Condições desiguais de vida no Brasil são desafio no enfrentamento à pandemia
Psicólogo André Dias, professor da UFMG e coordenador do programa Polos de Cidadania, avaliou influência da desigualdade social na saúde mental da população
![Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil Pessoas em situação de rua formam um dos grupos que não podem optar pelo isolamento](https://ufmg.br/thumbor/OFAc9VTR1Xv-2OfoA5uN-qoPuFY=/0x0:847x565/712x474/https://ufmg.br/storage/f/5/f/e/f5fe2abc18176f01daceceef4a5c9764_15852251884636_1642007416.jpg)
Em tempos de pandemia do novo coronavírus, especialistas têm recomendado que as pessoas evitem sair de casa. Nas últimas semanas, muito tem-se falado sobre como fica a saúde mental das pessoas neste contexto de isolamento. No entanto, em um país como o Brasil, é preciso atentar para as condições desiguais enfrentadas por diferentes grupos socais.
“É muito difícil que você promova uma condição e uma sensação de segurança na população em uma sociedade tão desigual quanto a nossa”, sustentou o psicólogo André Luiz Freitas Dias, em entrevista ao programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa, na última sexta-feira, 20.
Professor e pesquisador do Departamento de Psicologia da UFMG, Dias lembra que, em um momento como o atual, no qual a população tem sido orientada a trabalhar de casa, de forma remota, “é importantíssimo destacar que parcela significativa da população não tem essa condição”.
“[No Brasil], parte da população tem condições de ficar em casa e outra parte não, seja porque são trabalhadores informais, porque em seus contratos de trabalho isso não é permitido, apesar de todas as orientações e recomendações de autoridades, inclusive do Ministério Público do Trabalho”, explicou.
Coordenador do programa de extensão da UFMG Polos de Cidadania, que tem foco na efetivação dos direitos humanos, o professor André Dias lembrou ainda de outros aspectos que impedem pessoas de seguir as recomendações, como a falta de um local para se isolar durante a pandemia. Apenas em Belo Horizonte, segundo Dias, há aproximadamente 12 mil pessoas em situação de rua.
“[Há pessoas que,] em muitas ocasiões, sequer têm uma casa para fazer o isolamento, se proteger. Também há pessoas em situação de rua que não têm para onde ir, não têm casa. E os abrigos estão superlotados, o que também é uma situação de grande risco”, alertou.
Isolamento e saúde mental
O distanciamento e o isolamento social, essenciais neste momento para a contenção do vírus, pode gerar ou intensificar nas pessoas ansiedade generalizada, sensação de desamparo e outros tipos de transtornos. “Também pode disparar nas pessoas outros processos, tendo em vista uma condição de imprevisibilidade e de incontrolabilidade de suas próprias vidas”, afirmou André Dias.
No entanto, o professor, que é lembrou que há um considerável número de pessoas que já vivencia tais situações no dia a dia.
"Quantos trabalhadores, por exemplo, estão sendo obrigados a seguir suas rotinas, a fazer o seu trabalho? Quantas pessoas estão inseguras quanto à manutenção da sua ocupação? O medo gerado não é um medo injustificado. É uma condição concreta, enfrentada não só no país, mas no mundo todo, de uma forma geral", frisou.
Qualidade da informação
Os planos de contingência elaborados por governos em momentos como o atual apresentam, normalmente três eixos, segundo André Dias: ações de vigilância, ações de assistência e ações de comunicação. O professor defendeu uma articulação da sociedade com a saúde pública, outra área que, segundo ele, também tem sido muito atacada pelos últimos governos, para que medidas concretas sejam tomadas.
“O direito à informação tem sido muito negligenciado pelo próprio presidente da República [Jair Bolsonaro], ao tratar dessa gravíssima condição. Esse é um ponto importante. O medo é concreto, é justificável, não é bobagem ou histeria, como a presidência da República quis tratar", destacou.
Outro cuidado ressaltado pelo professor que deve ser tomado neste momento é a busca de informações em fontes confiáveis.
"Há muitas informações, falsas notícias sobre condições de desabastecimento [de alimentos], de contágio, de transmissão. Proliferam, pelas redes sociais principalmente, uma quantidade de informações muito grande. As pessoas têm dificuldade de processar, assimilar e fazer uma seleção dessas informações, e isso vai gerando nas pessoas, além do medo, uma ansiedade generalizada, para que ações efetivas e medidas concretas sejam tomadas", alertou.