Primeiro caso de reinfecção de covid-19 com mutação E484K no mundo, identificado em parceria da UFMG, exige atenção nacional

Artigo alerta quanto a perigos das reinfecções para as políticas públicas de saúde; variante viral pode aumentar transmissibilidade viral

O primeiro caso no mundo de reinfecção por covid através de mutação originária da África do Sul, observado no final de 2020 em paciente brasileira, foi confirmado em análise feita por pesquisadores da UFMG, Instituto D´Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). De relevância imediata, a descoberta pode ter grandes implicações para as políticas públicas de saúde, estratégias de vigilância e imunização, como alertam os autores do artigo Genomic evidence of a SARS-CoV-2 reinfection case with E484K spike mutation in Brazil, publicado no dia 6 de janeiro de 2021 em versão preprint. O material aguarda revisão por pares na revista científica The Lancet Infectious Diseases.

No dia 12 de janeiro, um dos responsáveis pela pesquisa, Renato Santana, do Laboratório de Biologia Integrativa da UFMG, acompanhou uma reunião com a Organização Mundial da Saúde (OMS) na qual pesquisadores de todo o mundo abordaram a importância das variantes virais. “O Brasil teve, inclusive, uma posição de destaque nessa conversa, por ser um dos únicos países que tem identificado algumas variantes. Além de termos identificado também essas mutações virais que estão sendo observadas internacionalmente, como a da Inglaterra, N501Y, e essa da África do Sul, a E484K”, afirma o professor e virologista do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG.

O estudo desenvolvido por Santana e seus colegas acompanhou o caso clínico de uma paciente 45 anos, moradora de Salvador, sem comorbidades, que se destacou como o primeiro caso de reinfecção por SARS-CoV-2 no Estado da Bahia. Diagnosticada com covid-19 em 20 de maio, a baiana voltou a ter a doença registrada em 26 de outubro, dessa vez com sintomas um pouco mais severos. Ambos os diagnósticos foram confirmados por testes do tipo RT-PCR. Quatro semanas após o segundo episódio, a paciente passou também por um teste de IgG com confirmação de anticorpos. 

Através da análise genômica das cepas do primeiro e segundo episódios de infecção a partir do isolamento dos vírus em laboratório, os pesquisadores puderam comparar os dados entre si e associados com outras sequências de vírus isolados no Brasil e no mundo. Estas análises permitiram concluir que a paciente apresentou, em um intervalo de 147 dias, dois episódios de covid-19, cada um provocado por vírus de linhagens diferentes. Além disso, a análise da segunda amostra confirmou a presença da cepa E484K.

Perigos da E484K

A mutação descrita foi identificada na África do Sul em outubro, e, no mesmo mês, também começou a circular no Brasil, com registro inicial no Rio de Janeiro e mais recentemente em casos de Manaus. Mas o caso baiano foi o primeiro, em todo o mundo, no qual ela foi associada a uma reinfecção por SARS-CoV-2. E essa variante, especificamente, representa uma preocupação no meio médico. A E484K faz parte de um grupo de variantes associadas ao aumento da transmissibilidade do vírus.

“Essa mutação acontece em uma proteína de superfície do vírus, o que chamamos de spike. Ela se dá exatamente no sítio de interação com o receptor ACE2 nas células. Então o vírus usa esse receptor para entrar nas células”, detalha Renato Santana. “E essa variante especificamente amplia a ligação do vírus na superfície da célula, o que aumenta a transmissão, ou seja, a quantidade de partículas virais que conseguem entrar dentro da célula. Em consequência disso ocorre uma expansão da carga viral e da transmissão”.

Segundo o professor, um estudo funcional demonstra que a E484K abole a atividade de um anticorpo neutralizante (Bamlanivimab), usado no tratamento de pacientes graves com covid-19. “Com essa mutação, o anticorpo neutralizante não consegue se ligar. Assim, mesmo que os pacientes tomem esse remédio, o efeito combativo não será muito grande”.

Atenção à reinfecção

O virologista da UFMG explica que uma reinfecção ocorre quando a resposta imunológica montada após o primeiro caso não foi o suficiente e duradoura para proteger o indivíduo durante a segunda exposição ao vírus. E o estudo deste processo, do tempo de duração da resposta imunológica em uma infecção natural com o vírus, é essencial para a compreensão dos riscos de contágio e para avaliar a durabilidade das vacinas.

“Muitas pessoas acham que após terem covid estão com ‘carteira assinada’ e não terão mais. Isso não é real. Principalmente quando o vírus circula mais. Quanto mais ele circula na população, mais ele replica. Quanto mais replica, maior a chance de aparecerem mutações. Quanto mais mutações, mais diferentes estes vírus ficam, aumentando a possibilidade dos casos de reinfecção. Por isso ainda é importante manter o isolamento social”, salienta Renato Santana.

Mesmo considerando um cenário pós-vacina, a correta identificação das possibilidades de reinfecção ainda preocupa. “As vacinas vão ser extremamente importantes para imunizar as pessoas, mas a gente não sabe por quanto tempo teoricamente elas vão gerar uma resposta imunológica efetiva contra a infecção viral. Na maioria das infecções naturais os anticorpos têm durado uma média de quatro a cinco meses. Este nosso trabalho com a reinfecção está demonstrando isso também”.

Segundo o professor, ainda não há uma resposta definitiva sobre o modo como a mutação pode afetar a vacina. Alguns pesquisadores seguem em busca desta questão neste momento com análises dos pacientes vacinados. Para isso, estão coletando o soro desses indivíduos e verificando se ele consegue neutralizar os vírus mutantes. A resposta deve vir em breve, nos próximos meses.

Além do trabalho com o IDOR e a Fiocruz, o pesquisador está envolvido com diversas análises focadas nos processos de reinfecção por variantes no Brasil, assim como Marta Giovanetti, professora colaboradora do ICB e pesquisadora do Laboratório de Genética Celular e Molecular da UFMG, que também assina o artigo em preprint.

Santana e Renan Pedra de Souza, docente do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do ICB, estão sequenciando neste momento amostras de covid-19 de Manaus – Estado que teve a maior soroprevalência de covid no mundo, com quase 76% da população testando positivo –, nas quais também foi identificada a mutação E484K. Na próxima semana o grupo fará uma rodada de sequenciamento em parceria com o Laboratório Hermes Pardini, focando em amostras de Minas Gerais e outros estados brasileiros na tentativa de descobrir quando estes variantes virais foram introduzido no Brasil, além de identificar em quais estados estão circulando.

Com Assessoria de Comunicação do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG