José Murilo de Carvalho: mandato de Temer é frágil e falta liderança com densidade para disputar as eleições de 2018
Um dia após a confirmação do impeachment de Dilma Rousseff, o cientista político e historiador José Murilo de Carvalho projetou um mandato fragilizado e turbulento para o presidente empossado Michel Temer e um cenário pouco alentador para as eleições presidenciais de 2018. Isso porque, em sua visão, não há, no quadro partidário atual, lideranças com densidade eleitoral para vencer o pleito.
Essas análises foram feitas na conferência A política brasileira hoje, nesta quinta-feira, 1º, durante a 17ª edição do Seminário de Economia de Mineira, realizada em Diamantina.
“O PT passará os próximos anos elaborando estratégias para se redefinir. Temer vai ‘empurrar’ seu governo até 2018. Durante esse período, ele sofrerá oposição dos mesmos atores que bloquearam as reformas de Dilma. O PSDB, por sua vez, vai se esforçar para barrar as investidas de Temer, por causa de interesses eleitorais”, prevê José Murilo.
‘Golpes’ em retrospectiva
O historiador repassou todos os episódios da história do país em que o presidente foi destituído do cargo antes do término do mandato. Ele caracterizou como “golpe” os afastamentos ocorridos em 1823, 1840, 1889, 1891, 1930, 1937, 1945, 1955, 1964 e 1968.
“Em 1930, o ‘golpe’ foi camuflado em ‘revolução’. Já o de 1964, cuja responsabilidade exclusiva é comumente atribuída aos militares, contou com massivo apoio da sociedade civil. O impeachment de Collor, em 1992, não foi traumático porque o presidente não tinha base de apoio no Congresso, tampouco nas ruas”, comentou José Murilo.
Embora não tenha manifestado uma posição explícita sobre o impedimento de Dilma Rousseff, o historiador enumerou alguns fatores que culminaram com a destituição definitiva da presidente: “O partido que ficou no poder durante 12 anos se desgastou. Além disso, a inabilidade política de Dilma, a crise econômica mundial, a contaminação da esquerda pelo patrimonialismo e a descrença geral na política por parte da população contribuíram para o contexto de ruptura”, disse.
O historiador também discorreu sobre o fenômeno que chamou de “entrada do povo na política”. De acordo com os dados apresentados, apenas 5% da população, em 1930, tinha direito ao voto, ou 1,8 milhão de brasileiros. Em 1970, 22 milhões de cidadãos, ou 24% da população, eram eleitores. Nas eleições de 2010, a proporção subiu para 71%, ou cerca de 138 milhões de pessoas.
“Curiosamente, o grande salto na relação eleitor-habitante ocorreu durante o regime militar, quando muitos direitos e liberdades eram duramente cerceados”, afirmou o cientista.
Vargas e Lula
Conforme afirmou José Murilo, o ex-presidente Lula assimilou e pôs em prática, na campanha de 2002, o artifício de que Getúlio Vargas já havia lançado mão décadas antes para vencer as eleições: “a interpelação do povo”. “Somente na sua quarta tentativa de chegar à Presidência, Lula transferiu a centralidade de sua campanha do operariado para o povo. Isso porque percebeu que apenas 17% da população brasileira era de trabalhadores sindicalizados – que constitui forte grupo de pressão, mas não é capaz de vencer uma eleição. Assim como Getúlio, Lula descobriu como chegar ao povo, garantindo quatro mandatos para o PT”, observou.