‘O humor desafia a hierarquia’
Em entrevista, professora Myriam Bahia Lopes fala sobre humor, violência e convivência urbana, eixos de colóquio que será realizado na Escola de Arquitetura, na próxima semana
A Escola de Arquitetura sedia, na próxima semana (2 a de 4 de outubro), o seminário O humor contra a violência na cidade, que reunirá pesquisadores do Brasil e da França dos campos do direito, da arquitetura, da história, das letras, da sociologia, da filosofia e das artes, além de artistas que têm o espaço urbano como palco de sua criação, como o fotógrafo Kenji Ota, que fará uma instalação durante o evento, e Binho Barreto, que desenvolve projetos interdisciplinares com pesquisas em desenho, fotografias e processos digitais em vários endereços da Região Metropolitana de Belo Horizonte (assista ao vídeo abaixo produzido pela TV UFMG).
O papel da música no enfrentamento da violência também pautará as discussões do colóquio. Ouça as canções que serão trabalhadas. As inscrições para o evento continuam abertas.
“A cidade é o lugar historicamente coabitado pela diferença. Com o humor, pode-se viver essa diversidade de forma aberta, superando discursos ressentidos de identidade”, afirma a coordenadora do evento, professora Myriam Bahia Lopes, nesta entrevista ao Portal UFMG.
Em linhas gerais, qual é exatamente a interseção entre as três chaves do colóquio: o humor, a violência e a cidade?
A concentração de indivíduos e a massificação na cidade geram violência. Com frequência, ela subtrai a possibilidade do indivíduo de fruir o prazer. Ninguém é feliz em um engarrafamento, apenas para citar um exemplo. O adensamento e a aceleração no ritmo urbano induzem os corpos a automatismos. As cenas de Charles Chaplin em Tempos modernos são lapidares sobre o contexto sociotécnico da cidade. O excesso de estímulo provoca o "choque", que é uma suspensão, uma defesa do corpo diante do excesso de estímulos da cidade.
A dinâmica do humor segue no sentido oposto, pois com o humor, o pensamento, mesmo que inconsciente, é elaborado de forma a restituir o prazer ao indivíduo. Freud escreveu que o chiste gera uma economia, pois, por meio dele, é possível elaborar uma cena, um sentimento doloroso sem ter que experimentá-lo. As várias formas e linguagens do humor expressam um trabalho contra a violência, pois possibilitam um distanciamento, uma inflexão diante do que nos machucaria, antes mesmo de nos ferir. O humor incita a imaginação a criar uma resposta rápida, que lança mão muitas vezes do próprio corpo para se exprimir e libertá-los.
Qual a importância do humor em tempos não necessariamente marcados pela tolerância?
O humor é uma relação, e ele instaura uma abertura, um desvio, a possibilidade de romper com os laços que constituem identidades rígidas, ressentidas e reativas. Por sua capacidade de jogar com o sentido, ele induz a um deslocamento e promove para o indivíduo as condições de uma autoanálise – tema da palestra da co-organizadora do Colóquio, Claudine Haroche –, de rir de si mesmo, de admitir com humildade os próprios limites e de mudar de posição. Em um contexto no qual impera o fundamentalismo, a censura, a hierarquia imposta pela violência e pela humilhação, a financeirização das relações, notamos que há vastos grupos que são incapazes de rir.
A cidade é o lugar historicamente coabitado pela diferença. Com o humor, pode-se viver essa diversidade de forma aberta, superando discursos ressentidos de identidade, e pensar um sujeito atravessado por várias questões e capaz de se colocar no lugar do outro antes de qualquer julgamento. O humor instaura uma imaginação que é abertura para a vida.
Como a academia e os intelectuais lidam com esse tema?
O humor foi estudado direta ou indiretamente (riso, cômico, ironia) por grandes autores, como Bergson, Freud, Nietzsche e Baudelaire. O estudo do humor está na interseção dos campos da sociologia e história, visto que suas expressões têm um contexto social bem definido e situado no tempo. Frequentemente, ele refere-se à atualidade como na caricatura (objeto da conferência da professora Ségolène Le Men). Ele é objeto do campo das letras, das artes gráficas, da filosofia, da psicologia.
Que relação a arquitetura mantém com o humor?
A arquitetura, os arquitetos autorais e a aspiração em eternizar a obra humana são, com frequência, objeto de humor. O monumento é um tema recorrente na caricatura, tanto pelo seu grande formato, por sua imobilidade, como pelo fato do monumento estar associado aos poderosos. O humor é rebelde e desafia a hierarquia. A arquitetura se inspira no humor.
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