Incêndios florestais deverão se agravar com a expansão agropecuária e mudanças climáticas
Estudo liderado por pesquisador da UFMG revela ação antrópica como maior causa de incêndio nas duas últimas décadas
Os incêndios florestais vêm aumentando ao redor do mundo e, no Brasil, o fogo que devastou extensas áreas do Pantanal, do Cerrado e da Amazônia nos últimos anos parece estar associado a uma combinação entre as mudanças climáticas e o aumento do desmatamento que se deve ao enfraquecimento das políticas ambientais. Nos últimos 20 anos, 45% do Pantanal, 34% do Cerrado e 9% da Amazônia pegaram fogo pelo menos uma vez.
Os dados são extraídos do artigo Determinants of the impact of fire in the Brazilian biomes, publicado na Frontiers in Forests and Global Change pelos pesquisadores Ubirajara de Oliveira, Britaldo Soares, ambos do Instituto de Geociências da UFMG, Raoni Rajão, da Escola de Engenharia da Universidade, Mercedes Bustamante, Letícia Gomes, ambas da Universidade de Brasília (UnB), e Jean P. Ometto, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Eles analisaram as causas dos incêndios nos biomas brasileiros nas últimas duas décadas, seus impactos na vegetação nativa e tendências.
O estudo quantifica a influência dos fatores climáticos, do uso da terra, do desmatamento e da vegetação seca, que atua como combustível para o fogo, na ocorrência de incêndios na Amazônia, Pantanal, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Pampa.
O histórico de incêndios de grande impacto no Cerrado e no Pantanal mostra que eles ocorrem em áreas de vegetação nativa, comumente em Unidades de Conservação próximas a propriedades rurais que têm os maiores rebanhos bovinos e, principalmente, nas quais ocorreu desmatamento recente.
O desmatamento para a produção agropecuária e o uso do fogo para rebrota de pasto são as principais causas dos incêndios, que se iniciam em propriedades privadas, escapando em seguida para as áreas de vegetação nativa das Unidades de Conservação e Terras Indígenas.
No Pantanal, embora a presença de vegetação seca influencie a propagação do fogo, o uso da terra, incluindo a pecuária, e ainda o desmatamento e o clima são os principais fatores que explicam 78% da ocorrência de grandes incêndios.
Com base nessas evidências, o professor Raoni Rajão afirma que é essencial guiar as políticas públicas com base na ciência, "pois fica evidente que permitir o uso das reservas legais para o pastoreio não vai contribuir para a redução dos grandes incêndios, mas degradar ecossistemas frágeis”.
Rajão observa ainda que, ao contrário do que foi especulado durante os incêndios de 2020, a presença de gado é um fator estatisticamente associado aos incêndios de grande impacto no Pantanal e no Cerrado, desconstruindo assim a lenda do “boi bombeiro”, segundo a qual um rebanho bovino maior poderia ter feito diminuir a dimensão dos incêndios no Pantanal, porque os animais comeriam o capim nativo ou plantado, impedindo que se transformasse em material altamente combustível.
Políticas de prevenção
O artigo mostra que as Unidades de Conservação no Cerrado são sistematicamente alvo de incêndios criminosos, registrando, com frequência, grandes queimadas apesar da presença de brigadas e de programas de prevenção de fogo em algumas delas.
Na Amazônia, as queimadas estão inerentemente relacionadas ao desmatamento ao longo da fronteira agrícola. Contudo, suas Unidades de Conservação e Terras Indígenas são ainda pouco afetadas pelos incêndios de grande impacto, funcionando, segundo os autores, como um “escudo verde”, mesmo diante da carência de fiscalização.
O estudo também mostrou que a vegetação nativa, sobretudo as formações florestais em todos os biomas, está sendo fortemente impactada pelo fogo, perdendo, como resultado, sua capacidade de regeneração.
A tendência, com as mudanças climáticas e com a expansão agropecuária, é que a maior parte do Cerrado, do Pantanal e da Amazônia sofram cada vez mais com incêndios mais intensos e vastos, na avaliação do professor Britaldo Soares-Filho, do IGC. Em algumas regiões do Cerrado poderão ocorrer incêndios até cinco vezes mais intensos.
Segundo o líder da pesquisa, o também professor do IGC Ubirajara Oliveira, “é necessária a intensificação da fiscalização visando coibir os causadores de incêndios, aliada a maior investimento em programas de prevenção e combate ao fogo”, como o projeto Desenvolvimento de Sistemas de Prevenção de Incêndios Florestais e Monitoramento da Cobertura Vegetal do Cerrado Brasileiro (FIP Monitoramento Cerrado), desenvolvido pela UFMG, em parceria com a UNB e o Inpe. O projeto recebeu neste mês prêmio concedido pela Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) e pela Secretaria de Assuntos Econômicos Internacionais do Ministério da Economia.