Tese da área de Estudos de Lazer da UFMG traz à tona as contradições presentes na rotina de músicos que se apresentam em espaços urbanos

Muitos dos músicos que se apresentam nas ruas de cidades turísticas são seduzidos pelo marketing cultural encampado pelos governos locais. Posteriormente, esses indivíduos são transformados, inclusive, em atores da propaganda institucional e passam a figurar como elementos estéticos glamourizados. O contrassenso emerge à medida que o estado abandona os artistas à própria sorte, inviabiliza a seguridade social e as relações formais de trabalho que garantiriam seu bem-estar. Esse é um dos aspectos abordados pela pesquisadora Denise Falcão, autora da tese Músicos de rua: luzes e sombras sobre uma prática social contemporânea no Rio de Janeiro e em Barcelona, defendida em julho deste ano na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. A pesquisa etnográfica foi desenvolvida de 2014 a 2016, e Denise passou 12 meses em cada uma das cidades.

“Existe um abismo entre a imagem das cidades que se divulga para o turista e a realidade dos habitantes, principalmente no caso daqueles que se apropriam do espaço público, como os músicos de rua. Mas eles só entendem isso quando passam a viver nas cidades escolhidas”, observa Denise, ressaltando que as políticas públicas de localidades com esse perfil representam, na prática, mais um plano de marketing, imobiliário e turístico do que benefícios para a população.

Cidade para quem?

A pesquisadora considera que os tecidos sociais estão em processo de abandono, de modo que seus habitantes não vivem como sujeitos de direitos, mas como meros postulantes a um lugar no espaço social. “As cidades revitalizadas e estetizadas para consumo provocaram a privatização dos espaços públicos e o aumento do valor do solo”, critica. Segundo ela, predomina, nos locais investigados, uma tentativa de esconder as chagas sociais decorrentes da própria economia capitalista. “Essas mazelas são empurradas para as margens das zonas remodeladas”, analisa.

Quase todos os músicos que participaram da pesquisa são migrantes, como apurou Denise Falcão ao longo de sua imersão. “Eles peregrinaram na busca por um lugar onde fosse possível viver com qualidade e se realizarem fazendo aquilo de que gostam”, relata.

Sobre os entrevistados na Catalunha, apenas um deles mora no perímetro de Barcelona, enquanto os demais vivem em vilarejos e cidades próximas. Na “cidade maravilhosa”, por sua vez, quase todos compartilham casas em comunidades ou favelas. “Os músicos não conseguem ganhar o suficiente para viver com conforto, já que a contrapartida pelas apresentações musicais são contribuições financeiras espontâneas, sem garantia”, resume a pesquisadora. No caso de Barcelona, os músicos itinerantes precisam lidar também com as políticas migratórias restritivas e a regulamentação dos espaços públicos.

Apesar de todos os percalços, o sentimento dominante entre os artistas é o de que a rotina errante, no fim das contas, vale a pena, apesar do suado ganho financeiro e de certa discriminação da sociedade, que ora os enxerga como improdutivos economicamente, ora os eleva a expertos. “Mas a escolha de desenvolver suas artes nas ruas propicia uma vida conectada com a liberdade, seja por causa da imprevisibilidade que proporciona vivências lúdicas, encontros e choques, seja pela possibilidade de expressar sua subjetividade”, afirma a autora. As ruas como palco, conforme também relataram os entrevistados, são vantajosas em comparação com os bares, onde é comum a exploração dos músicos em relação a cachê e jornada de trabalho.

Para a pesquisadora, ainda que os artistas sejam pressionados por fatores como o viés higienista dos espaços públicos e por projetos privativos de ocupação, sua prática social deverá resistir como expressão artística marginal. “Ao escorregarem pelas brechas do sistema homogeneizador, os músicos de rua mantêm viva uma prática social que, certamente, sensibiliza a dureza urbana”, conclui Denise Falcão.

Tese: Músicos de rua: luzes e sombras sobre uma prática social contemporânea no Rio de Janeiro e em Barcelona
Autora: Denise Falcão
Orientadora: Christianne Luce Gomes
Programa: Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional
Data da defesa: 19 de julho de 2017

Matheus Espíndola – Boletim UFMG 2001

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