Luis Alberto Brandão lança 'Canção de amor para João Gilberto Noll'
No livro, professor da Fale depõe, em tom poético, sobre a sua convivência profissional e afetiva com o escritor gaúcho
“Preciso dizer uma coisa, João. Uma espécie de segredo. Algo que está guardado em mim há muitos anos. Como sei o quanto você ama a música, sempre desejei cantar uma canção para você. Assim, de surpresa, na rua, talvez em uma ladeira de Ouro Preto, eu simplesmente pararia a seu lado, no meio de uma conversa que fosse, ou no miolo de uma pausa, e começaria a cantar, olhando para você. Sim, cantar para você. (...) Cheguei a ensaiar sozinho a canção, várias e várias vezes, mas, sempre que a gente se encontrava, o pudor falava mais alto, a coragem não vinha, e eu acabava não cantando. Os anos se passaram, João, e a canção que eu preparei ficou em silêncio. A canção para você ficou guardada dentro de mim.”
O trecho acima é parte do livro Canção de amor para João Gilberto Noll, que o escritor e professor da Faculdade de Letras da UFMG Luis Alberto Brandão lança neste sábado, dia 9, das 11h às 15h, no Jockey Café, na Rua dos Inconfidentes, 871, Savassi, pela Relicário Edições.
Trata-se de um livro que desafia definições. Situando seu discurso na interseção entre a crítica e a prática literária, Luis Alberto Brandão mistura a si mesmo à obra literária e ao autor que tem sob atenção, valendo-se desse recurso para depor, em tom poético, sobre a sua convivência profissional e afetiva com Noll, recentemente falecido. Nesse sentido, a obra configura-se como espécie de “declaração de amor à literatura e à arte, à liberdade de pensamento e de experimentação, ao amor em suas múltiplas formas”, como sustenta o release de divulgação.
Em uma espécie de interlúdio metalinguístico, Luis Alberto Brandão explica a sua empreitada dentro do próprio livro: “A obra de João Gilberto Noll sempre esteve presente em minha vida: vida de leitor, de pesquisador, de amante da literatura. Por uma série de circunstâncias, essa presença – intensa, estimulante – tornou possível, desde 1999, vários encontros com o autor. O presente livro é, em larga medida, um registro desses muitos encontros – ou desse encontro único, singular, e seus diversos desdobramentos”, escreve o autor, que fez uma série de récitas públicas sobre o tema do livro, precedendo sua publicação.
“Não se trata, porém, de um registro meramente factual, da recuperação dos pontos de tangência entre duas trajetórias: trata-se de registrar algo mais amplo, um projeto que, inspirado no caráter pulsional e desconcertante da obra-e-figura-Noll, busca incorporar, em sua concepção e em sua execução, pelo menos uma parcela da radicalidade e da força transgressora que tal caráter concentra”, afirma.
Trata-se, em suma, de um livro sobre encontros: os vários encontros físicos que os escritores tiveram, em razão dos eventos literários de que participaram conjuntamente; os encontros virtuais que, a partir de então, mantiveram, por meio de uma correspondência mútua – alguns e-mails trocados entre os escritores estão reproduzidos na última parte do livro –; e os “encontros” literários que resultaram dessa aproximação: João Gilberto Noll escreveu o prefácio de Chuva de letras (2008), de Luis Alberto Brandão, e Brandão assinou a apresentação da segunda edição de Mínimos, múltiplos, comuns (2015), de Noll.
Constelação
O livro conta ainda com a participação especial de 25 escritores, editores, artistas e pesquisadores brasileiros – como Ana Martins Marques, Francisco de Morais Mendes, Ricardo Aleixo, Sérgio Sant’Anna e Tarso de Melo –, constelação que o incrementa com depoimentos, fotos, contos, poemas, desenhos. A obra também inclui duas longas e inéditas entrevistas de João Gilberto Noll, feitas pelo escritor Pedro Maciel, em 1999, e pelo professor Ricardo Barberena, em meados desta década.
Em uma dessas participações especiais, a escritora Zulmira Ribeiro Tavares resume o projeto do próprio livro ao destacar que Luis Alberto Brandão imprime, “ao distanciamento usual à apreciação crítica de uma obra, certa inflexão, diria mesmo, inversão, ou seja, descobrindo-a e avaliando-a ao tomá-la em parte como sua”. Segundo Zulmira, “de tal circunstância resulta um ensaio exuberante e pouco usual, de formação intrincada”; “figurações que realizam, em um fluxo sem pausa, sem reservas, a diversidade de que se alimenta”.
Sobre o autor
Antes de Canção de amor para João Gilberto Noll, Luis Alberto Brandão publicou Manhã do Brasil (2010), livro finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Portugal Telecom de Literatura, Chuva de letras (2008), vencedor do Prêmio Nacional de Literatura João-de-Barro e finalista do Prêmio Jabuti, Tablados: livro de livros (2004) e Saber de pedra: o livro das estátuas (1999), livro vencedor da Bolsa Vitae de Artes.
Como teórico da literatura, publicou Teorias do espaço literário (2013), livro finalista do Prêmio Jabuti, Grafias da identidade: literatura contemporânea e imaginário nacional (2005), finalista do Prêmio Jabuti, Rituais do discurso crítico (2005) e Um olho de vidro: a narrativa de Sérgio Sant’Anna (2000), vencedor do Prêmio Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte.
O professor da Faculdade de Letras da UFMG foi, ainda, coautor de Sujeito, tempo e espaço ficcionais (2001) e um dos organizadores da RL – Revista Literária da UFMG – 50 anos (2016), publicação comemorativa do cinquentenário de fundação da Revista Literária da UFMG.
O homenageado
João Gilberto Noll nasceu em Porto Alegre, em 1946, e faleceu na mesma cidade em 2017. Publicou 18 livros. Recebeu inúmeros prêmios, incluindo o Jabuti em cinco ocasiões (1981, 1994, 1997, 2004 e 2005). O romance Harmada foi classificado pela Revista Bravo como um dos 100 livros essenciais brasileiros em qualquer gênero e em todas as épocas.
Livro: Canção de amor para João Gilberto Noll
Autor: Luis Alberto Brandão
Relicário Edições
R$ 43 / 264 páginas
Dois excertos
“Ainda que breves, jamais me esqueci das suas lágrimas, João. Jamais me perdoei por não ter sabido prever, evitar ou remediar o seu engano, por não tê-lo assumido como meu. Hoje não tenho dúvidas de que o engano foi todo meu, João. Não tive a sensibilidade, a delicadeza de inverter os sinais. Não adivinhei que, em minha espera, era você quem verdadeiramente estava esperando. Não percebi que, enquanto eu simploriamente me asseverava de que você se esquecera do encontro, era você quem sofria a brutal intensidade do abandono. Não compreendi que, independentemente do que acontecesse, era você, sempre, o desamparado.”
Luis Alberto Brandão
“O amor contém um rasgo de desprendimento que qualifica até o mais comum dos amantes para o panteão da pátria humana. O amor é um exagero irremediável, uma espécie de retórica desavergonhada, sem piedade de qualquer beleza castiça. O amor transborda dos lençóis para navegar sobre o quarto – sopro irreal que é da nossa matéria fatigada.”
João Gilberto Noll