Desmonte institucional compromete exercício do direito à cultura
Em seminário do Festival de Verão, professor da UFBA afirma que guerra cultural tenta destruir cultura crítica; docente da Uemg propõe mudança de paradigma
O direito à cultura, à cidadania e a efetiva implementação de políticas culturais eram os assuntos que deveriam pautar a segunda mesa-redonda do Seminário Internacional Direito à Cultura, realizada na tarde desta quinta-feira, 4. No entanto, as discussões sobre esse tema foram atravessadas por críticas dos participantes ao que chamam de desmonte da institucionalidade cultural brasileira.
“O que dizer do direito à cultura, quando a guerra cultural busca destruir a cultura crítica? O que dizer do direito à cultura, quando a cultura é atravessada por negacionismo, terraplanismo, supremacismo, racismo, homofobia, machismo, desigualdades, privilégios, autoritarismo, opressões, violências, torturas, ódio?”, questionou o professor Albino Rubim, do Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade da UFBA.
Esse tom pautou a primeira metade de sua manifestação. “E o que pensar da cidadania quando ela se vê vilipendiada no Brasil e no mundo em seus direitos individuais, sociais, econômicos, políticos, ambientais, educacionais, culturais? O que falar acerca de políticas culturais quando elas são brutalmente desmanteladas no Brasil, onde vinham sendo cultivadas como nunca desde 2003?”, insistiu o ex-secretário de Cultura do Estado da Bahia.
“Vivemos tempos sombrios. As piores pessoas perderam o medo, e as melhores perderam a esperança”, resumiu Albino Rubim na primeira parte da sua manifestação, citando Hannah Arendt. A partir daí, ele estabeleceu uma relação entre cultura e vida. “A civilização capitalista não é a superação da barbárie, é a barbárie produzida por essa civilização, é a barbárie engendrada no seio dessa civilização. Nesse sentido, a exigência primordial para a cultura é que a barbárie não se repita. [Cultura é] assumir o compromisso fundamental com a vida. É fundamental que notemos: cultura é vida”, demarcou.
De 'direito à cultura' a 'direitos culturais'
Na abertura de sua comunicação, o professor José Márcio Barros, do Programa de Pós-graduação em Artes da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg), ressaltou que, hoje, “não há como realizar esse debate [sobre direito à cultura, direito à cidadania e implementação de políticas culturais] descolando-se do contexto social, político, econômico – que tem uma dimensão mundial, mas, de fato, conta com uma singularidade no Brasil”.
Mais adiante, ao abordar especificamente o tema de sua exposição, Barros defendeu uma mudança de paradigma. “Talvez fosse interessante a gente substituir a ideia de ‘direito à cultura’ pela ideia de ‘direitos culturais’. A ideia de ‘direito à cultura’ pode nos induzir a pensar a dimensão do direito apenas no âmbito do acesso aos bens e serviços culturais. Naturalmente, eles são importantes, são característicos de uma perspectiva da democratização da cultura, mas é preciso pensar a cultura em um sentido ampliado, que nos leve a uma perspectiva de democracia cultural”, defendeu.
Sua defesa aludia sobretudo ao artigo 22° da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que estabeleceu, ainda na primeira metade do século passado, que “toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país”.
Ao analisar esse trecho da DUDH, José Márcio Barros defendeu que esses direitos culturais devem ser postos no mesmo patamar dos direitos fundamentais gerais, como os econômicos e sociais, ou seja, todos pensados como “direitos que garantem ao ser humano o essencial para a sua dignidade”.
“Eu diria que direitos culturais devem ser tomados como o fim, uma finalidade, aquilo por que todos nós devemos atuar, enquanto a cidadania plena seria uma condição para que esses direitos culturais possam ser garantidos e alcançados. As políticas públicas de cultura, por fim, seriam os meios pelos quais nós podemos assegurar os direitos culturais.”
Som e silêncio
Por fim, no encontro que teve a mediação da gestora cultural Maria Helena Cunha, o artista Lukas Kühne fez uma explanação – não estritamente teórica, mas já no trânsito entre reflexão e performance – inspirada no filme dos anos 1960 em que o artista alemão Joseph Beuys (1921–1986) passa cerca de onze minutos encarando o espectador em silêncio.
Com a imagem viva de Beuys como pano de fundo, o professor da Faculdade de Artes da Universidade da República do Uruguai (Udelar) discutiu o conceito expandido de arte estabelecido pelo alemão, denominado Soziale plastik, o papel da cultura como direito à vida humana e o potencial da arte para transformar a sociedade.
Joseph Beuys foi um dos mais influentes artistas de seu país na segunda metade do século 20 e produziu uma arte inovadora em diferentes meios e técnicas, entre elas a performance. “Seu trabalho teve impacto profundo e mudou o nosso entendimento da arte”, comentou Lukas Kühne, enquanto exibia a película.
A íntegra da mesa-redonda Direito à cultura e cidadania: implementação de políticas culturais pode ser assistida a seguir: