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Ambulatório do Hospital das Clínicas trata casos graves de psoríase

Doença psicodermatológica sem cura exige cuidados e empatia de quem convive com a pessoa enferma

Psoríase: doença psicodermatológica não tem cura
Psoríase é uma doença psicodermatológica que não tem cura Foto: Adobe Stock

A intérprete de libras Elisângela Reis sentia tanta dor nas articulações que perdeu a força para conseguir segurar um talher e se alimentar durante a internação no Hospital das Clínicas (HC) da UFMG. Ela foi hospitalizada para se tratar de uma doença rara, grave, imunomediada, psicodermatológica e sem cura: a psoríase pustulosa generalizada. Em Minas Gerais, o ambulatório de psoríase, fototerapia e imunobiológicos do HC é referência no tratamento da manifestação pustulosa da doença e de outras formas menos graves da psoríase.

Quando foi diagnosticada com psoríase, Elisângela se sentiu entristecida e com a vida social limitada. Primeiro, por medo do preconceito e da discriminação social, motivados, em geral, pelo fato de que muitas pessoas pensam que as feridas na pele são contagiosas. Depois, por saber que, para se tratar da forma grave da doença, ela teria de ser internada. O primeiro receio se confirmou rapidamente, e a intérprete chegou a se sentir constrangida dentro do transporte público, quando um homem trocou de lugar após ela se sentar ao lado dele. Quanto ao segundo receio, ela logo entendeu que a internação era absolutamente necessária, já que, dada a gravidade da doença, ficar no hospital era condição para livrá-la até mesmo da morte – em alguns casos, a psoríase pustulosa generalizada pode ser fatal. Graças ao tratamento no Ambulatório do HC/UFMG, Elisângela conseguiu estabilizar a doença e receber alta.

Incompreensão
Ao falar sobre a doença e como ela seria afetada, a intérprete, muitas vezes, foi alvo de incompreensão. Poucas pessoas sabem o que é uma doença imunomediada e como ela afeta toda a vida. Segundo a médica Vanessa Martins Barcelos, voluntária no Ambulatório de Psoríase, Fototerapia e Imunobiológicos do Hospital das Clínicas, uma doença imunomediada é uma alteração no sistema imunológico provocada por fatores desencadeantes e predisposição genética. 

Em um organismo com funcionamento padrão, o sistema imunológico combate células doentes. Quando se trata de uma doença imunomediada, o organismo passa por um desequilíbrio e ataca partes saudáveis e específicas do próprio corpo. No caso da psoríase pustulosa generalizada, o sistema imunológico provoca inflamações invisíveis que podem gerar doenças cardiovasculares. E também gera inflamações visíveis, nas articulações e no maior órgão do corpo humano: a pele.

O nome da doença – psoríase pustulosa generalizada – indica a presença em todo o corpo de pústulas, que são espinhas dolorosas, inflamadas e, muitas vezes, com pus na pele.

Ambulatório do Hospital das Clínicas é referência no tratamento da psoríase
Ambulatório do Hospital das Clínicas é referência no tratamento da psoríase Foto: HC/UFMG


Somente neste ano, o HC/UFMG atendeu 21 casos mais graves de psoríase. Em 2022, foram 54 atendimentos. O Ministério da Saúde não dispõe de estatísticas sobre atendimentos ou recursos investidos no tratamento da psoríase ou da forma pustulosa generalizada. Isso porque não se trata de doenças com notificação compulsória. Cerca de 2% da população mundial sofre de psoríase. O Censo Dermatológico da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) indica uma prevalência um pouco maior no Brasil: 2,5%.

Tratamento médico: conquista social
De acordo com a médica Vanessa Barcelos, do HC, como toda doença imunomediada, a psoríase ainda não tem cura. O que existe é controle. O tratamento, além de exigir muita disciplina da pessoa enferma e empatia de quem convive com ela, tem outro agravante: é caro. No Hospital das Clínicas, a doença é tratada totalmente sem custo, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo a marcação da consulta feita pela Unidade Básica de Saúde/Central de Marcação de Consultas da Secretaria de Saúde.

Para a professora da Faculdade de Direito da UFMG Carla Carvalho, coordenadora do Grupo de Estudos em Direito Médico e da Saúde, o tratamento gratuito da psoríase pustulosa generalizada é uma conquista social, em especial devido à cobertura de imunobiológicos, tratamentos de valor expressivo.

Psoríase e saúde mental

O Brasil é signatário de uma importante resolução da Organização Mundial de Saúde (OMS). O documento, datado de 2014, considera a psoríase uma doença crônica, incapacitante, não transmissível, dolorosa, desfigurante e ainda sem cura. Para a OMS, o preconceito e a discriminação sofridos pelas pessoas doentes se somam às dores físicas e a problemas de saúde mental. Muitas pessoas com psoríase evitam o convívio social para não ser vítimas de olhares de medo e até de deboche. 

Além disso, a psoríase é uma doença psicodermatológica. Transtornos mentais, como a ansiedade e a depressão, são comorbidades associadas e podem agravar os quadros. Agravada a psoríase, a pessoa doente passa a se isolar para evitar mais discriminação, o que faz piorar a saúde mental e, consequentemente, o próprio quadro de psoríase.

Psoríase afeta ao corpo e à mente
Psoríase afeta o corpo e a mente Foto: Adobe Stock

Para a psicanalista Ana Flávia Silva, bacharel em Psicologia pela UFMG, doenças psicossomáticas merecem atenção. “O nosso psiquismo pode afetar diretamente o nosso corpo a partir do momento em que uma questão psicológica não encontrou uma representação, uma simbolização, e pode ser descarregada diretamente no corpo em forma de um sintoma físico. Da mesma forma, os adoecimentos físicos também afetam o nosso psicológico, na medida em que, muitas vezes, existe ali uma dor física, uma limitação”, explica.

Ainda segundo a psicanalista, viver com uma doença psicodermatológica pode fazer a pessoa se culpar pela enfermidade. Ela explica que tudo isso vai gerar emoções de vários tipos, como tristeza, raiva, frustração, que também necessitam de atenção. Para Ana Flávia, é importante lembrar que muitas vezes essas causas das doenças psicossomáticas não podem ser determinadas de forma muito precisa, pois os sintomas aparecem devido a fatores muito variados difíceis de localizar. “Uma doença psicodermatológica, assim como as diversas doenças psicossomáticas, gera sofrimento tanto físico quanto psicológico. É uma culpa que deve ser tratada. A pessoa que sofre os efeitos de uma doença psicossomática deve buscar tratamento médico e psicológico", enfatiza.

Sem cura, a psoríase pustulosa generalizada exige automotivação e amor próprio para vencer o preconceito. O paciente também deve seguir recomendações médicas básicas para evitar uma forma mais grave: adoção de hábitos saudáveis, banhos moderados de sol e consultas periódicas com dermatologista. 

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Ficha técnica

Produção: Alessandra Dantas e Ruleandson do Carmo
Reportagem: Ruleandson do Carmo
Edição: Clarice Oliveira e Breno Rodrigues

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