Rompimento de barragem: tese da UFMG mostra que discurso técnico se tornou instrumento de controle dos atingidos

Laudos, relatórios, pareceres e o próprio discurso dirigido aos atingidos nos rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho são caracterizados por carregar em si as pressões e coerções do capital financeiro e dos monopólios internacionais. Segundo tese defendida na Universidade de Alicante, na Espanha, em regime de cotutela com a Faculdade de Educação da UFMG, em vez de esclarecer ações e providências, eles acabam funcionando como “instrumentos de manipulação e controle por parte dos agentes responsáveis pelas partes envolvidas”.

A pesquisa identificou nos documentos e registros expressões do semicolonialismo, que caracteriza a relação das frentes de poder mundial com os aspectos sociais, políticos e econômicos dos países da América Latina. “A atividade científica que permeia esse conflito está fortemente marcada pelas determinações econômicas da mineração, também característica da própria economia brasileira, tão dependente da produção de commodities e, que, por sua própria natureza, é uma típica atividade semicolonial”, afirma o autor da pesquisa, Marcos Moraes Calazans.

O pesquisador e professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Ouro Preto analisou durante mais de um ano relatórios, laudos técnicos e pareceres elaborados tanto pelas empresas Samarco, Vale e BHP quanto por órgãos públicos e diversas instituições, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e o Ministério Público. 

Calazans ainda acompanhou reuniões com os atingidos e liderou um projeto de extensão, no município de Barra Longa, onde colheu depoimentos e opiniões da população sobre o que entendia sobre o processo de mineração e o discurso científico apresentado pelas empresas.

“Percebi que as práticas e o discurso científico utilizados pelas mineradoras passaram a ser instrumento para controlar as opiniões e estabelecer parâmetros de maneira que os atingidos não conseguiam entender e, muitas vezes, impor seus interesses no processo de reparação dos danos. A cientificidade do conflito foi usada como instrumento de manipulação e dominação, caracterizando-se como ciência semicolonial”, acrescenta.

Base conceitual
O pesquisador destaca quatro aspectos que caracterizam o semicolonialismo nesse conflito: o primeiro é o marco conceitual se configura pela série de conceitos introduzidos no Brasil, anteriormente ao rompimento da barragem, por meio de projetos financiados pelo Banco Mundial e por agências estrangeiras de capital financeiro. “Tratam-se de ideias como governança, resiliência, mediação de conflitos e desenvolvimento sustentável que, após o rompimento, foram fundamentais para estruturar certa concepção e a própria atividade científica do conflito”.

O segundo é a epistemologia sistêmica semicolonial, expressa na concepção e na metodologia do Pensamento Sistêmico e Planejamento de Cenários, incorporado pela Samarco, que apresenta dentre outras coisas, uma ideia de complexidade das causas para o rompimento da barragem, impossibilitando a determinação de uma causa precisa. “As empresas usaram esse discurso para se desresponsabilizar pelo rompimento”, afirma Calazans.

Outro ponto é a estrutura orgânica, ou estrutura de governança, centralizada na Fundação Renova, que integra órgãos governamentais e de meio ambiente, por meio do Comitê Interfederativo (CIF), para reparação dos danos causados pelo rompimento de Fundão. O professor também cita a destituição, em 2016, de um grupo de promotores do Ministério Público de Minas Gerais que havia ajuizado ação civil pública exigindo a retirada da lama de rejeito de Fundão no perímetro de Mariana. 

O quarto aspecto, chamado por Calazans de cientificidade do crime, está relacionado às causas do rompimento da barragem de Fundão. Com base na análise de diferentes laudos e relatórios técnicos ele concluiu que a causa principal e determinante do rompimento foi a velocidade de alteamento da barragem. 

“A literatura científica sobre segurança de barragens, bastante conhecida pela Samarco e suas acionistas, recomenda um alteamento anual desse tipo de barragem entre 4,6 e 9,1 metros. No entanto, essa premissa foi sistematicamente violada pelas empresas, que chegaram a elevar a barragem em 20 metros, apenas em 2011, e em 14,6 metros, 2014”, afirma o pesquisador.

Tese: Ciência semicolonial: uma análise da cientificidade do conflito gerado pelo crime semicolonial da Samarco/Vale/BHP
Autor: Marcos Moraes Calazans
Defesa: fevereiro de 2019
Orientadores: Antônio Julio de Menezes Neto (UFMG) e José Antônio Segrelles Serrano (Universidade de Alicante)

Assessoria de Imprensa UFMG com informações de Teresa Sanches

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG

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