'Luta contra o racismo é fundamental para a democracia', defende professor da UFMG
Programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa, discutiu as manifestações antirracistas que eclodiram nos Estados Unidos e no Brasil
Os protestos contra o racismo nos Estados Unidos, que já duram quase duas semanas, tiveram como estopim a morte de George Floyd, um americano negro de 46 anos, sufocado por um policial branco, que se manteve ajoelhado sobre seu pescoço por mais de oito minutos. Esses protestos se alastraram não apenas em vários estados norte-americanos, mas também em outros países, como o Brasil. As manifestações têm sido consideradas, por especialistas, os maiores protestos contra o racismo desde o assassinato do ativista por direitos civis Martin Luther King.
No Brasil, as reivindicações contra o racismo também chegaram às ruas e às redes sociais, misturando-se com pautas antifascistas e a favor da democracia. Para debater sobre a relação entre esses protestos e falar sobre a luta antirracista no Brasil, nos Estados Unidos e no mundo, o programa Conexões da Rádio UFMG Educativa conversou, nesta quinta-feira, dia 4, com o professor Cristiano Rodrigues, do Departamento de Projeto da Escola de Arquitetura da UFMG.
Rodrigues vê o início dos levantes antirracistas “como uma reação inevitável de uma parcela da população que se sente ameaçada e impossibilitada de exercer os seus direitos básicos”. As discussões que surgiram na última semana pelo movimento reverberaram em todo o mundo e também no Brasil. Apesar das diferenças de contexto histórico e social entre os dois países, Cristiano Rodrigues explicou que muitos paralelos podem ser traçados. “Em ambos os países, o racismo está presente como uma parte da estrutura social, mesmo que se manifeste de formas diferentes. As lutas contra o racismo são várias e operam em diversas escalas, formas e estratégias, porque o racismo é um problema estrutural e multifacetado. Até dentro do Brasil, o combate ao racismo depende do grupo e do contexto no qual está inserido”, afirma.
Cristiano Rodrigues também lembrou que existe, no Brasil, uma ideia de que os movimentos negros não se mobilizam tanto quanto em outros países. Segundo ele, essa concepção não corresponde à realidade: “Aqui nós temos muitas mobilizações, mas elas são invisibilizadas, o que colabora com a desarticulação de um levante ainda maior”, explica o professor. “Os temas relacionados ao racismo são deliberadamente apagados e relativizados pela grande mídia, porque vivemos o mito de uma democracia racial", afirma.
Ainda de acordo com o professor, as pautas antirracistas nos Estados Unidos podem parecer mais avançadas porque lá as conquistas foram mais expressivas no campo dos direitos. “O movimento norte-americano conseguiu criar mais visibilidade para as lutas antirracistas, e alguns negros conseguiram se localizar em espaços de representação estratégicos na sociedade. Porém, mais importante que pensar as diferenças entre os contextos brasileiro e estadunidense, é pensar nas estratégias que são utilizadas para combater esse inimigo comum, que é o racismo”, afirma.
Contra o fascismo
A pauta antirracista se misturou às reivindicações contra o fascismo e a favor da democracia nos protestos brasileiros. Segundo o professor da Escola de Arquitetura da UFMG, a luta contra o facismo é fundamental para a consolidação de uma democracia real no país. “O fascismo ameaça retirar direitos conquistados e internalizados por várias camadas da população. Mas um enorme contingente de cidadãos, em sua imensa maioria negros, já não tem acesso a esses direitos, e quando o tem, é de forma precária. Para essas pessoas, o fascismo piora uma realidade que já é muito dura. Nesse sentido, a pauta do combate ao racismo é fundamental não só para que não tenhamos os nossos parcos direitos subtraídos, mas para que consigamos de fato fazer avançar a democracia no nosso país”, defende Rodrigues.
O professor também analisou as manifestações antirracistas que tomaram as redes sociais na última semana no Brasil: “Elas têm ajudado nas estratégias de mobilização, mas não são suficientes", afirma. Para Rodrigues, o ato de ir às ruas tem peso diferenciado. “Trata-se de uma demonstração de insatisfação com a maneira como as pautas antirracistas têm sido trabalhadas, uma metáfora para dizer que elas precisam sair do plano das ideias e transformar-se em ações entranhadas em cada canto da cidade, no cotidiano de todos. Não basta só postar um quadrado preto na rede social.”
Na entrevista à Rádio UFMG Educativa, o professor Rodrigues reiterou que a luta contra o racismo deve ser de todos, mas para isso é preciso que as pessoas não negras escutem o que negros têm a dizer. “É preciso que essa camada da sociedade esteja disposta a sair do pedestal e desconstruir privilégios, no sentido de entender como essa estrutura racista da sociedade funciona. É necessário pesquisar o assunto, ler autores negros, escutar músicas produzidas por artistas negros. Conversem com pessoas negras, só assim será possível transformar o discurso racista”, recomenda o professor.
Essas foram as indicações de leitura preparadas pelo jornalista Arthur Bugre:
O sol é para todos, de Harper Lee
Na minha pele, de Lázaro Ramos
Pequeno manual antirracista, de Djamila Ribeiro.