Um ano depois, Museu da UFMG planeja exposição e reconstrução de espaço atingido por incêndio

Trabalho de resgate e organização do acervo exigiu grande esforço técnico e institucional

Há um ano, bombeiros e servidores do Museu de História Natural e Jardim Botânico (MHNJB) da UFMG combatiam um incêndio em uma das instalações da instituição. O fogo, identificado por profissionais que trabalhavam naquela manhã no Museu, atingiu a edificação da Reserva Técnica 1, onde ficava acomodada parte do acervo que não estava em exposição. Segundo o laudo pericial, o incêndio foi causado pelo superaquecimento de um ar-condicionado do local. 

Logo após o incidente, foram instituídas duas comissões, formadas por professores e servidores técnico-administrativos em educação da UFMG, para auxiliar no resgate e na preservação dos acervos. A Comissão Emergencial de Resgate ficou responsável por coordenar ações de salvaguarda das coleções e dos objetos afetados pelo incêndio, enquanto a de Gestão de Preservação de Acervos, com perspectiva de atuação em longo prazo, pretendia assessorar a Diretoria do Museu na elaboração de medidas e estratégias de gestão para assegurar a manutenção adequada do acervo, incluindo a adequação das edificações às exigências do Corpo de Bombeiros. 

Paralelamente, foi criado um Comitê de Governança, formado por representantes do Gabinete da Reitora, das pró-reitorias de Administração, Planejamento e Extensão, das diretorias de Cooperação Institucional e de Ação Cultural, da Rede de Museus e Espaços de Ciências e Cultura, do Centro de Comunicação (Cedecom) e da própria diretoria do Museu de História Natural e Jardim Botânico. Esse último grupo foi responsável pela formulação de estratégias de comunicação, captação de recursos e apoio administrativo e logístico para as comissões criadas no MHNJB. 

As duas comissões e o comitê tiveram muito trabalho ao longo do período, com destaque para o resgate e organização do acervo, além do lançamento de campanha que arrecadou fundos para essas atividades. “Estamos expostos ao imponderável. Essa área do Museu onde ocorreu o incêndio era a mais segura do local, com central de alarme, controlador de umidade e de temperatura. O fato de estarmos preparados para agir rapidamente fez toda a diferença”, avalia a diretora do MHNJB, Mariana Lacerda. 

O resgate

A área do Museu atingida pelo incêndio era composta de cinco salas que foram afetadas em graus diferentes. A equipe responsável pela retirada do material da área incendiada encarou o resgate como uma atividade arqueológica, usando técnicas e métodos de pesquisa de campo em arqueologia para mapear os espaços e garantir o registro cuidadoso das condições e localização de cada material coletado. 

O resgate das peças teve início no dia seguinte ao incêndio. Para a retirada do material da área incendiada, foi criada uma série numérica para identificar cada coleta, iniciada com o 01 e alcançando, ao final de três meses de resgate, o número 2398. Esses ‘números de identificação’ serviram para realizar o registro preciso do local onde as coletas foram feitas. Foram numeradas as peças do acervo que mantiveram sua integridade e, nas situações mais graves em que o acervo foi muito impactado, os números foram usados para delimitar as áreas de coleta. 

Cada numeração recebeu anotações precisas de localização da coleta e foi fotografada em diferentes ângulos, gerando mais um registro das condições em que o material foi encontrado. Nas salas onde estavam guardadas as coleções arqueológicas e parte das coleções zoológicas e entomológicas, além das informações de registro na lista de números de identificação, também foram feitas anotações mais detalhadas sobre cada contexto em um caderno de campo. 

Após o registro e retirada de cada coleta, as peças individuais e os conjuntos de materiais foram levados para duas salas não atingidas pelo incêndio. Nesses locais, cada coleta foi fotografada novamente, agora nas condições após a retirada do incêndio e sempre com uma etiqueta com o número de identificação visível. O passo seguinte foi a preparação para o transporte e acondicionamento na Reserva Técnica Emergencial, montada especialmente para receber as coleções incendiadas. 

Todo esse trabalho foi realizado ao longo dos meses de junho, julho, agosto e setembro de 2020. Também foram selecionadas peças específicas do mobiliário para compor o acervo do incêndio, tais como prateleiras, armários e outros itens do espaço construído. Essas peças também receberam números de identificação e foram, com exceção do mobiliário, armazenadas na Reserva Técnica Emergencial. 

Organização do acervo recuperado

Encerrada a etapa de resgate, os trabalhos visaram à organização de dois espaços de Reserva Técnica que receberam as coleções incendiadas, com a atuação da equipe de conservação e do setor de Museologia do Museu. Mesmo com a pandemia de covid-19, a equipe responsável pelos trabalhos continuou atuando na captação de recursos e no preparo de relatórios, além de manter as demais atividades da instituição.  

