Pesquisadores da UFMG encerram nova missão arqueológica no Egito

Na quinta etapa de campo do projeto, foram descobertos na tumba escavada um poço e uma terceira câmara funerária; 14 múmias foram encontradas

O grupo de pesquisadores da UFMG que compõe o Programa Brasileiro Arqueológico no Egito (Bape na sigla em inglês – Brazilian Archaeological Program in Egypt) concluiu a quinta etapa de campo da missão arqueológica realizada na Necrópole Tebana com algumas novidades. As atividades tiveram início em 13 de dezembro de 2019 e se encerraram no dia 23 de janeiro de 2020. A equipe é comandada pelo professor José Roberto Pellini, do Departamento de Antropologia e Arqueologia (DAA), que pertence à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG.  

O projeto antropológico busca entender a relação das populações modernas com as tumbas. Os pesquisadores estudam a Tumba Tebana 123 (TT-123), que pertenceu ao escriba Amenenhet. Ele  trabalhava para um faraó, chamado Tutmosis III, da 18ª dinastia, do Novo Império, em torno de 1.200 a 1.300 anos antes de Cristo. Amenenhet era responsável pelos celeiros reais e pela distribuição de pães, uma espécie de moeda de pagamento no Egito antigo.

Descobertas

Durante as escavações, foi descoberto um poço, denominado shaft, que representa um buraco escavado no piso da tumba. Os pesquisadores ainda descobriram, na parede, uma passagem para uma sala.

“Encontramos uma terceira câmara, ainda não temos a certeza se é a câmara funerária do Amenenhet. Encontramos 14 múmias e muitos objetos. Ter achado esse poço dentro da Sala das Estátuas foi uma novidade em si, porque ele nunca havia sido documentado, é um poço inédito, ninguém podia imaginar que encontraríamos esse poço dentro da câmara, mas ainda falta bastante para escavar. Ele já está com três metros de profundidade, com duas salas, uma delas conseguimos terminar de escavar e uma bem grande, de 2 x 2 [metros],  é o que vamos fazer o ano que vem, junto com um terceiro shaft que teremos que escavar dentro da tumba, ainda na Sala das Estátuas”, explica Pellini.

Também foram encontrados diversos blocos decorados, alguns pertencentes à TT-123 e alguns de outras tumbas da Necrópole. “Um dos objetivos é entender também porque blocos de outras tumbas estão misturados. Tem figurinhas, que são chamadas de ushabts, que representavam os trabalhadores, ou seja, quando o morto vai para o outro plano, ele tem os trabalhadores para arar a terra, para fazer as atividades administrativas”, relata o professor.

Como o material coletado não pode deixar a tumba, durante a missão, todos os dias, as peças encontradas eram retiradas, estudadas, catalogadas e, ao final do dia, devolvidas. “Quando terminar o projeto, a escavação, a conservação e a restauração da tumba, esses materiais devem migrar para o Museu do Cairo ou para um grande magazine, com um grande escritório onde fica a reserva técnica de todos os objetos da Necrópole Tebana”, revela o pesquisador. Ele recela que está em articulação para, futuramente, tentarem fazer uma exposição desses objetos na UFMG. Também está em negociação para ser feita uma exposição de imagens desse material na Universidade.

Mais um ponto interessante relatado pelo coordenador do Bape foi a descoberta de outro tipo de piso na tumba, associado à ocupação moderna, além de um contato intenso com as famílias que foram removidas da Necrópole nos anos 2000. “Conseguimos fazer um levantamento das plantas de algumas casas, esse foi um dos pontos altos deste ano, é um dos objetivos do projeto e a gente conseguiu trabalhar em três casas de famílias qrnawis, que eram casas-tumbas”, acrescenta.

Quanto às múmias encontradas, elas estão em análise por uma antropóloga forense e uma estudante da área. “Já começamos este ano a estudar os corpos e, ano que vem, vamos continuar estendendo essa parte da pesquisa, dentro da antropologia biológica, que é um dos braços também do projeto. Então, ano que vem, teremos toda uma equipe que vai cuidar exatamente desse material”, conclui Pellini.

