Arte e Cultura

Grupo da UFMG lança nova tradução de ‘Hécuba’, tragédia de Eurípides

Trabalho de caráter 'descolonizado' foi publicado pela Relicário Edições

Peça encena a tragédia da 'maternidade total'
Peça encena a tragédia da 'maternidade total' Imagem: Reprodução de capa

Nesta quarta-feira, 1º de junho, a Relicário Edições lança Hécuba de Eurípides: tradução e estudo crítico, nova versão em português de uma das clássicas peças do mestre da tragédia grega, que viveu de 480 a 406 a.C. Na obra, os 1.295 versos da obra de Eurípides são traduzidos diretamente do grego antigo para o português brasileiro contemporâneo – por contemporâneo, leia-se “desempolado” – e editados em formato bilíngue, com o original reproduzido nas páginas pares, ao lado da tradução, que fica nas ímpares.

A tradução – que no livro é precedida por estudo crítico de quase 140 páginas – é resultado de um trabalho coletivo empreendido ao longo dos últimos dois anos pelos integrantes da Trupe de Tradução e Encenação de Teatro Antigo (Truπersa), formada por estudantes de várias unidades da UFMG – como a Faculdade de Letras (Fale), a Escola de Música e a Escola de Belas Artes –, sob a coordenação da professora Tereza Virgínia Ribeiro, professora da Fale.

O lançamento será na Livraria Quixote, das 18h às 21h, e contará com leitura dramática de trecho da tradução.

Anita Mosca e Alice Mesquita encenam trecho de ‘Hécuba’ no lançamento do segundo volume da coletânea ‘Teatro e tradução de teatro’, na Casa Relicário, em outubro de 2019
Anita Mosca e Alice Mesquita encenam trecho de ‘Hécuba’ no lançamento do segundo volume da coletânea ‘Teatro e tradução de teatro’, na Casa Relicário, em outubro de 2019 Foto: Maíra Nassif / Elisa Amorim (Relicário Edições)

Maternidade, sofrimento e vingança
De acordo com o texto de divulgação do lançamento, a tradição da mitologia da personagem Hécuba já atribuía a ela algo entre 14 e 19 filhos; Eurípides, no entanto, optou por ampliar essa prole para meia centena de rebentos, tornando-a uma espécie de imagem da “maternidade total” – e também do sofrimento materno mais absoluto, já que ela vai perdendo seus filhos um a um para a Guerra do Peloponeso, travada entre Atenas e Esparta durante três décadas, ao longo do século V a.C. É a história dessas perdas – e da vingança que elas ensejam – que é contada por Eurípedes em sua tragédia.

Em particular, sobre esse contexto da insânia bélica humana, registram os tradutores em dado momento da apresentação do volume: “A peça conta o drama de uma mãe que se viu amputada de seus amores: filhos, marido, terra, casa, prestígio e condição. Quantas mulheres existem assim no mundo ainda? Não são poucas. No Brasil, na Grécia e por toda parte”, lembram. Com efeito, no Brasil, não são poucas as mães que perdem, dia após dia, um filho para a insânia da guerra (no caso brasileiro, a chamada “guerra às drogas”).

Como não consegue impedir a guerra nem a morte dos filhos, resta a Hécuba apenas a vingança. “Abatida, alquebrada e combalida, soberana dentre os vencidos, ela [Hécuba] tira forças de sua própria e rude-huge-dor e, com fúria similar à de Aquiles, arquiteta cruelmente uma revanche, se vinga de seus opositores e mostra que os vencidos podem vitimar os vencedores terrivelmente”, pontuam os tradutores.

O trabalho de tradução de Hécuba realizado pela Truπersa resultou em podcast, cujo primeiro episódio já está no ar e pode ser ouvido no Spotify. A produção também traz detalhes da estrutura da Trupe de Tradução e Encenação de Teatro Antigo.

LEgenda
‘Medeia’, ‘Electra’, ‘Orestes’, três outras tragédias euripidianas traduzidas, publicadas (Ateliê Editorial, 2013, 2015, 2017) e encenadas pela Truπersa Foto: Ewerton Martins Ribeiro | UFMG

Tradução descolonizada e pró-encenação
“A tradução que aqui se apresenta não se pretende facilitada nem popular, mas brasileira em seus requintes, sofisticações e, simultaneamente, simplicidades. Procuramos, acima de tudo, observar a chegada da palavra dita nos ouvidos do espectador, leitor e ouvinte”, anotam os tradutores na apresentação da obra. Dito de outro modo, trata-se de tradução que estabelece um texto mais vocacionado para ser expresso em voz alta – isto é, ser transformado em atuação – do que para ser lido, propriamente.

“Uma vez que pretendemos, em nossas traduções descolonizadas, contemplar o Brasil em toda a sua heterogeneidade e representá-lo de forma democrática, haverá no texto que aqui se apresenta o registro de vários falares brasileiros: o das elites (lugar-comum nas traduções de tragédias), o das gentes mais comuns e o dos mais desfavorecidos, se tais falares forem compatíveis com a escrita registrada no grego e se o texto assim o comandar. Obedientemente, ouvimos a voz de Eurípides; democraticamente, negociamos com ele a partir de nossa realidade material, linguística e cultural”, acrescentam os tradutores.

O livro se situa no âmbito de uma nova perspectiva de tradução, em que exercícios de dramaturgia são realizados ainda durante o processo de tradução, e o texto traduzido só se consolida no papel depois de os atores testarem e colaborarem com a lapidação das soluções propostas pelo tradutor. “Construímos essa metodologia horizontalmente, unindo a Fale e a Escola de Belas Artes (EBA), a partir de 2009. Foi um processo do qual participaram professores e alunos de graduação e pós-graduação”, explicou Tereza Virgínia ao Portal UFMG, por ocasião do lançamento do primeiro dos dois volumes da coletânea de ensaios Teatro e tradução de teatro, também publicados pela Relicário Edições

Segundo explicou Tereza Virgínia, devido ao seu arrojo transdisciplinar, esse método só mais recentemente tem começado a ser mais aceito e praticado no Brasil, ainda que seja mais comum no exterior. “Agora, não há mais como fugir. No meu ponto de vista, não faz mais sentido traduzir teatro sem fazer dramaturgia nesse processo”, afirmou. E, justamente em razão desse modo sui generis de tradução, muitas soluções textuais – de pontuação, por exemplo – foram empregadas ad hoc na presente tradução de Hécuba, com foco em atender, antes que regras semânticas ou gramaticais, interesses da encenação e da performance oral.

O processo pode ser exemplificado pelos versos finais da peça, em que o último canto do coro é assim atualizado para o português brasileiro contemporâneo: “Ide, padecentes queridas, pros cais, / e pelos déspotas, cobertas, ireis pelejar! / Eta vida besta, sô!” 

No evento de lançamento, o livro será vendido com desconto em relação ao preço de capa.

Livro: Hécuba
Autor: Eurípides
Tradução: Trupersa (Trupe de tradução e encenação de teatro antigo)
Direção de tradução: Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa
Relicário Edições
R$ 45,90 (preço de capa: R$ 59,90) / 300 páginas
Lançamento: 1º de junho, quarta-feira, das 18h às 21h, na Livraria Quixote (rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi)
Onde comprar: site da Relicário Edições

Lançamento será na entrada da noite desta quarta-feira na Livraria Quixote
Fachada da Livraria Quixote, na SavassiFoto: Ewerton Martins Ribeiro | UFMG

Ewerton Martins Ribeiro