UFMG apresenta cimento nanoestruturado

Adição de fração de nanotubos de carbono no cimento aumenta resistência ambiental do concreto

A recente concessão de patente nacional para a tecnologia que incorpora nanotubos de carbono ao cimento coroa uma década de pesquisas que mudaram, pela primeira vez, a estrutura de um material usado desde o Império Romano. Adicionada molecularmente na matriz cimentícia, a nanofibra de carbono modifica suas propriedades mecânicas após a hidratação, melhorando a resistência à compressão e à tração.

“Hoje sabemos que a adição de 0,3% de nanotubos em compósitos cimentícios aumenta seu modo de tração em 60%. Ou seja, uma pitadinha muda essa propriedade”, resume o professor Luiz Orlando Ladeira, que deu início às investigações nessa rota, diferente de caminhos trilhados anteriormente por pesquisadores de todo o mundo, que tentavam adicionar o componente por meio de mistura física.

Segundo ele, a fibra, em escala nanoscópica, tem ligações carbono-carbono entre seus átomos, a mais forte existente na natureza. “O concreto, feito com cimento, não tem essa propriedade, por isso se usa o aço”, comenta o pesquisador. O concreto produzido com cimento nanoestruturado não dispensa o uso do aço, mas diminui o seu consumo. Contudo, o ganho mais significativo é a resistência ao estresse térmico, em que processos de aumento e diminuição de temperatura geram fadiga mecânica, levando a fissurações. “Com esse material, a resistência ambiental aumenta demais. Problemas que ocorreriam em dez anos vão ocorrer em 50. Esse cimento será o futuro da construção civil”, prevê.

Revolução
O cimento nanoestruturado teve patente depositada no Brasil em 2008 e, sete anos depois, recebeu o registro internacional, que assegura mercados estratégicos como Estados Unidos e China. Outros estudos, derivados da ideia inicial, já geraram uma dezena de teses, além de artigos e depósitos de patentes, a exemplo de um reator, ou planta-piloto, que simula o processo industrial.

A patente diz respeito ao modo como os nanotubos são adicionados – a tecnologia adotada evita que as nanofibras aglomerem, possibilitando que se dispersem por todo o cimento. “Quando sintetizados na fase ativa do cimento, eles já nascem dispersos, processo que pode ser feito em escala industrial”, explica Luiz Orlando Ladeira.

Embora o uso de concreto tenha sido revolucionado há mais de um século, com o uso de barras de aço capazes de suportar cargas elevadas e melhorar seu comportamento frente à tração, esta é a primeira vez que ocorre uma mudança na própria estrutura do cimento, afirma o engenheiro civil Tarcizo Cruz, pesquisador que integra a equipe do Centro de Tecnologia em Nanomateriais e Grafeno (CTNano) da UFMG.

“O concreto armado, isto é, com acréscimo do aço, representou uma quebra de paradigma. Mas enquanto a adição de fibras levou a evoluções no concreto, essa nova tecnologia pode ser considerada uma revolução na estrutura íntima do cimento”, enfatiza. Doutorando em Engenharia Química, com área de pesquisa relacionada à síntese de nanotubos de carbono, Tarcizo Cruz lembra que, atualmente, já é possível imprimir casas. “Se esse é o futuro, será com esse tipo de cimento”, acredita.

Processo piloto
Na estrutura do CTNano, a equipe de pesquisadores de diversas áreas do conhecimento tem desenvolvido processo piloto, de forma a criar conceitos preliminares para que a indústria possa trabalhar em uma escala maior. O intuito é transferir a tecnologia para a empresa InterCement, parceira do projeto que deu origem ao Centro, junto com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Petrobras.

No reator, a matéria-prima (clínquer) recebe um gás hidrocarboneto, cujas ligações entre carbono e hidrogênio são quebradas, e o carbono é depositado sobre um catalisador. Esse processo ocorre continuamente, e o material é coletado em um silo de armazenamento. “Já dominamos a complexidade desse processo, a ponto de torná-lo viável para larga escala”, afirma Tarcizo Cruz.

O cimento nanoestruturado obtido ao final do processo contém de 10 a 25% de nanotubos de carbono. “Fazemos a diluição desse material no cimento comum, de modo que não é necessário passar todo o cimento pelo processo. Um quilograma desse material pode ser diluído em 90 a 100 de cimento que conservam todas as propriedades”, explica o professor Ladeira.

Equipe responsável pela patente
Luiz Orlando Ladeira, Rodrigo Gribel Lacerda e Andre Santarosa Ferlauto, todos professores do Instituto de Ciências Exatas (ICEx), Edelma Eleto Silva e Eudes Lorenço, alunos de doutorado à época do depósito, em 2008, e Erick Souza Avila e Sergio Oliveira, servidores.

Pesquisadores da UFMG patenteiam cimento nanoestruturado e nanoantena
“É possível realizar no Brasil avanços em nanotecnologia, seja pelo desenho de um equipamento complexo, seja com a agregação de valor a uma commodity”, afirma o professor Gilberto Medeiros, diretor da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT).

Essas são perspectivas abertas por duas inovações da UFMG no campo da nanotecnologia: o cimento nanoestruturado, patenteado nos Estados Unidos em 2015, e na China, em 2016, que em janeiro recebeu a carta-patente no Brasil, e uma nanoantena que mistura técnicas de espectroscopia óptica com as de microscopia por varredura por sonda para visualização e análise de átomos e moléculas, cuja patente foi concedida nos Estados Unidos também em janeiro.

Pesquisador da área de nanoestruturas, Gilberto Medeiros afirma que as duas tecnologias têm como diferenciais uma perspectiva positiva de licenciamento, escalabilidade e alcance de mercado. O professor do Departamento de Ciência da Computação também destaca que as duas pesquisas são fruto de trabalhos que se iniciaram há pelo menos uma década, em equipes multidisciplinares, que abordam temas transdisciplinares.

(Texto de Ana Rita Araújo - Boletim UFMG 2.050)

Boletim UFMG 2.050