Modelo matemático sobre o parasito da leishmaniose pode abrir caminho para o desenvolvimento de terapias menos agressivas
O complexo sistema biológico de espécies do parasito Leishmania, composto de mais de oito mil genes, foi desvendado pela primeira vez, por meio de abordagem inédita no campo da parasitologia.
O grande volume de dados gerados tem alto impacto social, ao abrir caminho para o desenvolvimento de fármaco que venha a tratar de forma menos agressiva e mais eficiente a leishmaniose, visceral e cutânea, doença endêmica no Brasil e em expansão no mundo, que atualmente põe em risco de infecção cerca de 200 milhões de pessoas.
Ganhadora do Grande Prêmio UFMG de Teses 2016 no grupo de grandes áreas de Ciências Agrárias, Ciências Biológicas e Ciências da Saúde, a pesquisa também recebeu menção honrosa no Prêmio Capes de Teses 2016.
Com a preocupação inicial de desenvolver novo tratamento para a doença, o trabalho que Tiago Antônio de Oliveira Mendesrealizou durante o doutorado avançou em direção ao conhecimento global dos aspectos associados à infecção.
"Olhamos dados completos sobre todos os genes do parasito, isto é, a genômica. Simultaneamente, analisamos todas as proteínas (proteômica) e todos os metabólitos (metabolômica) desses organismos. Assim, trabalhamos em um único projeto com três características de elementos diferentes", explica o autor, destacando o ineditismo da pesquisa, orientada pela professora Daniella Castanheira Bartholomeu.
"Integramos essas três fontes de informação sobre o parasito em um único modelo matemático que explica a infecção. Agora é possível definir quais são os elementos que devem ser bloqueados por um futuro fármaco", enfatiza Tiago Mendes.
Segundo ele, a convergência dessas informações sobre a biologia e a bioquímica do Leishmania – incluindo a disponibilidade de dados nas áreas de genômica, transcriptômica e proteômica –, aliada a ferramentas de bioinformática estrutural e quimioinformática, possibilita triagens virtuais para auxiliar na identificação de compostos eficazes que tenham baixa ou nenhuma toxicidade, diferentemente dos tratamentos hoje disponíveis.
O tratamento atualmente preconizado para as duas formas de leishmaniose é baseado em número limitado de drogas disponíveis, que têm eficiência variável, muitos efeitos adversos e formulação parenteral, que depende de administração acompanhada por equipe médica, o que aumenta o custo do tratamento.
A identificação de novos alvos terapêuticos é, portanto, considerada estratégica e prioritária pela Organização Mundial de Saúde para o controle da doença.
Alvos terapêuticos
Entre as descobertas do trabalho está a descrição inédita da enzima homoserina quinase, presente tanto nas espécies que infectam humanos quanto nas que não provocam a doença, mas que é regulada de forma especial nas espécies infectivas.
Com base nesse tipo de informação, é possível subtrair os padrões em comum e extrair de forma eficaz os fatores associados à infectividade. "Descobrimos fatores de virulência que podem auxiliar no desenho de drogas capazes de inibir o processo de infecção.
E esse nível de profundidade do estudo foi extremamente valorizado pelas duas premiações e pelas publicações geradas durante o desenvolvimento da tese", comenta Tiago Mendes, recentemente aprovado em concurso para professor adjunto do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Além da homoserina quinase, o trabalho identificou outros fatores de virulência para a infecção, alguns dos quais já conhecidos, "o que mostra que a metodologia utilizada está correta", observa o autor. Ele ressalta que só foi possível obter tamanha profundidade e volume de dados devido ao perfil multidisciplinar e colaborativo do trabalho.
Desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Bioinformática do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e no European Molecular Biology Laboratory (EMBL Heidelberg), na Alemanha, a tese contou com a participação de pesquisadores dos departamentos de Parasitologia, de Bioquímica e Imunologia e de Química da UFMG e também da Purdue University (Estados Unidos).
"A possibilidade de fazer na Alemanha a integração matemática com tal profundidade possibilitou a análise que chamamos de biologia de sistemas, área extremamente nova e ainda mais recente no Brasil. Assim, foi um treinamento não apenas para mim, mas também para outras pessoas do grupo, na nova área de pesquisa que tem forte potencial para gerar grandes resultados para a biologia", afirma Tiago Mendes.
Coordenador do Laboratório de Biologia Sintética e Modelagens de Sistemas Biológicos da UFV, Tiago continua trabalhando em colaboração com a UFMG e com os pesquisadores estrangeiros que participaram da tese Genômica evolutiva e o estudo de mecanismos de adaptação do metabolismo de Leishmania ao parasitismo intracelular.
Um dos artigos gerados pela pesquisa, em que assina como primeiro autor, foi publicado na Molecular Biology Evolution, uma das revistas internacionais com maior impacto da área de genômica comparativa e evolução molecular de organismos.