Livro explica mecanismos do corpo que possibilitam sobrevivência em situações-limite
Publicação de divulgação científica é resultado de trabalho conjunto de três pesquisadores, entre os quais, o professor Rodrigo Resende, do ICB
Uma onda de calor tem deixado milhares de mortos em países da Europa. As altas temperaturas – que atingem países como França, Espanha e Portugal – configuram o período mais quente da história dos últimos 125 mil anos, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da ONU. Na América Latina, 6% das mortes registradas em 326 cidades de nove países podem ser atribuídas às temperaturas extremas, de acordo com estudo que analisou a relação entre as temperaturas altas ou baixas demais e a mortalidade.
Foi justamente em um período de altas temperaturas, mas no Brasil, que o pesquisador Daniel Mendes Filho, natural de Uberaba – “uma das cidades mais quentes de Minas Gerais” – concebeu o livro Condições extremas: como sobrevivemos?, publicado pela editora Blucher. A obra, que reúne histórias de sobrevivência em situações muito desfavoráveis, acompanhadas das respectivas explicações científicas, é assinada também por Ricardo Cambraia Parreira, professor do Centro Universitário de Mineiros (Unifimes), em Goiás, e Rodrigo Ribeiro Resende, docente do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG.
“Foi um período de calor intenso em 2020. E eu lembro que estava difícil fazer tudo, estava difícil estudar, trabalhar, tudo isso somado às restrições de movimentação. Na época, eu comentei com o Ricardo [Parreira] que alguém deveria escrever um livro explicando como o corpo humano consegue suportar essas condições. Começamos então a colocar as ideias no papel e a estruturar o livro”, conta Daniel Filho, doutor em Fisiologia pela Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto.
Professor do curso de Medicina do Unifimes, em Goiás, Ricardo Parreira apresentou a ideia ao professor Rodrigo Resende, com quem já havia escrito outro livro de divulgação científica sobre memória. “Nosso primeiro livro também tinha o intuito de trazer informações científicas de forma mais didática para que a população pudesse entender o assunto. Quando o Daniel trouxe essa nova proposta, pensamos em procurar casos de sobrevivência em situações extremas, sempre pensando na base científica, ou seja, explicar as modificações fisiológicas que permitiam que esses indivíduos sobrevivessem”, explica.
A publicação de livros em linguagem acessível é uma das facetas de um trabalho amplo de divulgação científica encampado por Ricardo Resende, que é vinculado ao Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB/UFMG, no qual se insere a publicação mais recente – a décima, em dez anos – escrita em parceria com os pesquisadores Ricardo Parreira e Daniel Filho. “Neste livro, discorremos sobre como se dá a fisiologia do organismo humano em condições extremas, como calor e frio em excesso e exercícios extenuantes, entre outras”, afirma.
Histórias reais
O livro é estruturado em seis capítulos, nos quais são relatadas seis histórias reais de sobrevivência em situações extremas: frio, calor, profundidade, altitude, privação de alimentos e ambiente espacial. Todos os textos têm início com essas histórias, seguidas das explicações fisiológicas, bioquímicas e anatômicas para a sobrevivência da pessoa em cada situação apresentada. A construção dos capítulos teve também participação de estudantes do curso de medicina do Unifimes.
“A ideia de começar o capítulo com essas histórias reais é justamente para que o leitor fique mais interessado. Em seguida, trazemos as explicações científicas, para que as pessoas compreendam melhor a relação entre os mecanismos do corpo e a sobrevivência. Ao mesmo tempo, os textos ajudam o leitor a compreender como o nosso organismo é capaz de se adaptar, o que explica o fato de a nossa espécie ter evoluído por tantos anos”, conta Ricardo Cambraia.
Uma curiosidade destacada por Daniel Filho é que a obra parte, num primeiro momento, de situações extremas vivenciadas na Terra e finaliza com uma história ocorrida no espaço. “O ser humano já dominou todos os ambientes na Terra, o corpo humano já tem um potencial de adaptação surreal nesses diversos ambientes e suas condições extremas. O próximo passo da humanidade é em direção ao espaço. E como o nosso corpo se adapta às condições espaciais? Tudo isso faz parte de um processo da própria espécie: de dominar e conquistar o planeta e, depois, aventurar-se pelas estrelas”, explica.
Retorno para a sociedade
O livro Condições extremas é uma das ações de divulgação científica abraçadas pelo professor Rodrigo Resende desde seu ingresso na UFMG. “Quando entrei na Universidade, iniciei uma atividade incessante de levar o conhecimento acadêmico para a sociedade, de maneira que ela pudesse compreender e experimentar os avanços científicos produzidos mundo afora”, narra.
As atividades englobam áreas e temas como biotecnologia, câncer, células-tronco, saúde, nanotecnologia, contos da vida cotidiana, além de textos de divulgação científica. “Por meio de um jornal on-line, Nanocell News, desenvolvemos experimentos simples que podem ser aplicados em salas de aula, no ensino fundamental ou médio, com custo de até R$ 10, com a intenção de explicar às crianças, de maneira lúdica, o funcionamento de fenômenos com nomes complexos, mas que são simples na sua essência”, explica.
Ainda segundo o professor, essas iniciativas “são um meio de dividir com a sociedade” o que ela tem feito por ele. Tal perspectiva é partilhada por Daniel Filho, que destaca ainda um outro caráter da divulgação científica: devolver para a sociedade o investimento feito por ela na ciência. “O trabalho científico que realizamos é financiado com o dinheiro do povo, recursos públicos. Então, se o pesquisador fica ensimesmado dentro da estrutura acadêmica, se só se preocupa com publicações para seus congêneres, para outros acadêmicos ou cientistas, está negligenciando quem financia a pesquisa dele. A divulgação científica é também uma forma de prestar contas”, afirma Daniel.
Para Ricardo Cambraia, a proximidade com o professor Rodrigo Resende, por meio da orientação de seu mestrado na UFMG, foi fundamental para a percepção do potencial da divulgação científica: “A sociedade precisa saber para onde vai o dinheiro que é investido na ciência dentro do país. E, muitas vezes, quando você publica apenas um artigo científico, quem está tendo acesso são as pessoas do meio acadêmico. Porém, nós entendemos que os resultados e os benefícios devem ser conhecidos por toda a população".
Ciência nas escolas
O projeto que resultou na publicação do livro Condições extremas também engloba uma ação de extensão: serão ministradas palestras, acompanhadas de doações de livros, em escolas estaduais localizadas em Trindade, cidade goiana que abriga o campus do Unifimes, onde leciona Ricardo Cambraia. O objetivo é despertar a curiosidade dos alunos, estimular a leitura de livros de divulgação científica e combater a disseminação de notícias falsas.
“Nosso intuito é incentivar os alunos a estudar e se aproximar da ciência, sem ser daquela forma traumática que muitas vezes nós vivenciamos na escola. Nossa ideia é que seja um processo divertido, porque assim os estudantes podem buscar na ciência respostas para as perguntas e dúvidas que os afligem. Queremos estimulá-los a procurar informações corretas, e não apenas na internet. E a selecionar as fontes e diferenciar o que pode ser verdadeiro ou não”, finaliza Ricardo Cambraia.
Livro: Condições extremas: como sobrevivemos?
Organizadores: Rodrigo Ribeiro Resende (UFMG), Ricardo Cambraia Parreira (Unifimes) e Daniel Mendes Filho (USP)
Editora: Blucher
R$ 45 / 152 páginas
Onde comprar: site da editora