Equipe do Bape

Atualmente, o projeto é formado por pesquisadores da UFMG, da Universidade Nacional de Córdoba (UNC), sediada na Argentina, e integrantes do Ministério de Antiguidades do Egito, por meio do Centro de Documentação.

A equipe é composta pelo coordenador geral, José Roberto Pellini (DAA/UFMG); vice-coordenadora do projeto, Bernarda Marconetto (UNC); Ivana Wolf (UNC), antropóloga forense responsável pela parte de bioantropologia; Rogério do Pateo (DAA/UFMG), antropólogo que coordena os discursos imagéticos e alternativos; Mariana Petri Cabral (DAA/UFMG), arqueóloga convidada e que desenvolve pesquisas; Luiz Antonio Cruz Souza (Belas Artes/UFMG), coordenador de conservação; Yacy-Ara Froner (Belas Artes/UFMG), atua na restauração e conservação; Caroline Murta Lemos, coordenadora de arqueologia; Marco Gastaldi (UNC), arqueólogo que desenvolve análise estratigráfica mural; Alain Viot, geólogo; Lorrana Duari, discente do DAA/UFMG; Camilla Murta Ribeiro, discente da Universidade Federal de Pelotas; Hisham Elethy, coordenador da parte egípcia do Centro de Documentação -  Ministério de Antiguidades e Sameh Zaki, egiptólogo, também do Centro de Documentação.

Lorrana Duari, aluna do quinto período do Departamento de Antropologia - habilitação em arqueologia, desenvolve seu trabalho de conclusão de curso no Egito, sob a orientação do professor José Pellini. “Estar em um projeto dessa magnitude é muito importante para a minha formação, porque é o que eu quero seguir profissionalmente. Além de contribuir para o meu currículo, fazer o mestrado e o doutorado também nessa área, é um aprendizado incrível que eu vou seguir e que eu adquiri”, comenta.

A estudante Camila Murta, da Universidade de Pelotas, faz estágio em antropologia biológica. “Está sendo muito importante para mim, principalmente para eu ter uma experiência nessa área. Participar de um projeto desses tem sido muito bom para acrescentar na minha experiência e, principalmente, por estar com esses profissionais da área”.

Marco Gastaldi é professor da Universidade de Córdoba e investigador do Instituto de Antropologia, ele estuda a história das paredes da tumba, principalmente para narrar as ações que deram forma aos muros durante o período faraônico, as técnicas utilizadas, as figuras, o modo de pintar, os pigmentos e a história posterior. “Essas tumbas também foram habitadas por outras populações que agregaram ações, significados aos muros, grafites, se as modificavam. Estamos tentando recuperar todas essas histórias e, na escavação, encontramos indícios de ações nos pisos da tumba”, conta o arqueólogo.

A professora do Programa de Antropologia da UFMG Mariana Petri Cabral dividiu com Marco Gastaldi a direção da escavação. “Uma das coisas marcantes de participar desse projeto no Egito é pensar que esses sítios arqueológicos, que são do período faraônico, são sítios que têm sido visitados e, com isso, sofrem uma série de intervenções desde a antiguidade. Quando escavamos um sítio desse, não estamos escavando apenas materiais faraônicos, mas sim materiais de diversas pessoas e populações distintas que circularam no local. Temos nas paredes alguns grafites, alguns deles ainda do período faraônico, depois grafites coptas, de europeus que visitaram essa região e isso é algo bastante impactante. Faz pensar a própria história da arqueologia”, destaca.

Mariana Petri Cabral ainda salienta que trata-se de um local que tem cerca de 300 anos de pesquisa arqueológica, que propõe inúmeras reflexões. “Permite-nos entender também outras realidades e pensar o impacto do que é a importância do patrimônio arqueológico no Egito, como isso tem sido historicamente explorado como um local de turismo, mas o impacto disso também sobre as populações locais, como elas estão envolvidas ou não, como se relacionam com esse patrimônio ou não. Certamente, são lições que levam a pensar o que é a nossa prática de pesquisa no Brasil também, o que é patrimônio arqueológico, o que atrai pessoas, instituições, governos e o que afasta interesses”, acrescenta.

