Pesquisa e Inovação

Genes resistentes a antibióticos estão em todos os ecossistemas da Terra

Estudo de pesquisadores da UFMG e de universidades dos EUA e da Índia indica risco de emergência das chamadas 'superbactérias'

Aline Vaz: bactérias multirresistentes serão mais comuns no futuro próximo
Aline Vaz: bactérias multirresistentes serão mais comuns no futuro próximo Júlia Duarte / UFMG

Acriflavina, fluoroquinolona e meticilina são antibióticos usados no tratamento de infecções bacterianas que acometem, por exemplo, os aparelhos respiratório e urinário. Uma grande concentração de genes que geram resistência à ação desses fármacos foi detectada em estudo metagenômico (leia abaixo), iniciado em manguezais da Índia, Arábia Saudita e do Brasil e expandido, posteriormente, para outros ecossistemas do mundo. O achado, que contou com a contribuição de professores do ICB, suscita o risco da emergência de “superbactérias” – imunes à ação dos antibióticos –, o que pode ocorrer caso o material genético detectado seja transferido para bactérias patogênicas.

A população de micro-organismos identificada nos manguezais das três regiões foi mapeada geneticamente e comparada com amostras de ambientes diversos, entre terrestres e marinhos. Tema de matéria publicada na edição 2.032 do Boletim UFMG, o estudo demonstrou que, em todos os ecossistemas analisados, há prevalência de genes de resistência a antibióticos e a metais pesados como cobalto, zinco e cádmio. Bactérias resistentes a esses materiais geralmente têm mecanismos de destoxificação mais eficientes, o que pode tornar viável a clonagem de seus genes para a produção de instrumentos destinados à mitigação da poluição ambiental. 

“Isso pode ser explicado porque os ambientes da Terra se interligam, especialmente, por meio dos ciclos da água no oceano. Em ambientes terrestres, embora com menos facilidade, também ocorre transferência de material genético”, afirma o professor Aristóteles Góes-Neto, do Departamento de Microbiologia do ICB, um dos autores do estudo.  

Na UFMG, o trabalho também é conduzido pela residente de pós-doutorado Aline Martins Vaz, colaboradora no Laboratório de Biologia Molecular e Computacional de Fungos, e pelo professor Vasco de Carvalho Azevedo, do Departamento de Biologia Geral. O grupo trabalha em parceria com pesquisadores das universidades americanas Virginia Commonwealth University e Virginia Tech, e das indianas Central University of Kerala, Institute of Integrative Omics and Applied Biotechnology e University Center for Science Education and Research.

Efeitos disseminados
Na Índia, o mapeamento metagenômico foi feito por cientistas locais. As informações foram comparadas com dados disponíveis sobre o Brasil e a Arábia Saudita. “A expectativa era de encontrar contrastes entre os três países, principalmente por causa do recente histórico ambiental. No Brasil e na Arábia, por exemplo, ocorreu derramamento de petróleo há alguns anos, o que não aconteceu na Índia”, relata Aristóteles.

Mediante a comparação dos micro-organismos dos manguezais com os de oceanos, florestas, campos, pastagens e áreas de cultivo agrícola de todas as partes do mundo, os pesquisadores observaram que o padrão se repetiu não só nas áreas próximas às cidades – onde há influência de fatores como descarte de esgoto –, mas também nos lugares mais remotos e preservados. “Isso mostra que os efeitos da ação humana não ficam isolados, mas se propagam em todas as direções”, argumenta Aristóteles Góes-Neto.

Como explica Aline Vaz, a acriflavina, a fluoroquinolona e a meticilina estão entre os antibióticos mais indicados e utilizados para combater infecções hospitalares. “Se bactérias patogênicas  adquirirem na natureza os genes de resistência àqueles fármacos, os tratamentos serão dificultados, e mais mortes poderão ocorrer”, alerta a pesquisadora.

Considerando as limitações do recorte geográfico da pesquisa, Aline Vaz salienta que os genes em questão podem estar ainda mais concentrados em locais que não foram investigados. “As bactérias multirresistentes, possivelmente, serão mais comuns em um futuro próximo”, projeta. Os resultados sinalizam, em seu entendimento, a necessidade de políticas públicas de orientação à população, visando diminuir a poluição ambiental. “O uso indiscriminado de antibióticos também pode gerar impactos de longo prazo”, afirma a coautora do estudo.

Metagenômica
Técnica que possibilita estudar os genomas de micro-organismos de um nicho ecológico sem a necessidade de fazer culturas individuais. Entre os objetivos dos projetos em metagenoma (termo relativo à microbiota total de um determinado habitat), estão a compreensão da dinâmica da população de uma comunidade inteira e a identificação de genes funcionais ou de novas vias metabólicas. A metagenômica é considerada mais eficaz do que a técnica de isolamento biológico, que consiste na introdução das amostras em um meio de cultura artificial, na tentativa de fazer os micro-organismos crescerem e serem isolados. 

Matheus Espíndola / Boletim 2.032