Ciência salva vidas, mas sofre com superstição e queda de investimentos
Em mesa-redonda, Renato Janine Ribeiro, Soraya Smaili e Luiz Davidovich sugerem caminhos para que o país supere a atual crise
Ciência, educação, cultura, saúde e meio ambiente precisam ser defendidos contra as ações equivocadas do atual governo federal e mais rigorosamente pensadas a partir da próxima gestão. Esse foi um dos apontamentos feitos pelo presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, durante mesa-redonda na manhã de hoje, 8 de março, que integrou a celebração do Dia da Ciência na UFMG. “Vivemos tempos ásperos, pois a ciência, ao mesmo tempo que salva vidas, é atacada pela superstição e desmerecida pelas atuais políticas de governo”, lamentou o professor, que foi ministro da Educação entre abril e setembro de 2015.
Renato Janine ressaltou o "diferencial" trazido pela ciência no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, em comparação com o manejo adotado em crises anteriores, ocorridas “antes da descoberta do que era invisível”. Como relatou o professor, estima-se que a peste negra, no século 14, tenha matado até a metade da população dos territórios atingidos, em uma época em que se desconhecia a causa da doença. A pandemia da gripe espanhola, ocorrida há pouco mais de 100 anos, quando a ciência ainda era rudimentar, matou cerca de 5% da população mundial. “Graças aos maiores cuidados que temos atualmente com a saúde, à atenção com os doentes e ao rápido surgimento das vacinas, o número relativo de mortes causadas pela covid-19 representa apenas 1% do total da pandemia anterior”, observou.
Outra vantagem decorrente dos avanços tecnológicos no contexto do enfrentamento do coronavírus, segundo o ex-ministro, está nas possibilidades trazidas pela internet. “Muitos trabalhos podem ser realizados on-line, e, graças ao distanciamento social, as pessoas deixaram de ser contaminadas”, argumentou.
Renato Janine lembrou que, ao longo dos últimos anos, o conhecimento sobre medicina tem sido amplamente apropriado pela população leiga, graças aos mecanismos de divulgação científica. Em seu entendimento, seria viável que o mesmo acontecesse com saberes relativos a outras áreas do conhecimento.
“É muito comum, por exemplo, que as famílias conheçam a necessidade de se evitar o consumo excessivo de açúcar e gordura. Mas por que a filosofia política não chega aos lares, a ponto de ensinar aos cidadãos que a democracia não deve conviver com o maniqueísmo? Por que não temos uma divulgação mais ampla das noções de urbanismo? Hoje as cidades são devastadas pela especulação imobiliária, a invasão de carros e a impermeabilização do solo", analisou.
Muitas perguntas
Como destacou a professora Soraya Smaili, ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo, a atual pandemia gerou muitas perguntas e a consequente dependência da ciência, que pode fornecer respostas rápidas sobre temas como “tratamentos da covid-19 e efeitos do pós-covid, soluções em saúde mental, impactos econômicos e sociais”. “Mas, infelizmente, houve no Brasil uma queda brutal nos investimentos em pesquisa a partir de 2018. Mesmo agora, diante da pandemia, quando deveríamos estar incentivando a ciência, estamos retrocedendo; os cortes continuam”, alertou.
Para a docente, os investimentos necessários para que o país se recupere das crises em que está mergulhado devem contemplar vacinas, estruturas para fabricação de medicamentos, infraestrutura de pesquisa, apoio a pesquisadores, concepção de centros dedicados à redução de desigualdades, energia limpa e mudança no clima, entre outras iniciativas.
Soraya Smaili anunciou o lançamento do centro de estudos multidisciplinar Sou Ciência, sediado na Unifesp, que visa promover a informação científica, para fortalecer a conexão entre universidade e sociedade e promover a cidadania.
Projeção mundial
Na defesa do argumento de que “não se consolida a ciência de um ano para outro, mas é preciso uma política de Estado que leva décadas”, o professor Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), arrolou alguns exemplos de empresas e instituições que projetaram o Brasil internacionalmente, investindo ou promovendo a pesquisa tecnológica.
“A Embraco é a maior indústria de compressores do mundo. Foi criada com a colaboração do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina. A Natura se vale de conhecimento oriundo de laboratórios de várias universidades e institutos de pesquisa. A Embraer exporta aviões para todo o mundo, e a Weg é protagonista mundial na área de equipamentos elétricos”, enumerou.
Davidovich lembrou que a atual estrutura brasileira de saúde é consequência do que foi criado há muitos anos. “A Fiocruz é de 1900, e o Instituto Butantã, de 1901. Não haveria SUS sem o apoio consistente do CNPq e da Capes, que são de 1951”, relatou.
De acordo com o cientista, o Brasil precisa ingressar na pesquisa em áreas novas, como as tecnologias de intervenção no DNA, de inteligência artificial e de big data. “Tudo isso está acontecendo pelo mundo e podemos participar. Para isso, precisamos de universidades sólidas financiadas pelo Estado", defendeu.
O presidente da ABC classificou os cortes sucessivos de orçamento nas universidades como “crimes”. “Diante de uma crise econômica, pode-se deixar de fazer uma estrada ou uma praça. Mas, ao cortar a bolsa de um pesquisador, você prejudica, em longo prazo, o futuro do país. Os tempos atuais requerem veemência no sonho coletivo e na defesa do futuro”, defendeu o professor.
A mesa-redonda foi mediada pela reitora Sandra Regina Goulart Almeida.