Rogério do Pateo, que é subcoordenador do Núcleo de Antropologia Visual da Fafich, desenvolve a parte de produção de imagens no projeto. “Meu papel tem um lado que é fazer toda a parte documental do trabalho, das peças, uma parte mais técnica ligada à fotografia e, por outro lado, a produção de um discurso etnográfico visual sobre o trabalho dos arqueólogos do Egito, mas também tentando construir uma narrativa específica que conecte o mundo faraônico a partir de como ele se expressa na tumba do Amenenhet, que tem uma série de cenas na vida cotidiana, enfim, uma série de elementos ligados à vida daquela época com o Egito contemporâneo”.

Além do trabalho técnico, a tentativa é produzir essa narrativa etnográfica visual em diálogo com outras linguagens além da escrita, da antropologia e arqueologia. “Queremos criar uma narrativa nossa, de brasileiros no Egito, observando continuidades, rupturas, transformações de elementos da vida egípcia tanto no passado quanto no presente. É um processo interessante e desafiador, são conexões nem sempre óbvias, feitas por pessoas que não são nativas”, enfatiza o antropólogo.

Bernarda Marconetto, também investigadora do Instituto de Antropologia e professora da Universidade de Córdoba, destaca a importância dessa parceria, por meio da proposta particular do Bape. Segundo ela, trata-se de um rico laboratório antropológico e arqueológico em que podem ser explorados distintos vínculos desse reconhecido patrimônio da humanidade, essa lógica do patrimônio globalizado, que permite estudar as comunidades locais, camponesas, qrnawis, os turistas, populações que convergem nesse mesmo espaço, se relacionando de modo muito diferente, para entender a dinâmica dessa relação. A pesquisadora também enfatiza a relevância desse trabalho para a antropologia sul-americana, como Argentina e Brasil, que têm interesses em comum nesse debate.

Como tudo começou

O professor José Roberto Pellini já trabalhava há um bom tempo no Egito, em uma missão estrangeira. Até então, não havia ocorrido uma missão brasileira. Em 2015, o governo egípcio convidou o professor Pellini e o arqueólogo Julian Alejo Sanchez para desenvolverem um projeto brasileiro. Assim, criaram o Bape. O governo em Luxor ofereceu uma série de monumentos, de tumbas e opções para desenvolverem a pesquisa.

“Escolhemos a TT-123, porque ela atendia a todos os nossos requisitos científicos, era uma tumba inédita, que nunca tinha sido trabalhada, nunca tinha sido escavada e publicada, também mostrava um potencial imagético muito importante, com cenas ricamente detalhadas, com relevo detalhado maravilhoso e mostrava, também, grande potencial arqueológico”, conta Pellini.

A primeira etapa do projeto foi realizada em 2016. Em 2017, quando José Roberto Pellini transferiu-se para a UFMG, recebeu o apoio da Reitoria e do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Fafich. Ainda em 2017, a Universidade Nacional de Córdoba uniu-se ao projeto. O projeto deu sequência nas fases de campo em 2018, 2019 e 2020.

Próximas etapas

Segundo José Pellini, para as escavações, ainda serão necessários mais três ou quatro anos. Depois terá início o processo de conservação e restauração da tumba, sob a responsabilidade de profissionais da Escola de Belas Artes da UFMG. Para terminar o projeto, estima-se um prazo de 10 anos. A próxima etapa de campo deve ser realizada de 10 de fevereiro ao final de março de 2021, conforme acordado com o governo egípcio e com os parceiros.  

Outras informações estão na página do Bape no Facebook e no Instagram.

Veja fotos da missão no link: shorturl.at/stvJT

Assessoria de Imprensa UFMG

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG