Pesquisa e Inovação

Livro celebra uma década da especialização em gramática e ensino da língua portuguesa

Obra reúne os dez melhores trabalhos defendidos em sua trajetória e está disponível gratuitamente

Capa da publicação on-line que reúne os melhores trabalhos da história do curso
Capa da publicação on-line que reúne os melhores trabalhos da história do curso Imagem: Captura de tela

O curso de especialização em Gramática e Ensino: tradição gramatical e abordagens contemporâneas, ofertado pela Faculdade de Letras, celebra uma década de sua criação, com o lançamento da obra Dez anos de Cegrae na Fale/UFMG: algumas das melhores monografias. Organizada pelos professores Lorenzo Vitral e Márcia Rumeu, a publicação, disponível para download gratuito, reúne os dez trabalhos que se destacaram na história do curso.

Com o objetivo central de contribuir com a atualização científica de professores do ensino fundamental e do ensino médio, para aperfeiçoamento de suas práticas pedagógicas, e de profissionais que se interessam pelo estudo da gramática da língua portuguesa, o curso, que oferece turmas anuais, já formou mais de uma centena de alunos.

Nessa publicação comemorativa, segundo o professor Lorenzo Vitral, “as monografias escolhidas representam a diversidade dos estudos realizados, desde a perspectiva teórica tradicional do ensino até questões contemporâneas como novos fenômenos do português do Brasil e a aplicabilidade das propostas teóricas ao ensino da língua materna”.

Uso do gerúndio em contextos formais de escrita: tendências contemporâneas do português brasileiro é um dos trabalhos escolhidos para a publicação comemorativa. Defendida em 2018 por Maria Cecília de Lima, a pesquisa foi orientada pela professora Leandra Batista Antunes, da Universidade Federal de Ouro Preto.

Gerúndio no lugar dos conectivos
Revisora de textos do Centro de Comunicação da UFMG (Cedecom) há quase dez anos, Maria Cecília, que também foi professora de português por duas décadas em escolas de educação básica, explica que, no português falado e escrito no Brasil, o uso do gerúndio tem ocupado o lugar dos conectivos que introduzem orações desenvolvidas (coordenadas ou subordinadas) e absorvido a carga semântica que esses conectivos encerram. Essa tendência pôde ser verificada, com muita frequência, em textos jornalísticos do próprio Cedecom que são submetidos ao processo de revisão e em veículos de circulação nacional, como a Revista Veja e a Folha de S.Paulo, que a revisora usou para montar o corpus de sua pesquisa.

Maria Cecília de Lima pesquisou o uso do gerúndio nos textos jornalísticos
Maria Cecília de Lima pesquisou o uso do gerúndio nos textos jornalísticos Foto: Foca Lisboa | UFMG

“O gerúndio é um tempo verbal que traduz ações que ocorrem em concomitância com outras, mas vem sendo empregado para substituir conjunções que introduzem orações de tempo, causa e consequência, entre outras. Isso nem sempre chega a constituir um erro, mas às vezes, por ofuscar o valor semântico de certos conectivos, pode trazer prejuízo à clareza dos textos”, avalia a revisora.

No texto de apresentação da monografia de Cecília Lima, os organizadores afirmam que, “com base nas evidências das construções oracionais reduzidas de gerúndio levantadas em amostras textuais extraídas de 13 exemplares da Revista Veja e da Folha de São Paulo publicados em 2017, a autora constata a preferência pelas orações reduzidas de gerúndio no lugar das orações apositivas (orações resultativas), das orações adjetivas e das orações coordenadas sindéticas (aditivas, conclusivas, adversativas, explicativas). Tendo em vista os resultados alcançados, “a autora prevê a necessidade de o profissional do ensino cotejar as orações não só à luz da norma-padrão, mas também à luz da norma de uso, confrontando tais usos, de modo a evidenciar aos alunos a dinamicidade da língua que se deixa evidenciar também em sua expressão escrita”, enfatizam.

De acordo com a autora do trabalho, “a escola é, sem dúvida, o lugar reservado para o ensino da Gramática Tradicional (GT), mas deve constituir também um espaço para promover reflexões sobre as condições de uso dessa gramática e as possibilidades de ela conviver com outras tendências do português contemporâneo, nas diferentes situações comunicativas".

Da tradição ao contemporâneo
A edição comemorativa lançada pelo Cegrae contém ainda tópicos pouco explorados no ensino tradicional, com destaque para o estudo do numeral e a variação no uso do imperativo; reflexão teórica sobre a noção de sujeito; análise das competências I e IV da Matriz de Avaliação da Redação do Enem; as práticas pedagógicas no estudo da formação de palavras e a prática de revisão textual como método de ensino de redação escolar. Os trabalhos tratam, ainda, de temáticas contemporâneas, como a criação de neologismos nas mídias sociais, Instagram e Facebook, e abordagens mais teóricas, como um estudo histórico da GT.

O professor Lorenzo Vitral conta que, desde a década de 1970, discute-se, na área de letras e linguística, como reformular o ensino de língua portuguesa, tendo em vista as inovações e as conquistas teóricas dos estudos científicos sobre a linguagem. 

A contribuição dos linguistas nacionais nessa reformulação, segundo o professor, baseou-se em reflexões sobre pontos como a necessidade de elaboração de uma gramática-padrão da língua portuguesa, insuficiência dos critérios de análise linguística empregados pelos manuais tradicionais, revalorização de dialetos não contemplados pelos manuais tradicionais e mudança de perspectiva em relação à unidade linguística central no ensino, que passa a ser o texto, e não mais a oração ou o período.

 “A chamada Gramática Tradicional, herdada por nós da antiguidade grego-latina e que serviu de base, desde sempre, para os estudos da linguagem, é dimensionada hoje em dia como uma contribuição histórica que é a nossa base de conhecimento sobre o assunto. Porém, muitos dos pressupostos da GT foram revistos pela linguística desde o século 19, e uma reformulação pedagógica da disciplina tem sido realizada nas últimas décadas, o que se vê refletido, inclusive, nos documentos oficiais, propostos pelo MEC, que determinam as diretrizes do ensino de língua portuguesa”, observa Vitral.

Conheça os títulos selecionados

Expressão variável do imperativo do português brasileiro: análise das coleções didáticas do PNLD de 2015, de Luiz Fernando de Carvalho (2016);

Noção de sujeito: tradição, ensino e contemporaneidade, de Rafael Costa Pires (2017);

Marcas de oralidade com função conectiva na escrita de alunos do ensino fundamental II, de Lucas Francisco Ferreira de Oliveira (2018);

Uso do gerúndio em contextos formais de escrita: tendências contemporâneas do português brasileiro, de Maria Cecília de Lima (2018);

Texto argumentativo-dissertativo. Análises com base nas competências I e IV da matriz de avaliação da redação do Enem, de Carla Antoniela Piani de Oliveira (2022);

Neologismos em mídias sociais, de Elisiane Maria Borges Magalhães Brito (2022);

Plano de curso. O ensino do numeral por meio de textos jornalísticos, de Gisele Alves Pinheiro (2022);

Gramática: visão panorâmica do passado e do presente, de Maurício Diniz Chara (2022);

O estudo da formação de palavras e as práticas em sala de aula, de Rafaela Vicência Pereira (2022);

A prática de revisão textual na escola: reflexões e possibilidades de ensino, de Sara Pereira Silva (2023).

Teresa Sanches