Pesquisa e Inovação

Financiamento da educação primária em Minas foi negligenciado durante a Primeira República

Acesso à escola era ainda mais difícil para negros, pobres e meninas nos primeiros anos após a proclamação, segundo tese defendida na FaE

Fachada da Escola Estadual Barão de Rio Branco, inaugurada em 1914, em Belo Horizonte
Alunos uniformizados em frente à Escola Estadual Barão de Rio Branco, inaugurada em 1914, em Belo Horizonte Foto: Acervo do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Ipeha)

De 1890 a 1920 — período da chamada Primeira República no Brasil —, a saída encontrada pelos governantes de Minas Gerais para fazer frente às crises econômicas foi reduzir gastos com a educação e priorizar o investimento nos setores agrários que movimentavam a economia.

Em consequência disso, em cada um dos primeiros 30 anos após a Proclamação da República, o índice de crianças matriculadas em escolas não chegou a 20%. Também não havia recursos suficientes para suprir as demandas de materiais didáticos, móveis, melhorias na infraestrutura e construção de mais escolas.

“Como os grupos escolares estavam estabelecidos nos centros urbanos, as escolas atendiam a uma pequena parcela da população, predominantemente de classe abastada e branca. A maioria das famílias, negras ou pobres, que viviam nas zonas rurais, trabalhando nas fazendas dos coronéis, não eram contempladas”, informa o pesquisador Alisson José Esteves. Ele defendeu, em fevereiro deste ano, a tese Financiamento da educação pública primária no estado de Minas Gerais (1890 –1920), no Programa de Pós-graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social. A pesquisa levantou dados que possibilitaram contextualizar e compreender como as escolhas políticas contribuíram para o atraso na educação pública no estado.

Alisson José analisou as leis e decretos que regulamentavam o financiamento de escolas e as reformas educacionais implementadas durante as gestões de Affonso Penna, Silviano Brandão, João Pinheiro, Bueno Brandão e Arthur Bernardes. Ele apurou que escolas isoladas, situadas em áreas rurais, eram desprovidas de imóveis adequados, chegando a funcionar em casebres. Careciam também de mobiliário e materiais didáticos. “Interessava aos políticos investir apenas nos grupos escolares dos centros das cidades, pois eram eles que lhes rendiam visibilidade política e social”, explica o autor.

De acordo com dados da Diretoria Geral de Estatística (instância responsável pelo recenseamento antes da criação do IBGE), em 1891, estavam fora da escola 96,4% das 768 mil crianças mineiras em idade escolar. No fim do período estudado, em 1920, o índice de crianças privadas da educação formal representava 80,7% de um total aproximado de 1,3 milhão de estudantes em potencial.

Jogo político
Alisson José investigou os jogos políticos da elite governante na elaboração das leis orçamentárias e na destinação de recursos para a instrução primária. De acordo com o pesquisador, os gestores usavam as políticas orçamentárias para beneficiar as classes produtoras, como os grandes cafeicultores.

“Ao favorecer o desenvolvimento agrícola, os governantes promoviam o aumento da produção e, consequentemente, do recolhimento de impostos. Em troca, os fazendeiros garantiam os votos de seus currais eleitorais para manter os políticos no poder”, detalha.

O autor da tese apurou também que o Estado priorizava escolas exclusivas para crianças do sexo masculino. “Isso evidencia uma visão patriarcal: os homens eram instruídos para trabalhar na indústria ou na política, enquanto as mulheres tinham como única missão cuidar dos filhos e do lar.”

Edições antigas do Jornal Correio Paulistano serviram de fonte para a investigação
Edições antigas do jornal Correio Paulistano serviram de fonte para a investigação Foto: Arquivo Público do Estado de São Paulo

Fontes diversas
Além dos mapas escolares da época, Alisson José analisou documentos selecionados no Arquivo Público Mineiro (APM), na Secretaria do Interior, na Secretaria da Fazenda, na Assembleia Legislativa, nas mensagens dos presidentes de Minas Gerais e na Câmara Municipal de Sabará.

Também foram analisados jornais que circulavam no período, como A República, Correio Paulistano, Gazeta de Notícias, O Movimento, O Estado de Minas Gerais e O Contemporâneo, que integram o acervo on-line da Biblioteca Nacional e o acervo do APM.

Entre dezenas de fontes na literatura acadêmica relacionada ao tema, o pesquisador recorreu ao clássico A formação econômica do Brasil, de Celso Furtado, para compreender, especialmente, o impacto da economia na organização da educação pública primária. “Já o livro O fiel da balança: Minas Gerais na Federação Brasileira, de John D. Wirth, ajudou a entender a economia mineira naquele período e os reflexos da ampliação da malha ferroviária na educação”, acrescenta o autor.

De acordo com Alisson José, a política precária e desigual que vigorou na Primeira República tem repercussões negativas nos dias de hoje. "Desde aquela época, as regiões Norte e do Jequitinhonha têm os menores índices de alfabetização. Ao possibilitar a compreensão das articulações que ocorreram no passado, minha pesquisa auxilia na reflexão crítica sobre as atuais políticas públicas de financiamento da educação”, conclui.

Tese: Financiamento da educação pública primária no estado de Minas Gerais (1890 –1920)
Autor: Alisson José da Silva Esteves Pereira
Orientadora: Cynthia Greive Veiga
Defesa: 28 de fevereiro de 2023, no Programa de Pós-graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social

Matheus Espíndola