Pesquisadora da UFMG revela processo de supressão da identidade no distrito Miguel Burnier provocado pela mineração

A tese intitulada A desconstrução do esquecimento em contexto de conflito ambiental: arqueologia e etnografia da comunidade de Miguel Burnier, Ouro Preto, Minas Gerais, defendida por Luana Carla Martins Campos Akinruli, revela que a expansão da atividade minerária em grande escala na região do Quadrilátero Ferrífero-Aquífero, em Minas Gerais, tem provocado inúmeras situações de conflito – especialmente em razão das bruscas alterações do meio ambiente, dos modos de vida locais e da destruição do patrimônio cultural, que se desdobram em disputas territoriais e pelo direito à memória.

A situação de Miguel Burnier, o maior distrito de Ouro Preto, é emblemática desse tipo de relação. “Fiquei impactada ao deparar com aquela terra arrasada”, testemunha a antropóloga Luana Akinruli, que chegou ao distrito em 2011, a serviço do Ministério Público Estadual, com a tarefa de elaborar um laudo antropológico sobre a localidade.

Segundo a pesquisadora, o início das operações de mineração da Gerdau, em 2003, deflagrou “uma afluência de arruinamentos sucessivos e repentinos” no distrito. “É análogo a uma tática de guerra: ao se apropriar do território, a empresa, aos poucos, vai minando a identidade e a memória da comunidade. O objetivo último é fazer a população deixar o local, abrindo o caminho para a atividade exploratória”, explica.

Com essa pesquisa, Luana Akinruli foi a  vencedora do Grande Prêmio Teses de 2019 da UFMG, na área de Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes. A tese foi defendida em 2018 no Programa de Pós-graduação em Antropologia, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG.

O estudo de caso foi ancorado em minuciosa revisão histórica, retomando os primórdios da atividade mineradora no estado, que tem estreita relação com a Inconfidência Mineira, no século 18. “Os inconfidentes se reuniam na Fazenda dos Caldeirões, da família Álvares Maciel, em Miguel Burnier. Nas imediações, foi fundada a primeira fábrica de ferro do país. A commodity, conforme eles planejaram, daria subsídio econômico para o Brasil se tornar independente de Portugal”, relata Luana.

Além da pesquisa histórico-documental e de prospecções arqueológicas, Luana Akinruli realizou geoprocessamento e estudo etnográfico para a construção de “uma narrativa desenvolvida junto com a comunidade e a seu serviço”. De acordo com a autora, foi demonstrado que, dos 195 quilômetros quadrados do território de Miguel Burnier, hoje só restam seis quilômetros quadrados de área aberta para o fluxo de vida da comunidade. A rede de infraestrutura, incluindo estradas, escolas e unidades de saúde pública, também foi significativamente modificada.

“A Gerdau estrangulou a comunidade a ponto de tirar das pessoas as referências de memória. Durante a pesquisa de campo, os moradores indicavam os locais onde antes existiam elementos da vida cotidiana, como um campo de futebol, uma igreja ou uma rua cheia de casas. Se você destrói os locais que as pessoas frequentam, perde-se a relação de convívio com vizinhos e a identidade da comunidade. Então não há mais por que viver mais ali”, argumenta a antropóloga.

Resistência
Segundo Luana Akinruli, o poder público tende a ser conivente com as aspirações das mineradoras, já que o patrimônio cultural figura, em geral, como impedimento para o desenvolvimento econômico em regiões de mineração. “Estudos técnicos de viabilidade ambiental costumam desqualificar as referências culturais, porque há vínculos econômicos diretos entre as consultorias e as empresas contratantes”, denuncia a antropóloga.

A autora explica que um dos propósitos de seu trabalho é dar vazão às demandas dos moradores que ainda lutam pela preservação do distrito. “Alguns estão resistindo, mas é difícil. Requer conscientização e protagonismo dos moradores”, enfatiza.

A comunidade, segundo a autora, reage de forma criativa por meio não só das ferramentas legais, mas também das simbólicas. “Torneios de futebol e festivais culturais são promovidos para atrair as pessoas e reafirmar a identidade do distrito. Além disso, a comunidade busca divulgar o circuito turístico que pode ser desfrutado em Miguel Burnier, onde há um rico acervo patrimonial de igrejas e outros elementos que retratam a história da mineração, da siderurgia e das ferrovias de Minas Gerais”, enumera.

Por outro lado, diante dessa perda de identidade do local, muitas famílias já desistiram de viver no distrito. “Existe uma crise de representatividade, e falta coesão para que a população organize suas demandas. Por isso, a sobrevivência da comunidade é cada vez mais incerta”, problematiza a pesquisadora.

Tese: A desconstrução do esquecimento em contexto de conflito ambiental: arqueologia e etnografia da comunidade de Miguel Burnier, Ouro Preto, Minas Gerais
Autora: Luana Carla Martins Campos Akinruli
Orientador: Carlos Magno Guimarães
Defesa: 27 de junho de 2018, no Programa de Pós-graduação em Antropologia, da Fafich

Assessoria de Imprensa UFMG com informações de Matheus Espíndola

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG

Serviço

Tese A desconstrução do esquecimento em contexto de conflito ambiental: arqueologia e etnografia da comunidade de Miguel Burnier, Ouro Preto, Minas Gerais