Foi criado um novo espaço de 215 metros quadrados reservado à guarda das peças resgatadas no incêndio, que foram acondicionadas em 75 estantes, sete armários e 11 gaveteiros. Todo o trabalho de organização foi executado por 20 pessoas, entre técnicos, docentes e alunos da UFMG. 

Campanha Renasce Museu

Para conseguir realizar os trabalhos de organização das peças resgatadas, o Museu lançou, em janeiro deste ano, a campanha de financiamento coletivo Renasce Museu, que arrecadou R$ 410,564 mil entre 1451 benfeitores, superando a meta inicial, que era de R$ 391 mil. Muitos artistas da cena cultural mineira apoiaram a campanha com a gravação de vídeos, que estão disponíveis no canal do Museu no Youtube. A campanha contou com recompensas exclusivas cedidas por artistas contemporâneos e fotógrafos. Ao todo, 29 fotografias e obras visuais foram oferecidas como recompensas aos benfeitores.

A campanha Renasce Museu foi concebida para angariar recursos para a estruturação de plataforma virtual, pública e gratuita, com informações e imagens dos acervos atingidos. O valor arrecadado está sendo usado na contratação e no treinamento de oito estagiários e quatro profissionais das áreas de arqueologia, paleologia, conservação, restauração e fotografia. Também foram adquiridos equipamentos, como scanner e dois computadores com telas de alta resolução, que farão parte do laboratório de documentação com dois sets fotográficos. O programa para documentação e gestão de acervos também está em processo de compra pela equipe do Museu.

Além do valor obtido com o financiamento coletivo, o Museu recebeu outras doações. Por meio da Gabinetona  – experiência parlamentar de mandato coletivo desenvolvida pelo Psol –, a deputada federal Áurea Carolina destinou emenda de R$ 345 mil para reconstrução do espaço. Professores da Escola de Arquitetura estão desenvolvendo o projeto, sob coordenação dos professores Maurício Campomori e Eduardo Mascarenhas. A Sociedade Brasileira de Arqueologia (SBA) contribuiu com R$2.953,10, o Ibermuseus, com 2 mil dólares, e o Sindicato de Professores de Universidades Federais (Apubh) doou R$5 mil. O Museu também recebeu R$134.314,58 de recursos de orçamento direcionados para compras emergenciais da UFMG.

Para prevenir novos incidentes, também já foi contratado um novo projeto de combate a incêndios para todas as edificações do Museu. Segundo Mariana Lacerda, após um ano intenso de trabalhos para cuidar do acervo atingido, é preciso pensar no futuro. “Nosso objetivo agora é implementar o sistema de gestão e informação de acervos e complementar os recursos captados na chamada pública da emenda parlamentar da Gabinetona para a reconstrução do prédio que foi incendiado. Tivemos um desafio muito grande de realizar o resgate emergencial na pandemia, mas a equipe do Museu atuou muito unida. Agora precisamos pensar adiante e aprender a lidar com a memória do incêndio”, conclui. 

A reitora Sandra Regina Goulart Almeida afirma que o trabalho exigiu grande esforço institucional. “Foi doloroso ver um patrimônio cultural da UFMG e de Belo Horizonte em chamas. Mas conseguimos agir rapidamente para recuperar o acervo. Agora, trabalhamos em sua reconstrução por meio de uma plataforma virtual e na elaboração de projeto para a reconstrução do próprio espaço físico que sofreu os danos do incêndio", diz a reitora, que é coordenadora do Grupo de Trabalho instituído no ano passado pela Andifes para propor alternativas para garantir o funcionamento e o financiamento público dos museus universitários. "O museu está vivo, e isso também se deve à mobilização da sociedade, que vem nos ajudando nesse trabalho", conclui Sandra Goulart Almeida.      

O resgate em números

3 meses de trabalho emergencial de resgate

98 pessoas trabalharam para viabilizar o resgate; 26 delas diretamente envolvidas nas ações

2398 números de identificação registrados para peças e áreas de coleta no resgate

802 caixas plásticas foram usadas para armazenar itens do acervo

1840 metros de fitas adesivas foram empregados no acondicionamento das peças resgatadas

110 canetas marcadores permanentes utilizadas nos trabalhos

2800 sacos plásticos usados para guardar peças do acervo

125 litros de álcool 70% usados pela equipe de resgate

5105 máscaras foram usadas pelas pessoas envolvidas

Um vídeo produzido pela TV UFMG aborda pesquisa que analisou o impacto do fogo sobre 180 peças de cerâmica do Vale do Jequitinhonha que estavam guardadas na edificação:

Em outro vídeo, grupo de pesquisadores de diferentes áreas trabalha para reproduzir, computacionalmente, a evolução do incêndio que atingiu uma das salas da Reserva Técnica do Museu:

Texto de Luana Macieira para o Portal UFMG

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG