Pesquisas da UFMG encontram falhas na qualidade sanitária dos alimentos e na assistência nutricional a idosos em instituições de acolhimento

Os idosos não estão sendo bem tratados nas instituições de acolhimento em Belo Horizonte – ao menos, no que se refere à gestão de alimentos e de nutrição. Duas pesquisas recém-defendidas na pós-graduação em Ciência de Alimentos, da Faculdade de Farmácia, mostram falhas em todas as etapas e aspectos que envolvem a preparação e a administração de refeições aos usuários da rede, formada por instituições privadas e filantrópicas.

“Não há profissionalismo. As instituições herdam a infraestrutura e os hábitos domésticos, agem como na cozinha de casa”, afirma a engenheira de alimentos Alice Rossi Barbosa, que avaliou as condições higiênico-sanitárias das chamadas unidades de alimentação e nutrição de 33 instituições de longa permanência para idosos na capital.

Alice começou a perceber o que a esperava na trajetória da pesquisa quando não encontrou endereços e CNPJ de diversas casas de idosos registradas pela Prefeitura. E algumas instituições procuradas por ela se recusaram a abrir suas instalações e procedimentos para o estudo. “Não existe o entendimento de que uma pesquisa acadêmica pode contribuir para a melhoria das práticas”, diz Alice, que passou um dia em cada uma das casas para acompanhar o trabalho relativo à alimentação dos moradores, sobretudo na hora do almoço.

Sem adaptações

Com base em critérios estabelecidos pela legislação que rege a qualidade higiênico-sanitária em serviços de alimentação no Brasil, a pesquisadora constatou que apenas uma das instituições visitadas por ela cumpre de maneira aceitável os requisitos operacionais que interferem de forma mais significativa na segurança dos alimentos. As outras têm situação precária ou inaceitável. Por exemplo, só as instituições de grande porte, que abrigam 50 idosos ou mais, contam com nutricionista contratado para acompanhar produção e transporte dos alimentos, além da preparação e práticas dos manipuladores, entre outros aspectos.

“As cozinhas não são adaptadas para práticas seguras: em geral há poucas bancadas para manipulação, não há coifas para reduzir a temperatura ambiente, nem telas nas janelas e portas para evitar o acesso de insetos, ratos e baratas”, revela a pesquisadora. A ausência de procedimentos de higienização e de produtos básicos, como álcool apropriado, sabão e toalhas de papel em banheiros e áreas de manipulação, também refletem, segundo Alice, falta de acompanhamento profissional.

Em outras etapas do processo, Alice Rossi encontrou carne sem indicação de validade e em temperatura inadequada. “Muitas vezes, os proprietários ou gerentes fazem as compras e deixam os alimentos por horas a fio dentro do carro. É importante que procedimentos, horários, temperaturas sejam registradas”, diz a pesquisadora, ressalvando que também constatou atitudes adequadas na maioria das casas, como a manipulação por poucas pessoas na hora de servir as refeições. Como muitos idosos têm hábitos higiênicos impróprios, é mesmo recomendável que eles não tenham contato com a comida que será servida a todos.

De acordo com a pesquisadora, os lares para idosos têm sistema de gerenciamento peculiar, que deve ser regulado considerando-se essa peculiaridade. “Eles servem muitas refeições em tempo curto, com organização diferente de outros estabelecimentos, e esse aspecto não pode ser ignorado, porque aumenta os riscos à população mais suscetível a doenças transmitidas por alimentos”, diz Alice Rossi, acrescentando que as instituições de natureza filantrópica apresentaram resultados melhores que as privadas, porque os convênios implicam maior frequência do poder público.

Desnutrição e dependência

A pesquisa da nutricionista Isabella Ribeiro de Souza, por sua vez, teve foco na assistência alimentar e no estado nutricional dos idosos institucionalizados. Os resultados mostram que 49,5% deles são desnutridos e 50% sofrem com perda de massa muscular. A avaliação da capacidade funcional apontou para a inadequação em 73,3% dos idosos, sendo que a maioria deles (60,4%) apresentou algum grau de dependência para atividades cotidianas.

Os dados de consumo alimentar demonstraram consumo proteico e calórico inadequado em 88,3% e 55% respectivamente. As vitaminas D e B6, cálcio, magnésio e zinco estavam inadequados para mais de 80,0% dos idosos, enquanto a ingestão de fibras, potássio e folato foi inadequada para todos os idosos avaliados, indicando a baixa ingestão de alimentos como frutas, verduras e oleaginosas.

Isabella acompanhou, por três dias, a rotina de quatro instituições da capital, escolhidas aleatoriamente. O estudo incluiu a análise da situação de 111 pessoas, a maioria mulheres. “Em nenhuma dessas casas há um nutricionista responsável, ainda que a lei preveja assistência nutricional nessas instituições. Esse é um fator de risco, visto que os idosos são vulneráveis quanto à hábitos alimentares e, quase sempre, necessitam de modificações dietéticas para o atendimento de suas necessidades nutricionais”.

Frituras e monotonia

O estudo constatou a prevalência de refeições ricas em frituras, alimentos industrializados, preparações monótonas e repetitivas. “Além disso, o tratamento não é individualizado, ou seja, as refeições não são servidas de acordo com o estado nutricional e as necessidades de cada pessoa”, afirma a pesquisadora. A falta de padronização das dietas para atender os idosos diabéticos e aqueles que deviam ter alguma alimentação especial foi também observada em todas as instituições avaliadas. Os testes de aceitabilidade apontaram para a baixa qualidade das refeições servidas e a necessidade de modificações nos cardápios e nas preparações.

A pesquisadora constatou também que as doações recebidas nestas instituições eram inadequadas, sendo compostas por muitos alimentos processados e industrializados, indicando a necessidade de ações de educação nutricional para conscientizar a população sobre quais alimentos devem ser doados para as instituições.

“Se levarmos em consideração que a população envelhece rapidamente e que essas instituições são cada vez mais necessárias, os resultados da pesquisa reforçam que devem ser adotadas políticas públicas que levem à melhoria da assistência nutricional aos idosos. E a presença do nutricionista é essencial para adaptar e individualizar os cuidados, melhorando a qualidade de vida do idoso institucionalizado”, enfatiza Isabella Ribeiro.

Dissertação: Avaliação da qualidade sanitária de alimentos em instituições de longa permanência para idosos no município de Belo Horizonte
Autora: Alice Rossi Barbosa

Dissertação: Diagnóstico de assistência alimentar e do estado nutricional de idosos em instituições de longa permanência de Belo Horizonte
Autora: Isabella Ribeiro de Souza

Orientadora: Maria Isabel Toulson Davisson Correia - Programa de Pós-graduação em Ciência de Alimentos

Itamar Rigueira Jr. - Boletim 2017

Fonte

Assessoria de Imprensa da UFMG

Serviço