Pesquisa e Inovação

Pesquisa relaciona contaminação por metais pesados no Rio Doce a deformações em insetos aquáticos

Estudo realizado no Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade do ICB alerta sobre efeitos nocivos dos rejeitos de mineração

Imagem de Trichoptera adulto
Imagem de tricóptero adulto Foto: Frederico Salles | UFV

Cientistas do Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade (Leeb) do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG participaram de pesquisa inédita que relaciona os efeitos do rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco/Vale/BHP, em Mariana, em 2015, a mudanças na morfologia de um grupo de insetos aquáticos conhecidos como tricópteros. O ambiente analisado no estudo foi a bacia hidrográfica do Rio Doce, a partir do Rio Gualaxo do Norte – o primeiro a receber os rejeitos. 

Embora os efeitos do rompimento da barragem continuem sendo estudados, os impactos ecológicos sobre os insetos aquáticos ainda são pouco conhecidos. Por viverem na água durante uma de suas fases, muitos deles dependem da boa condição dos rios para sobreviver e se desenvolver. Em geral, são organismos muito sensíveis a alterações no meio aquático, e, por isso, se em sua fase de larva a água estiver contaminada, seu crescimento é diretamente afetado, podendo surgir deformações em resposta ao desequilíbrio ambiental. 

Por essa razão, alguns insetos podem ser usados como indicadores da qualidade do ambiente. Além disso, são de vital relevância para as cadeias alimentares, pois representam o alimento de peixes, aves e muitos outros organismos dos rios e até das florestas que os margeiam.

Mariposas
O tricóptero da espécie Smicridea coronata foi escolhido para avaliar como a presença de rejeitos de mineração na bacia hidrográfica do Rio Doce provoca variações no desenvolvimento morfológico dos insetos por ser muito comum na região. Os tricópteros adultos são geralmente caracterizados por quatro asas cobertas por muitos pelos, de modo que esses insetos se assemelham a pequenas mariposas. Sua cabeça e o tórax também costumam ser peludos e com longas e delgadas antenas. As deformações ou desvios assimétricos em sua morfologia podem ter consequências que afetam o desenvolvimento e sobrevivência dos organismos e até refletir-se no funcionamento do ecossistema.  

Os estudos avaliaram os impactos ambientais causados pelo depósito do rejeito no rio por meio da medição de algumas estruturas do corpo das larvas e dos adultos, na comparação com indivíduos que cresceram em locais não afetados pelo rejeito. Os cientistas partiram da hipótese de que indivíduos que crescem em ambientes contaminados apresentam maior assimetria entre um lado e outro do corpo.

Tricóptero da espécie Smicridea coronata
Tricóptero da espécie 'Smicridea coronata'Foto: Salvador Vitanza

Resultados da pesquisa
Os pesquisadores mostraram que o número de insetos com deformações foi maior nas áreas impactadas da bacia em relação a áreas não impactadas. Entre todos os parâmetros medidos, a assimetria foi maior nas mandíbulas e nas asas dos insetos. As mandíbulas de larvas coletadas nos ambientes impactados apresentaram mudanças na posição dos dentes. Esse problema interfere na capacidade de alimentação, na proteção e na metamorfose dos insetos, especialmente no processo de produção de seda no aparelho bucal para construir os abrigos onde se transformam em pupa antes de passar para a fase adulta.

De acordo com os resultados do estudo, essas variações assimétricas no corpo dos insetos podem, a longo prazo, afetar todo o ecossistema e a biodiversidade da região. Os pesquisadores do Leeb afirmam também que a relação causal entre o efeito da presença de rejeitos derramados no rio com o aumento de deformações nos insetos aquáticos analisados tem altas chances de estar ocorrendo em várias outras espécies, que continuam a lutar para sobreviver no rio poluído pelos rejeitos.
 
Adultos provenientes de áreas impactadas apresentaram também asas mais irregulares, curvadas e estreitas. Assim como em outros insetos, a capacidade de voo nos tricópteros está relacionada a funções essenciais para a sobrevivência, como se alimentar, se reproduzir e fugir de predadores. Dessa forma, as variações nas estruturas encontradas em larvas e adultos podem  ter consequências que impactem a sobrevivência dos tricópteros da região.

Novidade para o mundo científico
O estudo é o primeiro a avaliar assimetria flutuante em tricópteros na região neotropical e a aplicar métodos de morfometria geométrica (técnica capaz de identificar pequenas assimetrias no corpo que geralmente são difíceis de analisar numa fotografia) nesses indivíduos.

“O trabalho descreve, pela primeira vez na literatura, que tricópteros na fase adulta são adequados para avaliar aumentos de assimetria flutuante em resposta a impactos ambientais. Antes, só havia estudos relacionados a larvas, que são pouco estudadas como espécie para biomonitoramento, ou seja, para a avaliação da saúde dos ecossistemas aquáticos a partir de organismos que vivem neles. Descobrimos a aplicabilidade de uma técnica mais rápida e barata, que pode ser amplamente usada na fase em que tricópteros são mais estudados”, afirma Helena Soares, mestra em Ecologia pela UFMG, uma das integrantes do grupo de pesquisa.

Ao identificar efeitos danosos dos metais pesados derivados do rompimento da barragem da Samarco sobre os insetos aquáticos, os resultados evidenciam que, dez anos após o desastre, os ecossistemas aquáticos ainda sofrem efeitos nocivos que demandam ações urgentes para a conservação e restauração da bacia do Rio Doce.

“Os trágicos efeitos desse desastre, somados a fenômenos como alterações climáticas, mineração predatória no estado de Minas Gerais e expansão das atividades antrópicas, representam ameaças à sobrevivência de comunidades animais, incluindo populações humanas”, explica o coordenador da pesquisa, Geraldo Wilson Fernandes, professor do ICB e coordenador do Centro de Conhecimento em Biodiversidade do CNPq/MCTI.

A pesquisa contou ainda com a participação de Isabela Cristina Rocha, doutora em Zoologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Henrique Paprocki, doutor em entomologia pela Universidade de Minnesota e diretor do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas.

O trabalho foi publicado no periódico internacional Environmental Monitoring and Assessment, dedicado a dados de monitoramentos e avaliações de riscos ambientais, com o título em inglês Mining tailings alter insects: revealing fluctuating asymmetry in the caddisfly Smicridea coronata. O projeto foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), no âmbito do Projeto Biochronos, que desenvolve uma série de estudos sobre os impactos do rompimento da barragem na biodiversidade aquática e terrestre.

Com informações do Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade (Leeb) do ICB