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Imunidade contra Covid-19 pode durar apenas três meses

Estudo desenvolvido na China detectou queda brusca no número de anticorpos da doença em pacientes recuperados após três meses de infecção, professor da UFMG analisa resultados da pesquisa

Descobertas podem impactar o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19
Descobertas podem impactar o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19 Willfried Wende / Pixabay

Um artigo publicado no periódico científico "Nature Medicine" no dia 18 de junho, por cientistas chineses, sugere que a imunidade contra a Covid-19 pode durar apenas três meses. De acordo com o estudo chinês, realizado com 37 pacientes sintomáticos e outros 37 assintomáticos, os níveis de anticorpos encontrados entre aqueles que se recuperaram da doença diminuíram rapidamente dois a três meses após a infecção. O resultado gera dúvidas sobre a duração da imunidade contra o novo coronavírus e poderia influenciar, até mesmo, estudos de vacinas que estão em desenvolvimento.

O programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa, entrevistou o professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Vandack Nobre, para repercutir os resultados do estudo realizado na China, e entender o que a comunidade científica sabe até o momento sobre os processos de imunidade ao Sars-CoV-2, o novo coronavírus. O professor ressaltou que a pesquisa chinesa se detém apenas a um dos processos de imunização em um processo infeccioso, o da produção de anticorpos: “Ao ter contato com o vírus, o organismo lança mão de uma série de mecanismos de defesa. Os anticorpos são muito importantes nesse processo, pois são responsáveis por armazenar a memória do agente infeccioso. Mas eles fazem apenas uma parte da nossa defesa imunológica”, lembra Nobre. “Por isso, é necessária uma avaliação mais ampla dessa defesa imune contra o vírus”, reforça o professor.

O estudo desenvolvido na China representou uma quebra de expectativas para a comunidade científica, em relação ao que já havia sido observado com vírus similares anteriormente, como na epidemia de Sars-CoV-1 nos anos 2000. “Após um longo estudo com as pessoas infectadas naquela ocasião, foi constatado que elas mantinham os anticorpos da doença por um longo período, de mais de dois anos, e esperávamos que esse intervalo fosse o mesmo em relação ao novo coronavírus”, explica o professor Vandack Nobre, “mas o que observamos com a nova doença é que com o segmento de algumas semanas, os níveis de anticorpos costumam decrescer”. Porém, Nobre também aponta para uma diferença observada com relação aos diferentes tipos de anticorpos produzidos pelo organismo diante da infecção: “Foi aferida uma queda de cerca de 70% nos níveis de anticorpos IgG, que tem ação à longo prazo. Porém, os anticorpos neutralizantes, também muito importantes para a imunidade, tem um percentual de queda bem mais baixo, cerca de 8%”, pondera o professor.

Nobre acredita que a produção de vacinas para combater a Covid-19 deve levar em conta os aspectos relativos à resposta imunológica do organismo, que foram observados até então. “É importante lembrar que a produção de vacinas conta com técnicas que permitem aumentar a capacidade de um ou mais antígenos do vírus em induzir a produção de anticorpos, hiper-estimulando a resposta do organismo. Dessa forma, a vacina pode ser até mais capaz de aumentar a imunidade das pessoas a uma infecção, do que o contato natural com o vírus”, afirma o professor. “Mas o estudo deixa os pesquisadores em alerta: não podemos afirmar que a duração dessa defesa induzida pela vacina será longa… essas descobertas serão feitas à medida que as pesquisas foram caminhando”, analisa Nobre.

“Passaporte imune” é colocado em cheque
A tese de que uma vez infectado pelo vírus o indivíduo ficaria protegido de uma segunda infecção pelo mesmo agente criou conceitos como o do “passaporte imune”, que traz a ideia de que as pessoas recuperadas da doença estariam seguras para circular livremente pelas ruas, sem riscos para sua saúde ou para o bem-estar coletivo. Para o professor Vandack Nobre, as novas descobertas colocam em cheque essa proposição. “Com a constatação da curta duração do nível de anticorpos produzidos a partir do contato com o vírus, fica ainda mais claro que não é seguro afirmar que quem já teve a Covid-19 está protegido de manifestar a doença novamente”, lembra o professor. “Progressivamente, vamos ter mais informações sobre o tema, ao estudar o que ocorre nos países que estão sob risco de uma segunda onda da pandemia. Talvez os dados mais importantes que teremos virão com a observação dos pacientes que já tiveram infecção confirmada na primeira onda, se eles vão ou não readquiri-la nesse segundo momento”, conclui Nobre.

Durante entrevista para o programa Conexões o professor falou também sobre a atual situação do desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, os esforços da comunidade científica e suas perspectivas frente às novas descobertas.

Ouça a conversa com Luíza Glória