‘Malefício do trabalho infantil é cíclico, criança não consegue galgar condição melhor de vida’
Procuradora do trabalho Fernanda Brito problematiza o combate a essa violação de direitos cometida contra crianças e adolescentes
Neste sábado, 12 de junho, é comemorado o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. A data, instituída pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2002, convoca a sociedade, os trabalhadores, os empregadores e os governos do mundo todo a se mobilizarem contra a exploração de crianças e adolescentes. A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2021 como o ano internacional para eliminação do trabalho infantil. No Brasil, os números expõem a urgência do tema: segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PnadC), em 2019, havia 1,8 milhão de crianças e adolescentes de cinco a 17 anos em situação de trabalho infantil, o que representa 4,6% da população nesta faixa etária.
Sobre a importância do combate à prática, o programa Conexões entrevistou a procuradora do trabalho em Belo Horizonte Fernanda Brito. Ela explicou a definição de trabalho infantil, que compreende toda atividade com fins econômicos feita por crianças menores de 14 anos. A partir dessa idade só é permitido o trabalho como aprendiz e depois dos 16 o adolescente pode ser tornar um empregado, mas com respeito a determinadas condições.
Segundo a procuradora, há uma exceção para atividade artística, na qual é permitido o trabalho com autorização emitida por juiz da infância, mas questões como atuar em vídeos para o YouTube não são totalmente contempladas juridicamente por serem muito recentes. A convidada também citou exemplos de trabalho infantil e alguns que estão incluídos em decreto presidencial de 2008 que lista as 93 piores formas de exploração por causarem danos mais graves, entre elas estão serviços da construção civil, domésticos e em abatedouros.
Na conversa, foram abordadas as formas de atuação do Ministério Público do Trabalho no enfrentamento. Um dos tipos de ação é a repressiva, na qual são instauradas investigações e atribuídas responsabilizações a empregadores que violam direitos. Outro eixo é o de recuperação, que envolve educação, aprendizagem e políticas públicas. A procuradora também frisou que toda criança tem o direito fundamental ao não trabalho. Quando esse direito é violado, vários outros também são.
“Ao trabalhar, a criança não tem tempo de realizar outros direitos que são próprios da infância, como brincar, estudar, conviver com sua família, direito à vida, à saúde. Muita gente diz que trabalhar não mata, mas mata, temos várias estatísticas que demonstram que crianças e adolescentes morreram exercendo trabalho e temos também estatísticas que demonstram que várias crianças sofreram lesões corporais pelo exercício do trabalho. Além disso, a criança que trabalha normalmente acaba saindo da escola, mas mesmo antes de sair ela tem seu rendimento escolar diminuído. Então, o malefício do trabalho é cíclico, ele faz com que a criança não consiga – pelo estudo, pela convivência, pela prática de esporte, pelo exercício de todos os direitos que são negados – galgar uma condição melhor de vida”, explicou.
A procuradora também apontou a contradição na postura do presidente Jair Bolsonaro, que já defendeu em falas públicas o trabalho infantil como positivo, e o dever do Estado brasileiro que, além de contar com dispositivos legais internos para coibir a prática, é signatário de diversos tratados internacionais para erradicá-la. Por outro lado, a servidora do Ministério Público do Trabalho também ressaltou a responsabilidade da sociedade civil, que não pode aceitar o discurso de naturalização nem ser conivente, cumprindo o dever de denunciar junto ao MPT, escolas e Conselhos Tutelares.
Por fim, a convidada também pontuou o papel da pandemia no cenário do trabalho infantil classificado por ela como devastador. Conforme detalhou, a diminuição de renda levou as crianças mais pobres ao trabalho por questão de sobrevivência. Informações sobre o combate ao trabalho infantil podem ser obtidas pelos sites do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e do Ministério Público do Trabalho.
Produção: Alessandra Dantas e Laura Portugal, sob a orientação de Luiza Glória
Publicação: Alessandra Dantas