decidia se deveria ser montado tribunal para julgar as pessoas denunciadas”, resume Keli Souza.

Saiba mais em matéria de Hugo Rafael para o Portal UFMG.

Assessoria de Imprensa UFMG

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